São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 2005

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A REVANCHE DOS 300

Novo presidente da Câmara promete não atrapalhar Lula e aumentar salário parlamentar

Governo enfrenta pesadelo e traição na noite dos severinos

RANIER BRAGON
FABIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo sofreu sua maior derrota no Legislativo com a eleição na madrugada de ontem de Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara dos Deputados, fato inédito na história recente, já que não há registro de vitória de um candidato de oposição numa disputa com um governista para dirigir a instituição.
Severino, que assumiu ontem como o 99º presidente da Câmara, teve 300 votos no segundo turno, 105 a mais do que Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), candidato apoiado pelo Palácio do Planalto, que obteve 195 votos.
Logo em seu discurso de posse, adotou um tom conciliador ao dizer que não criará "empecilhos ao meu conterrâneo de Pernambuco [o presidente Lula]" e prometeu aumentar o salário dos deputados -de R$ 12.800 para R$ 21.500.
A manifestação do Hino Nacional puxado pelos apoiadores de Severino foi assistida por perplexos petistas, que não conseguiam acreditar na quebra da tradição segundo a qual a maior bancada da Casa -no caso, o PT, com 91 deputados- indica o presidente.
A votação demorou mais de 12 horas. Começou às 18h de anteontem, e o resultado foi proclamado às 6h38 de ontem. No primeiro turno, anteontem, Greenhalgh venceu com 207 votos contra 124 de Severino. O candidato rebelde do PT, Virgílio Guimarães (MG), obteve 117 e ficou em terceiro.
"Esse episódio foi uma explosão de uma coisa contida, de todo um sentimento anti-PT, anti-governo", afirmou o deputado Alberto Goldman (PSDB-SP). "Votamos contra o Lula. Começamos hoje [ontem] a derrotar a reeleição dele", disse José Carlos Aleluia (BA), que também foi candidato e recebeu 53 votos no primeiro turno.
A traição foi clara, facilitada pelas votações secretas. A base governista soma 377 deputados, 73% do total de 513. "Os partidos que compõem o governo não foram leais. Senão todos, grande parte", disse Beto Albuquerque (PSB-RS), um dos vice-líderes do governo. A suspeita paira sobre PMDB, PTB e PP, que freqüentemente se dizem insatisfeitos com o atendimento dado pelo Planalto: não-liberação de verbas para as emendas apresentadas ao Orçamento, não-efetivação de indicados para cargos federais e mau atendimento pelos ministros em relação aos pleitos dos deputados.
"É melhor não falar nada do que falar coisa que não deve", limitou-se a dizer João Paulo Cunha (PT-SP), que deixou ontem o posto de presidente da Câmara. "Muitos acharam que essa era a forma de revidar uma insatisfação com o governo", afirmou José Múcio (PE), líder da bancada do PTB.
A insatisfação não foi contida nem mesmo com a promessa de distribuição de verbas e de cargos que o governo teria feito, segundo vários deputados ouvidos.
Petistas já falavam ontem em retaliação, principalmente ao PP de Severino, partido cotado para assumir um ministério. A responsabilidade pelo fracasso também era atribuída aos ministros políticos, em especial Aldo Rebelo (Coordenação Política) e José Dirceu (Casa Civil). A derrota do Planalto se torna mais contundente porque vários ministros se empenharam pelo candidato oficial.
Greenhalgh cumprimentou Severino, mas não quis dar entrevistas. Virgílio afirmou que não se sente culpado pela derrota petista e disse que sempre alertou haver na Casa um sentimento de independência em relação ao Planalto.
Severino, 74, que terá mandato como presidente até fevereiro de 2007, é defensor histórico do aumento de recursos para os deputados e freqüentemente caracterizado como o defensor do "baixo clero", como são conhecidos os deputados de pouca expressão política.
"É a vitória do retrocesso. Um grupo que pretendeu atingir o governo, atingiu a si próprio", disse Chico Alencar (PT-RJ).


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