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ELIO GASPARI
Entre Fidel e o capitão Ubirajara
É dura a vida do brasileiro.
Tem de conviver com um
governo cujo partido faz corpo
mole para condenar o fuzilamento de três cubanos que sequestraram um barco de passageiros na tentativa de se escafederem do paraíso fidelista. (Se
bobear, há mais castretes em
Brasília do que castristas em
Havana.) Vira-se para o outro
lado e vê o governador de São
Paulo, candidatíssimo a presidente da República, defendendo
a manutenção de um notório
torturador da ditadura militar
em cargo de confiança (e escuta
telefônica) de sua administração.
O professor americano Edward Peters ensinou, há quase
20 anos, que "o futuro da tortura depende do futuro do torturador". Ao defender a permanência do delegado Aparecido Laertes Calandra, o capitão Ubirajara do DOI, na chefia do Departamento de Inteligência da Polícia Civil, o governador tucano Geraldo Alckmin está passando
um sinal aos demais torturadores de todos os regimes. Argumenta o governador que Ubirajara precisa trabalhar: "Alguma
coisa tem de fazer". Certo, poderia trabalhar na liquidação da
Daslu Homem, em apoio ao Fome Zero.
Ubirajara e seus companheiros de malfeitorias fizeram o que
fizeram e fazem o que fazem
porque tiveram e têm a confiança de seus chefes. Na ditadura,
os generais confiavam em Ubirajara-Calandra. Na democracia, Alckmin confia em Calandra-Ubirajara. Como o casal
Garotinho confia em Josias
Quintal, secretário de segurança
do Rio de Janeiro e ex-sócio atleta do DOI, sem que haja contra
ele denúncias de tortura.
O governador Alckmin dispõe
do depoimento da ex-presa política Maria Amélia de Almeida
Teles. Ela pode lhe contar como
morreu Carlos Nicolau Danielli.
Foi executado com dois tiros no
peito em dezembro de 1972. Danielli era um dos dirigentes do
PC do B. Vale registrar que esse
partido se recusou a subscrever a
moção que condena os fuzilamentos de Fidel Castro. Doutor
Alckmin também pode pedir ao
chefe do departamento de inteligência de sua polícia que lhe
conte como morreu Hiroaki Torigoi. Tinha 28 anos e foi executado no DOI em janeiro de 1972.
Seus torturadores foram seis.
Como Torigoi não conseguia ficar de pé, torturaram-no amarrado a uma cama de campanha.
O delegado Calandra talvez
saiba quem é o capitão Ubirajara que às 18h10 do dia 25 de outubro de 1975 telefonou para a
Polícia Técnica informando que
havia um cadáver no DOI. Chamava-se Vladimir Herzog.
Pode esclarecer também a
identidade da pessoa a quem
um policial informou que "a
omelete está feita". Isso aconteceu no dia 17 de junho de 1976.
Tinham acabado de matar o
metalúrgico Manuel Fiel Filho.
Argumenta o governador que
houve uma anistia e que ela vale
para os dois lados. Tem razão. A
anistia faz com que não se possa
responsabilizar criminalmente o
delegado Calandra pelos crimes
de que é acusado. Ela não obriga, nem sugere, que sejam esquecidos os delitos praticados
por qualquer dos dois lados. Se o
governador tivesse nomeado para um cargo de confiança um
ex-militante esquerdista que tivesse executado um prisioneiro,
teria um assassino na sua equipe. Nomeando um torturador,
tem um torturador ao seu lado
e, como se vê, acha que está bem
servido.
Numa vertente que nada teve
a ver com torturas ou atos terroristas, a anistia de que fala Alckmin também beneficiou Mário
Covas. O governador deveria se
perguntar se Covas, vivo, estaria
fazendo o seu papel.
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