São Paulo, domingo, 16 de junho de 2002

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Novamente, mercado tem certeza de que condução da economia mudará e teme o desconhecido

Como em 98, eleição evidencia política econômica frágil

GUSTAVO PATÚ
SECRETÁRIO-ASSISTENTE DE REDAÇÃO

Nas eleições de 98, o mercado sabia que a política econômica de então, voltada para segurar o dólar em torno de R$ 1,20, era insustentável tecnicamente. Acreditava, porém, que o único candidato a defendê-la -o presidente Fernando Henrique Cardoso- era o mais indicado a alterá-la.
Agora, o mercado sabe que a atual condução da economia, voltada para o controle dos gastos públicos, embora mais realista, é insustentável politicamente -todos os candidatos, inclusive o do governo, se propõem a alterá-la para retomar o crescimento.
Diferenças à parte, existem nos dois casos a certeza de que a política econômica mudará e o consequente medo do desconhecido, com o agravante, para o mercado, de que desta vez a oposição lidera as pesquisas de intenção de voto.
E a crise das últimas semanas deixou claro que, como em 98, os presidenciáveis prometerão manter a estabilidade da moeda e avançar em conquistas sociais, mas o eleito correrá o risco de gastar a maior parte do mandato apenas tentando desfazer uma armadilha chamada dívida pública.
Há quatro anos, a dívida de União, Estados e municípios caminhava para fechar o primeiro mandato de FHC em R$ 390 bilhões, num ritmo explosivo de crescimento -eram R$ 150 bilhões no início do governo.
Foi uma consequência direta do Plano Real, cuja estratégia se baseava em manter o dólar barato, graças a juros cada vez mais altos para seduzir credores e investidores estrangeiros.
A equipe econômica subestimou os custos dessa estratégia, acreditando que o bom desempenho da economia mundial, puxada pelos EUA, e o programa de privatizações bastariam para manter o fluxo de capital externo.
Para piorar a situação, o controle de gastos não estava entre as prioridades políticas do governo, que praticamente não economizava nada da arrecadação de impostos para pagar juros.
Em 98, estava criado um cenário de tragédia: a moratória da Rússia assustou os investidores, o Brasil deixou de receber capital externo, os juros passaram de 40% ao ano e tornaram ainda maior a desconfiança em relação à capacidade do governo de pagá-los.

Mudança radical
No segundo mandato de FHC, o nó não chegou a ser desatado -foi apenas afrouxado, a partir de uma guinada radical da política econômica e de um megapacote de apoio internacional negociado com o FMI.
O real foi desvalorizado, e o dólar passou a flutuar livremente; a balança comercial, favorecida pelo novo câmbio, passou de deficitária a superavitária, reduzindo a dependência em relação ao capital externo; os juros caíram de patamar; o governo elevou fortemente os impostos e passou a destinar enormes parcelas da receita ao pagamento da dívida.
O acordo com o FMI, bancado pela administração norte-americana de Bill Clinton, contribuiu para que o país mantivesse dólares em suas reservas e evitasse um descrédito internacional como o vivido hoje pela Argentina.
FHC conseguiu promover o que provavelmente foi a desvalorização de moeda mais bem-sucedida dos anos recentes, sem disparada da inflação nem recessão aguda, mas ao preço de sacrificar sua popularidade e a capacidade de iniciativa política do governo.
E também ao preço, agora bem mais visível, de uma nova escalada da dívida pública: como boa parte dela é em dólar ou corrigida pelo dólar, a queda do real acabou por arrastá-la à casa dos R$ 700 bilhões de hoje.

Paralisia
Mesmo que a dívida ainda seja administrável, como sustentam o governo e até o PT, todos preocupados em não assustar os credores, o fato é que ela inviabilizou a política econômica anterior e paralisou a atual.
No segundo mandato de FHC, só houve crescimento satisfatório em 2000, quando a economia americana ia bem e não houve crises em países emergentes.
O governo destina cada vez mais dinheiro ao pagamento de juros, mas mesmo os quase R$ 49 bilhões previstos para este ano são insuficientes para a despesa; numa conta grosseira, taxas ainda muito altas como as atuais, de 18,5%, aplicadas a uma dívida de R$ 700 bilhões, resultam em quase R$ 130 bilhões ao ano.
Não por acaso, a prioridade de todos os presidenciáveis é a redução dos juros. O que não está claro é como e em quanto tempo isso poderá ser feito -e sem sacrificar outra promessa, a de preservar a estabilidade da moeda.



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