São Paulo, Segunda-feira, 16 de Agosto de 1999
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INVESTIGAÇÃO
Valor de remessas ao exterior entre 92 e 98 está na 2ª lista do BC ao Ministério Público Federal
Contas CC-5 movimentaram R$ 124 bi

JOSÉ MASCHIO
da Agência Folha, em Londrina

Nova lista elaborada pelo Banco Central com a relação das remessas de dinheiro do Brasil para o exterior por meio de contas CC-5 mostra que R$ 124,143 bilhões deixaram o país entre os anos de 1992 e 1998.
O montante é R$ 12,66 bilhões superior ao total da primeira lista enviada pelo BC ao Ministério Público Federal do Paraná e divulgada pela Folha em maio passado, cujo valor chegava a R$ 111,484 bilhões.
Há suspeitas de que mais de metade das remessas feitas por contas CC-5 seja de origem ilegal, em operações de "lavagem" de dinheiro vindo de atividades ilícitas como contrabando, tráfico de drogas e de armas.
Uma evidência da utilização das contas para essas operações ilegais é o grande volume de dinheiro enviado por remessas oriundas de Foz do Iguaçu e de Ponta Porã, municípios que fazem fronteira com o Paraguai.
Terceira colocada no ranking das cidades que mais utilizaram remessas CC-5 para envio de dinheiro, Foz do Iguaçu (PR) enviou entre 92 e 98 R$ 8,108 bilhões, valor equivalente a 56 anos do orçamento da cidade.
Ponta Porã (MS) ocupa o oitavo lugar no ranking, com R$ 1,265 bilhão. O orçamento do município em 98 foi de R$ 19 milhões.
Na lista das 50 maiores remessas de pessoas físicas para o exterior, Foz do Iguaçu aparece com 21 nomes, e Ponta Porã, com 11, contra, por exemplo, 4 de São Paulo, centro financeiro do país.
A suspeita é que dinheiro "sujo" seja passado de brasileiros para paraguaios que, por sua vez, o depositam em bancos e casas de câmbio do Paraguai. Em seguida, emissários dessas casas de câmbio e bancos atravessam a fronteira para depositá-lo em contas CC-5 de "laranjas" brasileiros, "lavando" assim o dinheiro.
A primeira lista havia sido enviada em abril deste ano ao Ministério Público Federal por determinação da Justiça Federal. Na prática, o envio da lista significou o fim do sigilo bancário das remessas de dinheiro ao exterior.
Três meses depois, os senadores da CPI dos Bancos estão recebendo cópias dessa nova relação do Banco Central.
Para elaborar e enviar uma nova lista ao Ministério Público Federal do Paraná, o Banco Central alegou que, por causa de erros cometidos pelos próprios bancos, haveria incorreções na identificação das pessoas que remeteram dinheiro para o exterior e nos números de CPF e CGC da listagem.
Pouco antes de a nova relação começar a ser elaborada, José Maria Carvalho, chefe do departamento de câmbio do BC, afirmara, em 8 de maio, que os valores da primeira lista seriam, de uma forma geral, mantidos na segunda listagem.
Não foi o que aconteceu. Na nova lista, à qual a Agência Folha teve acesso, os valores remetidos por pessoas jurídicas saltaram de R$ 104,006 bilhões para R$ 116,979 bilhões. Na remessa de pessoas físicas, houve uma diminuição de R$ 7,477 bilhões para R$ 7,164 bilhões.
Na listagem que os senadores estão recebendo, o procurador da República em Cascavel, Celso Antônio Três, 36, faz uma avaliação preliminar constatando que 50% das remessas feitas por pessoas jurídicas e 80% das remessas de pessoas físicas têm indícios de algum tipo de irregularidade.
Três aponta também aos senadores diferenças entre a primeira e a segunda lista do BC, tratadas por ele como "equívocos do Banco Central". Em maio passado, o procurador havia dito que o BC, ao elaborar uma nova lista, estaria na verdade tentando "maquiar" remessas ilegais.
O uso das contas CC-5, existentes desde 1969, é legal. Elas são utilizadas por empresas multinacionais, grupos brasileiros com interesses no exterior e pessoas físicas com domicílio fora do país para envio de dinheiro.
Por esse tipo de remessa, os valores em reais são automaticamente convertidos em moeda estrangeira no momento da transferência.
A resolução do Conselho Monetário Nacional número 1946-2 e a circular 2242/92 do BC determinam, no entanto, que todas as remessas superiores a R$ 10 mil devem ser comunicadas diariamente pelos bancos ao BC. Essas medidas também exigem a comprovação da quitação tributária (recolhimento de Imposto de Renda) por parte dos remetentes.
Nas operações de "lavagem", para que o dinheiro obtido em negócios ilícitos passe a ter uma origem "legal", ele é enviado para fora do país por meio de contas CC-5 cujos titulares são "laranjas" (pessoas que emprestam o nome para movimentações bancárias) e empresas fantasmas.
O Ministério Público Federal chegou a identificar 226 "laranjas" responsáveis por remessas para o exterior. Já foram instaurados 27 processos envolvendo 42 suspeitos na Justiça Federal de Cascavel. O total de dinheiro enviado ao exterior por "laranjas", estima o Ministério Público, pode superar os R$ 4 bilhões.
Apesar da existência de mecanismos, não há um controle efetivo das movimentações em contas CC-5. A Agência Folha apurou, junto a um técnico que trabalha com fiscalização no Banco Central, que as contas escapam das inspeções nas agências bancárias e ficam restritas a técnicos do departamento de câmbio do BC.
O BC nega deficiências na fiscalização e alega que foram comunicações do banco ao Ministério Público Federal sobre remessas ilegais que possibilitaram a descoberta de um esquema de "lavagem" de dinheiro por meio de contas de "laranjas".
A partir da nova lista do BC, o procurador Três detalhou as remessas por cidade de origem e unidade da Federação.
No caso das pessoas jurídicas, em um levantamento junto à Receita Federal, foram anexados o nome e o endereço dos responsáveis. No relatório que chega agora aos senadores, Três afirma que os dados devem auxiliar na busca de potenciais sonegadores fiscais.
Segundo o procurador, essa sonegação é facilitada pela falta de acesso da Receita Federal às remessas CC-5.
Como evidência da falta de fiscalização, Três afirma que o BC só comunicou o Ministério Público Federal sobre possíveis remessas ilegais em abril de 1997, após os escândalos levantados pela CPI dos Precatórios (instaurada em 3 dezembro de 1996).
Com a nova listagem das remessas nas mãos, procuradores da República em todos os domicílios fiscais do país poderão iniciar investigações para separar as remessas legais das ilegais.
A Agência Folha apurou que a Receita também obteve cópia do relatório enviado ao Senado e irá começar uma investigação paralela para apurar a possibilidade de sonegação fiscal nas remessas.
A Folha decidiu não divulgar o nome das pessoas físicas ou jurídicas que constam do relatório das remessas CC-5 justamente pela dificuldade em separar quem utilizou de forma legal o mecanismo e quem ""lavou" dinheiro.


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