São Paulo, Segunda-feira, 16 de Agosto de 1999
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QUESTÃO AGRÁRIA
Começa o julgamento dos policiais militares envolvidos no massacre de Eldorado do Carajás
Condenação em massa é improvável

LUCAS FIGUEIREDO
enviado especial a Eldorado do Carajás (PA)

São poucas as chances de condenação em massa dos 150 policiais militares indiciados pela operação que resultou na morte de 19 sem-terra em Eldorado do Carajás (PA), em 17 de abril de 1996. Pela fragilidade do inquérito, se o júri se detiver somente nos aspectos técnicos, poderá haver poucas condenações.
O julgamento, que será o mais longo do país, começa hoje na capital do Estado, Belém, e deve durar até dezembro. Saiba o que pode acontecer:

AS AUTORIDADES -
Movimentos de direitos humanos pediram a inclusão do governador do Estado, Almir Gabriel (PSDB), do secretário da Segurança Pública, Paulo Sette Câmara, e do comandante-geral da PM do Pará à época, coronel Fabiano Diniz Lopes, na lista dos réus. Contra eles pesavam os seguintes fatos:
1. o comandante da operação, coronel Mário Colares Pantoja, de Marabá, disse que obedeceu ordens do governador, por intermédio do secretário e do comandante da PM, para desobstruir a rodovia PA-150 de qualquer modo;
2. a desobstrução da rodovia foi feita sem autorização judicial;
3. no dia do massacre, foram feitas 26 ligações entre o batalhão da PM em Marabá e a sede do governo do Estado, a Secretaria da Segurança e o comando da PM. Metade delas foi feita após as mortes;
4. as autoridades se defenderam afirmando que os comandantes da operação agiram com violência por conta própria. Disseram também que, nos telefonemas, apenas pediam informações sobre a ação. As autoridades não foram denunciadas.

OS COMANDANTES -
As maiores chances de condenação recaem sobre os dois comandantes da operação: o coronel Pantoja, que liderou 85 PMs de Marabá, e o major José Maria Oliveira, que comandou 68 policiais de Parauapebas. Se forem condenados por homicídio doloso (intencional), podem pegar de 12 a 30 anos de prisão.
O coronel Pantoja foi quem planejou cercar os sem-terra na estrada. Cenas gravadas por uma TV mostram que seus homens foram os primeiros a atirar.
Pedro Alípio, o motorista do ônibus que transportou os PMs de Marabá para Eldorado do Carajás, afirmou ter ouvido o coronel dizer aos policiais: "Missão cumprida, ninguém viu nada", após o massacre, na volta.
Exames nos corpos indicam que os PMs agiram com intenção de matar e, em alguns casos, executaram suas vítimas.
Pantoja tinha um oficial (capitão Figueiredo) infiltrado no acampamento dos sem-terra, conforme descobriu a Polícia Federal. Relatório da PF diz que a Polícia Militar, com as informações do infiltrado, "tinha completo conhecimento da situação, inclusive da disposição de enfrentamento por parte dos integrantes do MST".
Isso dificulta a defesa do coronel, que alega que a PM foi surpreendida com a reação dos sem-terra. Várias testemunhas -inclusive independentes dos sem-terra- disseram que os PMs usavam fardas sem a biriba (identificação do nome e posto que é afixada no bolso da camisa). Isso pode indicar premeditação.
O major Oliveira distribuiu as armas para seus comandados sem respeitar a regra de identificar -por meio de um documento chamado cautela- quem as estava recebendo. A acusação vai alegar premeditação e a intenção de dificultar a identificação.

SARGENTO GETÚLIO -
Uma menina sem-terra que tinha 13 anos à época acusou o sargento Getúlio Marques, de Marabá, de ter executado o líder do MST Oziel Alves Pereira. Ela contou em depoimento que o sargento teria deixado cair o boné que usava, após atirar em Oziel.
Embaixo do boné, guardado pela menina, estava escrita a sigla AL.CAS.95 e o nome Getúlio. O sargento reconheceu que o boné era dele, mas argumentou que foi ferido com uma pedrada no olho e não participou da operação no momento do massacre.

SOLDADOS E CABOS -
Uma série de problemas no inquérito tornam frágeis as provas contra os 147 soldados e cabos que participaram da operação:
1. as cautelas das armas entregues aos policiais de Parauapebas não foram feitas. As de Marabá foram extraviadas e depois reapareceram, mas podem ter sido violadas ou serem consideradas nulas como prova no processo. Assim, só é possível identificar que arma foi usada para matar cada sem-terra, mas não o policial que a portava;
2. o Ministério Público não pediu exames para identificar pólvora nas mãos dos policiais;
3. o Ministério Público e a Polícia Civil não fizeram acareações entre testemunhas do massacre e os PMs envolvidos na operação. As testemunhas também não tiveram acesso a prontuário com fotos dos policiais para identificar possíveis agressores. Com isso, a defesa pode alegar que as testemunhas podem ter se enganado ao acusar os soldados e cabos;
4. os soldados Carlos César Pinho e Raimundo Pargas dos Santos foram identificados pela sem-terra Maria Áurea Rocha como os policiais que teriam detido Oziel Alves Pereira antes de ele ser morto.



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