São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Tsunami nasceu no PT

RENATA LO PRETE
EDITORA DO PAINEL

Na origem do "tsunami Severino Cavalcanti", nome dado em Brasília à onda que engoliu a praia do governo Lula na madrugada de ontem, está o modo petista de operar o Congresso.
Para entender o naufrágio da candidatura oficial à presidência da Câmara dos Deputados é preciso ter claro que o PT jamais se enxergou como partido principal -e portanto aglutinador- de uma ampla e fluida base governista, mas apenas como partido no poder, que busca agregar aliados em fatias, aqui e ali, de acordo com a necessidade da hora.
Até hoje ininteligível para boa parte dos parlamentares de outras legendas, a escolha de Luiz Eduardo Greenhalgh (SP) como candidato da bancada majoritária levou em conta exclusivamente a lógica do PT: seus grupos, suas disputas internas, os vetos vindos do alto a sucessivos nomes da lista de postulantes.
Uma vez definido o candidato, a sigla continuou voltada para o próprio umbigo. Tratava-se de decidir o que fazer com o dissidente Virgílio Guimarães (MG), além de apalavrar abrigo, na futura administração, para apaniguados de João Paulo Cunha (SP), que só assim aceitou a tarefa de carregar o pesado Greenhalgh.
Eliminadas essas dificuldades, tudo o mais se resolveria, acreditava o PT, porque "governo não perde eleição de presidente da Câmara", como a imprensa se cansou de repetir até quase o amanhecer de ontem.
Perdeu. Os "300 picaretas" a que Lula um dia se referiu deram o troco a seu governo num movimento horizontal de insatisfação com o Palácio do Planalto e generalizada anarquia partidária.
Encerrado o espetáculo na Câmara, o Oscar de comédia involuntária foi para Aldo Rebelo, o coordenador político que não tem licença do PT para coordenar nada e nem mesmo para levar ao Congresso a mensagem de abertura do ano legislativo, porque isso deixaria José Dirceu aborrecido.
De acordo com o ministro do PC do B, "havia três candidatos da base; ganhou um deles".
Do ponto de vista imediato, Aldo não está de todo errado ao relativizar as conseqüências práticas da derrota na Câmara.
Em primeiro lugar porque ao mundo real interessam mesmo os resultados da economia. Mais e mais, Antonio Palocci é o pau que sustenta a lona do circo do governo Lula, na definição precisa do deputado Delfim Netto.
Em segundo porque, à parte alguma obsessão com matérias de cunho "moral", é pouco provável que o novo presidente da Câmara se decida a criar dificuldade de monta ao Planalto.
Ontem, já havia em Brasília quem julgasse ser mais fácil aprovar a autonomia do Banco Central sob a gestão Severino do que seria com Greenhalgh sentado na mesma cadeira. Basta que o governo se disponha a negociar nos termos entendidos pelo movimento ora vitorioso na Câmara.
Disso derivam as conseqüências práticas do tsunami, que são essencialmente duas: a "alimentação" do Congresso sairá mais cara ao governo; a costura necessária à reeleição de Lula também.


Texto Anterior: Severino vence Greenhalgh e impõe maior derrota a Lula
Próximo Texto: A revanche dos 300: Governo enfrenta pesadelo e traição na noite dos severinos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.