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CELSO PINTO
O paradoxo da crise
O que aconteceu ontem foi um
bom exemplo do paradoxo que pode acompanhar o país nos próximos meses: euforia financeira,
com a Bolsa subindo 8,2% e o dólar caindo para R$ 1,86, convivendo com um clima de depressão no
mundo real.
Não é a primeira vez que isso
acontece, mas o fosso entre o mundo real e o financeiro, desta vez,
pode ficar enorme. Enquanto na
vida real a recessão e o desemprego ainda vão piorar antes de melhorar, no mundo financeiro começam as apostas de que o pior já
passou.
As chances de o governo atravessar mais ou menos ileso o fundo do
poço da economia real, nos próximos três ou quatro meses, estão ligadas à habilidade com que ele
consiga administrar esta contradição. Se tiver boas notícias financeiras para vender uma melhora
futura, ficará mais fácil enfrentar
as pressões políticas que acompanharão a piora econômica.
Por enquanto, a única certeza é a
sucessão de más notícias na economia real. Mesmo que o fundo do
poço da recessão fique em março,
algo ainda duvidoso, os efeitos
perversos vão se agravar nos próximos meses.
O desemprego vai chegar a novos
recordes e não há nada, no mundo
financeiro, que possa evitar que isso ocorra. O salário mínimo será o
menor, em dólares, em muitos
anos, e a pressão por um mínimo
de US$ 100 vai durar até seu reajuste, em maio.
A inflação tem sido menor do
que o previsto, mas sempre haverá
um número ruim para estimular
discussões sobre descontrole de
preços. O IGP-DI de 4,4% em fevereiro não foi uma má notícia, porque mostrou uma estabilidade nos
preços do atacado (aumento de
6,99%, comparado a 6,98% no
IGP-M, fechado dez dias antes).
Pelo menos um grande banco já
prevê um IGP-DI de 3,9% este mês
e 2,1% em abril. Os índices de custo
de vida, que são os que, de fato,
medem o poder aquisitivo e serão
a base para a fixação dos juros
reais, ficaram entre 1% e 1,4% em
fevereiro, com tendência de queda
no início de março.
São resultados animadores. É
inevitável, no entanto, que a discussão sobre reposição salarial, inclusive do mínimo, se concentre
em torno dos piores resultados.
Recessão, desemprego e inflação
são ingredientes básicos de tensão
social e política. De onde poderão
vir as boas notícias financeiras?
A desastrosa administração do
primeiro mês e meio de câmbio livre, mais os paralelos, muitas vezes equivocados, somados a Rússia
e Ásia, levaram a um excesso de
pessimismo do mercado internacional em relação ao Brasil.
Olhando para a Ásia, concluiu-se
que a desvalorização levaria a
uma desorganização do sistema
produtivo e bancário, levando a
uma profunda recessão. Da Rússia, tirou-se a lição de que o Brasil
caminhava para uma moratória
da dívida interna.
Dívidas de empresas
Ao contrário da Ásia, a economia
brasileira já estava desaquecida,
com grande capacidade ociosa, o
endividamento das empresas era e
ainda é muito pequeno e os bancos
estão razoavelmente bem. Nem todos estavam protegidos contra a
desvalorização, mas não é nada
comparável ao colapso asiático.
Ao contrário da Rússia, a dívida
interna brasileira não está nas
mãos de investidores estrangeiros.
Houve um salto contábil no estoque da dívida, provocado pela desvalorização, mas como o déficit é
formado por juros e eles ficaram
negativos (porque são medidos pelo IGP) desde fevereiro, o estoque
da dívida vai cair. Antes da desvalorização, com juros reais de 30%
ao ano, a dívida ia para o desastre.
Agora, com juros reais negativos ou
muito mais baixos, além de superávit primário, a dinâmica melhorou.
O acordo com o FMI e a liberação
de dólares para alimentar o mercado ajudaram a mudar percepções.
A votação final da CPMF e a liberação dos US$ 9,3 bilhões do FMI vão
ajudar ainda mais. Duas outras
possíveis ajudas de curto prazo seriam um saldo na balança comercial superior a US$ 500 milhões em
março e uma eventual emissão de
bônus pelo Brasil.
Não há garantia de que os dólares
voltarão em curto prazo, mas, como o mercado tende a antecipar
tendências, se o otimismo não for
passageiro, o fluxo pode começar a
melhorar logo. A começar pela volta dos US$ 15 bilhões de brasileiros
que saíram antes da desvalorização, nos cálculos do ex-presidente
do BC, Chico Lopes.
Se o fluxo externo voltar mais rápido do que o previsto, a cotação do
dólar pode cair, com consistência,
mais cedo, ajudando a conter a inflação e os juros reais. Permitindo,
portanto, uma recuperação econômica mais rápida.
Nada disso, contudo, está garantido e mesmo o cenário mais otimista não elimina uma piora da
economia real a curto prazo. O
grande desafio do governo será sobreviver com poucas escoriações.
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