São Paulo, domingo, 16 de junho de 2002

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NO PLANALTO

Saiba por que você fará gol contra na Copa presidencial

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Passada a Copa, fase em que esquece até dos credores à porta, o brasileiro terá de se concentrar na campanha presidencial. O jogo é parecido. A mesma ausência de lógica. A diferença é que a bola é quadrada, vale canelada e quem bate o pênalti final é o torcedor.
Não demora e você estará no interior daquela cabine mágica, diante da urna eletrônica. Hora de parar, confabular consigo mesmo, levantar a cabeça, mirar no canto e chutar. Sem perder de vista um detalhe: corrupção e hipocrisia não nascem em árvore. Vêm da urna.
O diabo é que muita gente não sabe até agora do que é que se está falando. Convém, portanto, submeter certos conceitos a um filtro dialético. A rediscussão de pensamentos e idéias estabelecidas não resolve o problema. Mas evita euforias vãs. E ajuda a arranjar desculpas prévias para o erro que se irá cometer.
Leia abaixo 35 definições básicas:
Democracia: regime em que as pessoas têm ampla e irrestrita liberdade para exercitar a sua capacidade de fazer besteiras por conta própria;
Eleição: loteria sem prêmio. Ilusão de que é possível começar tudo de novo, do zero, para ver se finalmente dá certo;
Voto: equívoco renovado de quatro em quatro anos;
Eleitor: indivíduo condenado a optar entre o lamentável e o impensável;
Candidato: pretensioso que faz merchandising do próprio umbigo, dizendo coisas definitivas sem definir as coisas;
Campanha eleitoral: período em que um grupo de loucos obtém licença para interromper a novela e apresentar na TV credenciais para dirigir o hospício;
Coerência política: velha maluca que faz tricô com o novelo de suas próprias contradições;
Coligação: conchavo que une culpados inocentes e inocentes culpados. Grupo de aliados políticos constituído a partir do estreitamento de inimizades mortais;
Petista: quercista que ainda não pôs a mão na chave do cofre;
Quercista: cofre que ambiciona pôr a mão num prontuário de petista;
Marketing político: técnica que consiste em enfeitar a forca, de modo a conferir-lhe a aparência de inofensivo instrumento de cordas;
Programa de governo: tratado de verdades que se esquecerão de acontecer;
Poder: pote de mel que vem com os ferrões da abelha junto. A ruína do talento;
FHC: narcisismo em compota. Político que se situa à direita de Fernando Henrique Cardoso;
Lula: enfadado de tanto concorrer à Presidência, converteu-se em compositor. Compõe com qualquer um. Não é mais aquele e ainda não é outro. Candidato mais cotado a transformar o adversário, qualquer um, em presidente;
Serra: candidato a chefe de um governo ruim. Ele proclama que o de FHC foi ótimo;
Garotinho: molequinho entrado em anos;
Ciro: pistola carregada, que dispara inofensivamente a esmo;
Rita: pessoa com peito para encarar o decorativo emprego de vice. Novidade no seio da política. Um Marco Maciel com sex appeal. A ociosidade com saliências e reentrâncias;
Roseana: fruta que pende de árvore genealógica sem futuro, graças ao enorme passado que tem pela frente;
PSDB: a mesma esculhambação de sempre, só que com doutorado na USP;
PFL: projeto político que saiu pelo ladrão;
PMDB: organização partidária com fins lucrativos;
Pesquisa eleitoral: estatística que antecipa o nome do herói que os pára-choques de caminhão chamarão de ladrão 15 dias depois da posse;
Juros: quanto maior a taxa, menor o poder de fogo de quem a estabelece;
Mercado financeiro: playground em que o dinheiro se protege da Cuca enquanto mamãe vai para a roça e papai vai trabalhar. Dorme de luz acesa. Mas se assusta com qualquer coisinha. Enxerga sob os fios da barba de Lula monstrinhos satânicos que quebram louça e rasgam contratos. Encanta-se com o brilho da careca do Serra. E acha fofinho o queixo-duplo do Malan, atrás do qual se esconde o bicho-papão definitivo: a dívida pública;
Dívida pública: única coisa que cresce mais do que o desemprego na economia da era do tucanato;
Tucanato: linhagem de políticos que têm os pés no chão. E as mãos também;
Análise de mercado: relatório produzido por um yuppie da banca internacional para informar aos investidores que Brasília está a caminho de Buenos Aires;
Argentina: cemitério de egos;
Política social: FHC está tão maravilhado com a sua que, deixando Brasília, pode abrir mão das mordomias de ex-presidente, da aposentadoria da USP e entrar na fila do Bolsa-Alimentação e do vale-gás;
Desempregado: figurante à espera da chance de entrar em cena na peça da modernidade, cujo enredo dispensa o pobre. O etc. da história;
Seguro-desemprego: penúltimo refúgio do pobre-diabo que ainda não empobreceu o bastante para virar um miserável;
Fundo DI: penúltimo refúgio do rico que ainda não enriqueceu o suficiente para mandar a grana para as Ilhas Cayman;
Futuro: uma pousada chamada Cantinho do Céu, sem ar-condicionado nos quartos.



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