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QUESTÃO AGRÁRIA
Começa o julgamento dos policiais militares envolvidos no massacre de Eldorado do Carajás
Condenação em massa é improvável
LUCAS FIGUEIREDO
enviado especial a Eldorado do Carajás (PA)
São poucas as chances de condenação em massa dos 150 policiais militares indiciados pela
operação que resultou na morte
de 19 sem-terra em Eldorado do
Carajás (PA), em 17 de abril de
1996. Pela fragilidade do inquérito, se o júri se detiver somente
nos aspectos técnicos, poderá haver poucas condenações.
O julgamento, que será o mais
longo do país, começa hoje na capital do Estado, Belém, e deve durar até dezembro. Saiba o que pode acontecer:
AS AUTORIDADES - Movimentos de direitos humanos pediram a inclusão do governador
do Estado, Almir Gabriel (PSDB),
do secretário da Segurança Pública, Paulo Sette Câmara, e do comandante-geral da PM do Pará à
época, coronel Fabiano Diniz Lopes, na lista dos réus. Contra eles
pesavam os seguintes fatos:
1. o comandante da operação,
coronel Mário Colares Pantoja,
de Marabá, disse que obedeceu
ordens do governador, por intermédio do secretário e do comandante da PM, para desobstruir a
rodovia PA-150 de qualquer modo;
2. a desobstrução da rodovia foi
feita sem autorização judicial;
3. no dia do massacre, foram
feitas 26 ligações entre o batalhão
da PM em Marabá e a sede do governo do Estado, a Secretaria da
Segurança e o comando da PM.
Metade delas foi feita após as
mortes;
4. as autoridades se defenderam
afirmando que os comandantes
da operação agiram com violência por conta própria. Disseram
também que, nos telefonemas,
apenas pediam informações sobre a ação. As autoridades não foram denunciadas.
OS COMANDANTES - As
maiores chances de condenação
recaem sobre os dois comandantes da operação: o coronel Pantoja, que liderou 85 PMs de Marabá,
e o major José Maria Oliveira, que
comandou 68 policiais de Parauapebas. Se forem condenados
por homicídio doloso (intencional), podem pegar de 12 a 30 anos
de prisão.
O coronel Pantoja foi quem planejou cercar os sem-terra na estrada. Cenas gravadas por uma
TV mostram que seus homens
foram os primeiros a atirar.
Pedro Alípio, o motorista do
ônibus que transportou os PMs
de Marabá para Eldorado do Carajás, afirmou ter ouvido o coronel dizer aos policiais: "Missão
cumprida, ninguém viu nada",
após o massacre, na volta.
Exames nos corpos indicam
que os PMs agiram com intenção
de matar e, em alguns casos, executaram suas vítimas.
Pantoja tinha um oficial (capitão Figueiredo) infiltrado no
acampamento dos sem-terra,
conforme descobriu a Polícia Federal. Relatório da PF diz que a
Polícia Militar, com as informações do infiltrado, "tinha completo conhecimento da situação, inclusive da disposição de enfrentamento por parte dos integrantes
do MST".
Isso dificulta a defesa do coronel, que alega que a PM foi surpreendida com a reação dos sem-terra. Várias testemunhas -inclusive independentes dos sem-terra- disseram que os PMs usavam fardas sem a biriba (identificação do nome e posto que é afixada no bolso da camisa). Isso
pode indicar premeditação.
O major Oliveira distribuiu as
armas para seus comandados
sem respeitar a regra de identificar -por meio de um documento chamado cautela- quem as
estava recebendo. A acusação vai
alegar premeditação e a intenção
de dificultar a identificação.
SARGENTO GETÚLIO - Uma
menina sem-terra que tinha 13
anos à época acusou o sargento
Getúlio Marques, de Marabá, de
ter executado o líder do MST
Oziel Alves Pereira. Ela contou
em depoimento que o sargento
teria deixado cair o boné que usava, após atirar em Oziel.
Embaixo do boné, guardado
pela menina, estava escrita a sigla
AL.CAS.95 e o nome Getúlio. O
sargento reconheceu que o boné
era dele, mas argumentou que foi
ferido com uma pedrada no olho
e não participou da operação no
momento do massacre.
SOLDADOS E CABOS - Uma
série de problemas no inquérito
tornam frágeis as provas contra
os 147 soldados e cabos que participaram da operação:
1. as cautelas das armas entregues aos policiais de Parauapebas
não foram feitas. As de Marabá
foram extraviadas e depois reapareceram, mas podem ter sido
violadas ou serem consideradas
nulas como prova no processo.
Assim, só é possível identificar
que arma foi usada para matar
cada sem-terra, mas não o policial que a portava;
2. o Ministério Público não pediu exames para identificar pólvora nas mãos dos policiais;
3. o Ministério Público e a Polícia Civil não fizeram acareações
entre testemunhas do massacre e
os PMs envolvidos na operação.
As testemunhas também não tiveram acesso a prontuário com
fotos dos policiais para identificar
possíveis agressores. Com isso, a
defesa pode alegar que as testemunhas podem ter se enganado
ao acusar os soldados e cabos;
4. os soldados Carlos César Pinho e Raimundo Pargas dos Santos foram identificados pela sem-terra Maria Áurea Rocha como os
policiais que teriam detido Oziel
Alves Pereira antes de ele ser
morto.
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