São Paulo, Domingo, 16 de Janeiro de 2000


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ELIO GASPARI

A fpilantropia e o atraso riram por último


Há fortes indícios de que o governo prepara alguma coisa para voltar a cassar o benefício fiscal dado às entidades fpilantrópicas, o cruzamento da filantropia com a pilantragem, que drena o cofre da Viúva. Desde 1952, elas não pagam a contribuição patronal da Previdência e hoje estima-se (sem que se saiba direito como essa conta foi feita) que a benemerência custe R$ 2,3 bilhões anuais à Viúva.
Por falta de trabalho, caminha-se para uma trapalhada. Confirmou-se a observação de Sérgio Buarque de Holanda que FFHH gosta de repetir: o que há no Brasil não é uma elite conservadora, mas uma elite atrasada.
Em dezembro de 1998, numa votação confusa, o Congresso cassou a isenção, afetando (e saneando) escolas e hospitais ditos filantrópicos.
A cassação sustentou-se em dois argumentos. Um está inteiramente certo e vem sendo repetido pelo ministro Waldeck Ornélas. A caixa da Previdência Social não deve ser uma casa de mãe Joana e não há razão para que faça filantropia. É um patrimônio dos trabalhadores e destina-se a pagar-lhes proventos dignos quando se aposentam. Se a sociedade quer subsidiar escolas e hospitais filantrópicos (e é bom que queira), deve fazê-lo por meio do Tesouro, às claras.
O segundo argumento é mais embolado. A isenção beneficia tanto entidades filantrópicas quanto malocas pilantrópicas. No primeiro grupo estão, por exemplo as 1.282 escolas católicas. No outro, o gênero encarnado pela frase dita em 1995 por Agripino Lima, dono da Unoeste, de Presidente Prudente. Quando lhe perguntaram se usava os aviões da sua entidade filantrópica (comprados sem pagar impostos) para transportar parentes e amigos, respondeu: "A faculdade é minha".
Uma pesquisa do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais, o Ceris, informa que, entre 1996 e 1999, a igreja fechou ou transferiu o controle de 130 de suas escolas. (O colégio do Sagrado Coração de Jesus, no Rio, deve passar a ser administrado por uma sociedade filantrópica da colônia espanhola.) Em relação a 1995, as matrículas caíram em 19%. Enquanto isso, a filantropia católica manteve as bolsas de estudo no mesmo nível, beneficiando a 3,9 milhões de estudantes (incluindo-se bolsas parciais e cursos de capacitação, como corte e costura).
Esses números revelam que pelo menos um bloco de entidades verdadeiramente filantrópicas vai mal das pernas. No caso do ensino católico, há a tradição de sua qualidade, que é parte da história do país. Isso para não mencionar uma questão que muito preocupa o papa: o direito dos pais católicos darem aos seus filhos um ensino religioso.
Cassada a isenção, estabeleceu-se que as escolas poderiam conquistar o direito ao rebate, desde que concedessem bolsas integrais para alunos carentes. A proposição é demagógica, produto da preguiça. Um jovem de classe média, bom aluno, cujo pai perdeu o emprego, pode precisar mais de uma bolsa parcial num colégio caro do que um outro, pobre, que não estuda. Em vez de fingir que faziam caridade, os parlamentares poderiam ter trabalhado, criando um sistema transparente, submetido à fiscalização pública e comunitária, no qual a necessidade fosse associada ao mérito. (Em 1992, 74% dos alunos da Universidade de Harvard recebiam alguma ajuda financeira. Lá, gastavam-se US$ 60 milhões com o corpo docente regular e US$ 48 milhões com a ajuda aos alunos, 8% dos quais eram negros.)
Enquanto as escolas filantrópicas como as católicas estiverem misturadas com a pilantropia, não haverá jeito. A solução será a cassação pura e simples das isenções. Para que elas se separem, é essencial que exponham suas diferenças, para que se produza uma proposta capaz de cortar as maracutaias das malocas. Isso requer apenas debate e trabalho. Vai dar briga, mas o Ministério da Educação tem capacidade instalada para aguentá-la e há no Congresso parlamentares habilitados a conduzi-la.
Tentar resolver o caso da filantropia educacional a golpe de caneta não vai dar em nada.
A lei votada em 1998 cassando as isenções foi derrubada em julho passado pelo Supremo Tribunal Federal. Disso resultou um desfecho típico do comportamento das elites (e dos Estados) atrasados. A conta foi para a choldra. Sem a isenção, as entidades filantrópicas pediram licença ao governo para aumentar as mensalidades. Coisa lógica, pois penaram um aumento de custos. A ekipekonômica aceitou o pleito e disso resultaram aumentos médios de 15%.
Tudo muito bonito, mas, a partir de julho, com a decisão do Supremo, as escolas (inclusive as católicas) voltaram a ser beneficiadas pelas isenções. Desapareceu, portanto, o aumento de custos . Devolveram o dinheiro? Suspenderam os aumentos? Coisa nenhuma.
O Congresso legislou, o presidente sancionou, o Supremo julgou e coube à patuléia desembolsar um aumento de mensalidades escolares para pagar um custo que sumiu. O dinheiro da choldra, em vez de ir para a Previdência Social, ficou no cofre das entidades fpilantrópicas. Finalmente, como a Previdência está quebrada, o sujeito que pagou mais caro pelo colégio do filho vai ter que trabalhar mais tempo para ganhar a ninharia de sempre ao se aposentar.
Isso é que é atraso.


Frente dos fundos
Está certo que o governo queira preservar os empregos de 300 mil frentistas de postos de gasolina.
O que não está certo é o estrondoso silêncio dos sábios da ekipekonômica. Trata-se de providência que lhes ofende o fundo d'alma. Estão calados porque são oportunistas. Na hora de tungar os aposentados em nome do progresso da ciência, são uns ases. Quando é necessário encarar uma demagogiazinha do presidente da República, enfiam a viola no saco.
A preservação dos frentistas tem as seguintes caraterísticas:
É retrograda, porque impede que os postos de gasolina ganhem produtividade.
É populista, porque finge que protege os trabalhadores, quando, na verdade, maquila um problema social provocado pelos chamados fundamentos da politikekonômica.
É farisaica, porque o governo que obriga os postos de gasolina a contratar frentistas é o mesmo que vive dizendo que o Estado não tem que se meter nas atividades privadas. Disse isso, por exemplo, quando os metalúrgicos do ABC paulista estavam brigando com as montadoras para salvar seus empregos.


Erro
Estava errada a notícia aqui publicada reclamando do governo por exigir que os microempresários com faturamento de até R$ 120 mil passassem a emitir suas notas de compra por meio de um novo tipo de equipamento eletrônico.
A exigência atinge, por enquanto, empresas com faturamento superior a R$ 120 mil.
Acredita-se que, no futuro, ela venha a atingir essas microempresas. Quando isso acontecer (se acontecer), a reclamação poderá ser justa.


Que tal devolver Pindorama aos índios?
Renasceu o velho fantasma da dolarização como remédio heróico para as economias debilitadas de países latino-americanos. A decisão do governo equatoriano de abdicar do seu direito soberano de ter uma moeda própria parece coisa longínqua e quase folclórica. É coisa mais séria.
Em primeiro lugar, porque o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Lawrence Summers, que era um crítico moderado dessa idéia, mudou aos poucos de posição e, hoje, é seu defensor. Pode-se até achar que já teve algum tipo de conversa com autoridades argentinas que o procuraram para discutir o assunto.
Se a durindana deste ano ficar restrita ao Equador, tudo bem. Se ela bater na Argentina, é possível que seu governo venha a abandonar o peso, transformando o dólar em moeda nacional, como sucede no Panamá.
Se isso acontecer, recomeçará a discussão para que se adote o mesmo remédio em Pindorama. Ela apareceu na crise cambial do ano passado e foi deixada de lado, mas FFHH nunca a condenou abertamente.
É coisa séria e tem defensores dentro da ekipekonômica, como medida extrema, no caso de uma nova crise internacional. Representa a maior abdicação de soberania nacional já ocorrida no Brasil, um país que, bem ou mal, está aí há quase dois séculos sem jamais ter feito concessões de soberania desse tamanho. Se D. Pedro 2º tivesse entregue um naco do Sul do país a Solano Lopez, a conta teria sido menor.
Bem que o governo poderia organizar um seminário, como parte das comemorações dos festejos dos 500 anos do Brasil. Juntaria seus gênios e responderia à seguinte pergunta:
"O que é melhor? Entregar a política monetária de Pindorama ao governo dos Estados Unidos da América ou devolver tudo aos índios, pedir desculpas pelo estrago e voltar para Portugal?"


A CPI da Privataria virá. Que venha logo

O Planalto sentiu que uma parte de sua base de apoio o ameaça com a possibilidade de vir a endossar a formação de uma CPI da privatização das empresas de telecomunicações.
Há gente de cabelo em pé.
Deveriam pensar melhor. A experiência mostra que sempre que o governo tenta impedir a formação de uma CPI, ela acaba aparecendo. Assim foi com a banca. FFHH teve que abrir o balcão para impedir que ela surgisse em 1995, no rastro do Proer, e, no ano passado, acabou engolindo um sucedâneo, por conta da festa da desvalorização do real.
Só houve uma CPI que morreu no nascedouro, para alegria do governo. Foi a dos empreiteiros. É preciso ser muito ingênuo para acreditar que ela foi morta pela capacidade de convencimento do Planalto e não pelo formidável poder de per$ua$ão dos próprios empreiteiros.
Se a CPI das Privatizações (todas) sair já, vai custar a metade do preço do que custará saindo a partir do segundo semestre do ano que vem, quando servirá de combustível para a campanha eleitoral.
Uma coisa é certa: alguém vai ter que sentar diante de senadores e deputados para explicar, por exemplo, como é que sumiu uma barragem no edital do leilão da privataria da Light.

Honra ao Mérito
Vai aqui uma homenagem ao professor Gustavo Franco. Passado o primeiro aniversário da desvalorização do câmbio, ele se transformou no único defensor da política de sobrevalorização que durou quatro anos, reelegeu FFHH e arruinou o país. Defendia-a antes e defende-a agora. Mais: sustenta que a política cambial não deveria ter sido mudada.
A malandragem que o acompanhou foi-se embora de fininho (ficando ou entrando no governo). A sobrevalorização passou a ser coisa de Franco, a "banda diagonal endógena" ficou para a biografia de Chico Lopes e faz-se de conta que o governo de FFHH começou em janeiro do ano passado.

Camurça pobre
Feliz com as pesquisas que mostraram a presistência da recuperação da popularidade de FFHH, o ministro Andrea Matarazzo teme que o governo venha a "subir no salto".
Já subiu. Segundo um dos participantes da reunião de FFHH com sua ekipepolítika, na fazendinha do ministro Pimenta da Veiga, ele anunciou que vai botar o bloco na rua, usando a seguinte expressão:
"Vou sujar o sapato."
O contato com a escumalha suja os sapatos, mas o presidente não deve se preocupar. Não faltam maganos para limpá-lo.
Para o bem de todos, FFHH poderia presentear o ministro Rafael Greca com os sapatos de camurça que usou para ir à enchente mineira e com os quais já esteve nas frentes de trabalho da seca nordestina.


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