São Paulo, Terça-feira, 16 de Março de 1999
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CELSO PINTO
O paradoxo da crise

O que aconteceu ontem foi um bom exemplo do paradoxo que pode acompanhar o país nos próximos meses: euforia financeira, com a Bolsa subindo 8,2% e o dólar caindo para R$ 1,86, convivendo com um clima de depressão no mundo real.
Não é a primeira vez que isso acontece, mas o fosso entre o mundo real e o financeiro, desta vez, pode ficar enorme. Enquanto na vida real a recessão e o desemprego ainda vão piorar antes de melhorar, no mundo financeiro começam as apostas de que o pior já passou.
As chances de o governo atravessar mais ou menos ileso o fundo do poço da economia real, nos próximos três ou quatro meses, estão ligadas à habilidade com que ele consiga administrar esta contradição. Se tiver boas notícias financeiras para vender uma melhora futura, ficará mais fácil enfrentar as pressões políticas que acompanharão a piora econômica.
Por enquanto, a única certeza é a sucessão de más notícias na economia real. Mesmo que o fundo do poço da recessão fique em março, algo ainda duvidoso, os efeitos perversos vão se agravar nos próximos meses.
O desemprego vai chegar a novos recordes e não há nada, no mundo financeiro, que possa evitar que isso ocorra. O salário mínimo será o menor, em dólares, em muitos anos, e a pressão por um mínimo de US$ 100 vai durar até seu reajuste, em maio.
A inflação tem sido menor do que o previsto, mas sempre haverá um número ruim para estimular discussões sobre descontrole de preços. O IGP-DI de 4,4% em fevereiro não foi uma má notícia, porque mostrou uma estabilidade nos preços do atacado (aumento de 6,99%, comparado a 6,98% no IGP-M, fechado dez dias antes).
Pelo menos um grande banco já prevê um IGP-DI de 3,9% este mês e 2,1% em abril. Os índices de custo de vida, que são os que, de fato, medem o poder aquisitivo e serão a base para a fixação dos juros reais, ficaram entre 1% e 1,4% em fevereiro, com tendência de queda no início de março.
São resultados animadores. É inevitável, no entanto, que a discussão sobre reposição salarial, inclusive do mínimo, se concentre em torno dos piores resultados.
Recessão, desemprego e inflação são ingredientes básicos de tensão social e política. De onde poderão vir as boas notícias financeiras?
A desastrosa administração do primeiro mês e meio de câmbio livre, mais os paralelos, muitas vezes equivocados, somados a Rússia e Ásia, levaram a um excesso de pessimismo do mercado internacional em relação ao Brasil. Olhando para a Ásia, concluiu-se que a desvalorização levaria a uma desorganização do sistema produtivo e bancário, levando a uma profunda recessão. Da Rússia, tirou-se a lição de que o Brasil caminhava para uma moratória da dívida interna.

Dívidas de empresas
Ao contrário da Ásia, a economia brasileira já estava desaquecida, com grande capacidade ociosa, o endividamento das empresas era e ainda é muito pequeno e os bancos estão razoavelmente bem. Nem todos estavam protegidos contra a desvalorização, mas não é nada comparável ao colapso asiático.
Ao contrário da Rússia, a dívida interna brasileira não está nas mãos de investidores estrangeiros. Houve um salto contábil no estoque da dívida, provocado pela desvalorização, mas como o déficit é formado por juros e eles ficaram negativos (porque são medidos pelo IGP) desde fevereiro, o estoque da dívida vai cair. Antes da desvalorização, com juros reais de 30% ao ano, a dívida ia para o desastre. Agora, com juros reais negativos ou muito mais baixos, além de superávit primário, a dinâmica melhorou.
O acordo com o FMI e a liberação de dólares para alimentar o mercado ajudaram a mudar percepções. A votação final da CPMF e a liberação dos US$ 9,3 bilhões do FMI vão ajudar ainda mais. Duas outras possíveis ajudas de curto prazo seriam um saldo na balança comercial superior a US$ 500 milhões em março e uma eventual emissão de bônus pelo Brasil.
Não há garantia de que os dólares voltarão em curto prazo, mas, como o mercado tende a antecipar tendências, se o otimismo não for passageiro, o fluxo pode começar a melhorar logo. A começar pela volta dos US$ 15 bilhões de brasileiros que saíram antes da desvalorização, nos cálculos do ex-presidente do BC, Chico Lopes.
Se o fluxo externo voltar mais rápido do que o previsto, a cotação do dólar pode cair, com consistência, mais cedo, ajudando a conter a inflação e os juros reais. Permitindo, portanto, uma recuperação econômica mais rápida.
Nada disso, contudo, está garantido e mesmo o cenário mais otimista não elimina uma piora da economia real a curto prazo. O grande desafio do governo será sobreviver com poucas escoriações.


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