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ENTREVISTA DA 2ª
Formação de oficiais no país
é deficiente, diz historiador
RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha
A formação de oficiais no Exército brasileiro é limitada porque
os alunos têm sua independência
restrita pela falta de abertura do
curso e por a instituição ser mais
fechada à sociedade do que nos
EUA, por exemplo. Essa é uma
das opiniões de um dos principais
especialistas em Exército brasileiro, o norte-americano Frank Daniel McCann, 55, historiador da
Universidade de New Hampshire.
Ele é autor de um clássico estudo sobre as relações militares entre Brasil e EUA na Segunda
Guerra, "The Brazilian-American
Alliance, 1937-1945" (1973).
McCann veio ao Brasil para participar de encontros em universidades. Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha.
Folha - Por que o sr. acha o
Exército brasileiro mais fechado
à sociedade que o americano?
Frank McCann - Principalmente porque as portas de entrada são
múltiplas nos Estados Unidos, e
aqui a Aman (Academia Militar
das Agulhas Negras) é a única
porta para os oficiais de carreira.
Lá existem muitas unidades de
ROTC (Reserve Officer Training
Corps) nas universidades, o oficial pode ter uma preparação, como eu, em história, ou em biologia. A academia de West Point é
apenas mais uma porta de entrada, existem também outras academias.
E há diferenças nos currículos.
West Point visa formar os futuros
generais, Agulhas Negras pretende formar tenentes. O currículo é
deliberadamente feito de modo a
não dar tempo aos cadetes pesquisarem além daquilo que se pede nas apostilas.
Os líderes do Exército acreditam que os cadetes são jovens demais para pesquisar e chegar a
conclusões independentes; isso
seria só para mentes mais maduras, como já ouvi de um ex-ministro do Exército.
Folha - O sr. está escrevendo
um livro sobre o Exército brasileiro entre 1889 e 1937 ou 1945.
Quais as características principais do Exército nesse período?
McCann - O Exército primeiro
está funcionando como agente de
mudança de regime, do Império
para a República, e mais tarde vai
ter papel similar na época do Estado Novo. Quando o serviço
obrigatório foi criado em 1908 e
começou a funcionar em 1916, o
Exército estava se abrindo para a
sociedade, tirando soldados da
sociedade em geral.
Os oficiais achavam que o Exército seria uma grande escola. Dependendo do ano, ele só tinha um
total de 30 mil homens, e a cada
ano mudava uma parte. Antes de
1916 era um Exército profissional,
então passou a ser de cadres, tentando criar um corpo de oficiais
com experiência em treinamento
e um grande número de soldados
da reserva treinados.
Mas o que aconteceu foi que o
Exército não criou uma verdadeira organização da reserva, como
existe nos EUA e em certos países
europeus, com soldados treinando uma vez por mês. Criou-se um
Exército de reserva fictício.
Folha - Quando o Exército brasileiro passa a ser profissionalmente mais apto?
McCann - A grande mudança
foi depois de 1913, quando oficiais
treinados na Alemanha voltam
para o Brasil e começam a espalhar as lições que aprenderam. Foi
o começo da mudança.
Folha - E a missão militar francesa? Teve um impacto duradouro ou foi submergida pela
posterior influência americana?
McCann - O treinamento de cada oficial é uma coisa bastante
particular. Um dos grandes alunos do Exército francês foi Castello Branco. É difícil pensar que,
quando ele começa a treinar com
o Exército americano, tenha esquecido tudo o que aprendeu
com os franceses.
Para mim, a grande diferença
entre esses Exércitos todos foi e
ainda é que os franceses e americanos são muito dependentes dos
sargentos. Seria impossível imaginar o Exército americano funcionando sem os sargentos. Mas os
sargentos no Exército brasileiro
não têm o mesmo nível, o mesmo
respeito.
Folha - Um artigo seu no livro
"Modern Brazil", de 89, mostra
que o cadete de Agulhas Negras
vem cada vez mais de um nível
econômico inferior, cada vez
mais há cadetes filhos de cabos
e sargentos. Que impacto isso
pode ter?
McCann - Eu lembro disso ao
ver cadetes na sala de jantar tendo
de aprender regras de etiqueta.
Mas eu acho que um corpo de oficiais que vem da elite seria mais
distante do povo brasileiro. É
bom ter mais oficiais que chegaram de níveis mais modestos.
Folha - A Força Expedicionária
Brasileira da Segunda Guerra teve algum impacto nas relações
internas do Exército?
McCann - O Brasil foi convidado a manter tropas na Europa
após a guerra, mas o governo decidiu não fazê-lo, pois teria que
pagar por isso. Se tivessem ficado
soldados brasileiros na Europa, a
participação política do Brasil no
pós-guerra teria sido outra coisa.
Folha - O Exército transformou
as batalhas de Guararapes, na
guerra contra os holandeses,
em uma data importante, dizendo que foi a origem do Exército.
Qual a sua opinião sobre isso?
McCann - Isso é uma prática
bastante velha. Mas colocar Guararapes como o momento real em
que o Exército nasceu, isso tem
pouca base histórica.
Folha - O sr., que escreveu um
livro sobre a aliança entre Brasil
e EUA na Segunda Guerra, o que
acha do atual medo dos militares brasileiros, de que os americanos invadam a Amazônia algum dia?
McCann - Eu acho que isso não
passa de uma caça a fantasmas,
não tem o menor sentido. O povo
americano não aceitaria esse tipo
de envolvimento, basta ver a dificuldade que foi para intervir em
Kosovo.
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