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São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 2003

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ELIO GASPARI

Entre Fidel e o capitão Ubirajara

É dura a vida do brasileiro. Tem de conviver com um governo cujo partido faz corpo mole para condenar o fuzilamento de três cubanos que sequestraram um barco de passageiros na tentativa de se escafederem do paraíso fidelista. (Se bobear, há mais castretes em Brasília do que castristas em Havana.) Vira-se para o outro lado e vê o governador de São Paulo, candidatíssimo a presidente da República, defendendo a manutenção de um notório torturador da ditadura militar em cargo de confiança (e escuta telefônica) de sua administração.
O professor americano Edward Peters ensinou, há quase 20 anos, que "o futuro da tortura depende do futuro do torturador". Ao defender a permanência do delegado Aparecido Laertes Calandra, o capitão Ubirajara do DOI, na chefia do Departamento de Inteligência da Polícia Civil, o governador tucano Geraldo Alckmin está passando um sinal aos demais torturadores de todos os regimes. Argumenta o governador que Ubirajara precisa trabalhar: "Alguma coisa tem de fazer". Certo, poderia trabalhar na liquidação da Daslu Homem, em apoio ao Fome Zero.
Ubirajara e seus companheiros de malfeitorias fizeram o que fizeram e fazem o que fazem porque tiveram e têm a confiança de seus chefes. Na ditadura, os generais confiavam em Ubirajara-Calandra. Na democracia, Alckmin confia em Calandra-Ubirajara. Como o casal Garotinho confia em Josias Quintal, secretário de segurança do Rio de Janeiro e ex-sócio atleta do DOI, sem que haja contra ele denúncias de tortura.
O governador Alckmin dispõe do depoimento da ex-presa política Maria Amélia de Almeida Teles. Ela pode lhe contar como morreu Carlos Nicolau Danielli. Foi executado com dois tiros no peito em dezembro de 1972. Danielli era um dos dirigentes do PC do B. Vale registrar que esse partido se recusou a subscrever a moção que condena os fuzilamentos de Fidel Castro. Doutor Alckmin também pode pedir ao chefe do departamento de inteligência de sua polícia que lhe conte como morreu Hiroaki Torigoi. Tinha 28 anos e foi executado no DOI em janeiro de 1972. Seus torturadores foram seis. Como Torigoi não conseguia ficar de pé, torturaram-no amarrado a uma cama de campanha.
O delegado Calandra talvez saiba quem é o capitão Ubirajara que às 18h10 do dia 25 de outubro de 1975 telefonou para a Polícia Técnica informando que havia um cadáver no DOI. Chamava-se Vladimir Herzog.
Pode esclarecer também a identidade da pessoa a quem um policial informou que "a omelete está feita". Isso aconteceu no dia 17 de junho de 1976. Tinham acabado de matar o metalúrgico Manuel Fiel Filho.
Argumenta o governador que houve uma anistia e que ela vale para os dois lados. Tem razão. A anistia faz com que não se possa responsabilizar criminalmente o delegado Calandra pelos crimes de que é acusado. Ela não obriga, nem sugere, que sejam esquecidos os delitos praticados por qualquer dos dois lados. Se o governador tivesse nomeado para um cargo de confiança um ex-militante esquerdista que tivesse executado um prisioneiro, teria um assassino na sua equipe. Nomeando um torturador, tem um torturador ao seu lado e, como se vê, acha que está bem servido.
Numa vertente que nada teve a ver com torturas ou atos terroristas, a anistia de que fala Alckmin também beneficiou Mário Covas. O governador deveria se perguntar se Covas, vivo, estaria fazendo o seu papel.


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