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ELIO GASPARI
O Incor gostou da UTI do BNDES
A ameaça de redução do atendimento ao SUS é um seqüestro de serviço público para cobrar resgate à Viúva
A CRISE DO Instituto do Coração
é uma viagem a três placas das
coronárias da administração
nacional: a corrosão das normas da
contabilidade pública, o seqüestro
das necessidades do andar de baixo
pelo conforto do andar de cima e a
propensão dos monarcas para usar o
erário como poupança privada. Reunido com os representantes do Incor, Nosso Guia praticamente intimou o ministro da Fazenda, Guido
Mantega, a facilitar o crédito para tirar a instituição do buraco. Parecia
D. João 3º dando a ilha de Itaparica à
mãe do conde de Castanheira.
A Fundação Zerbini, que administra o Incor, está falida. Deve R$ 245
milhões (dois AeroLulas), metade
ao velho e bom BNDES. Não quebrou por falta de pacientes, muito
menos por má medicina. Arruinou-se pela leviandade financeira de sua
expansão e porque montou uma sucursal em Brasília, para atender os
maganos da "bancada do coração".
O governador Cláudio Lembo chegou a lembrar que "a fundação esteve presente em Aruba, com um hospital fora do Brasil". A dívida com o
BNDES é velha, de 1998. Ela já foi renegociada em 2003, com direito a
desconto e prorrogação do vencimento de 2001 para 2014.
Para desobstruir as contas do Incor, o BNDES precisa de um fiador
na banca privada. Até agora, essa
boa alma não apareceu. Custa pouco
perceber que o hemograma financeiro do instituto inquieta quem o
examina. Nas palavras do diretor-executivo do Incor, David Uip, "precisamos de um empréstimo em que
haja período de carência, juros baratos e alongamento da dívida". Só?
Até aí, seria o jogo jogado. Um hospital público arruinou-se e precisa
de ajuda do erário. Esse raciocínio
protege não só o Incor mas também
as Santas Casas. Como não dispõem
de um plantel "pacientes de grife",
falta de sorte delas.
O Incor funciona com 79% de seu
atendimento para segurados do
SUS, e 21% para clientes da rede privada de saúde ou particulares. Metade da sua receita anual de assistência vem de impostos pagos pela patuléia, 25% vem do SUS e outros
25% dos convênios privados. Computando-se o que a Viúva financia
em pesquisas, a contribuição da
choldra aumenta.
Diante da bancarrota, surgiu a
ameaça de redução da percentagem
de procedimentos à clientela do SUS
de 79% para 75%. A menos que o
BNDES (montado no dinheiro do
FAT, arrecadado junto aos trabalhadores) faça um empréstimo camarada, o andar de baixo ficará com menos Incor. Caso clássico de seqüestro de um serviço público para exigir
resgate à Viúva.
Em 1963, quando o cardiologista
Euriclides de Jesus Zerbini criou o
Incor, a medicina de São Paulo não
era o que é hoje. Prevalecia a do Rio
de Janeiro, onde uma aristocracia
acadêmico-hospitalar embaralhara
a medicina pública com sua clientela
privada. O Rio tinha médicos famosos com grandes clínicas particulares. São Paulo tinha médicos notáveis trabalhando em grandes instituições públicas. Os "pacientes de
grife" da segunda metade do século
passado eram atendidos no Hospital
dos Servidores do Estado. Como sucede hoje no Incor, seus médicos
eram íntimos dos Poderes da República. Renegociavam verbas e recomendavam amigos. Viraram sucata.
O diretor do Incor, Jorge Kalil Filho, disse à repórter Adriana Dias
Lopes que "talvez tenha sido uma
opção romântica continuar com o
atendimento público". Nada é mais
romântico do que tomar dinheiro
emprestado na praça para depois internar (de novo) o Incor na UTI do
BNDES.
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