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INVESTIGAÇÃO
Valor de remessas ao exterior entre 92 e 98 está na 2ª lista do BC ao Ministério Público Federal
Contas CC-5 movimentaram R$ 124 bi
JOSÉ MASCHIO
da Agência Folha, em Londrina
Nova lista elaborada pelo Banco
Central com a relação das remessas de dinheiro do Brasil para o
exterior por meio de contas CC-5
mostra que R$ 124,143 bilhões
deixaram o país entre os anos de
1992 e 1998.
O montante é R$ 12,66 bilhões
superior ao total da primeira lista
enviada pelo BC ao Ministério
Público Federal do Paraná e divulgada pela Folha em maio passado, cujo valor chegava a R$
111,484 bilhões.
Há suspeitas de que mais de
metade das remessas feitas por
contas CC-5 seja de origem ilegal,
em operações de "lavagem" de dinheiro vindo de atividades ilícitas
como contrabando, tráfico de
drogas e de armas.
Uma evidência da utilização das
contas para essas operações ilegais é o grande volume de dinheiro enviado por remessas oriundas
de Foz do Iguaçu e de Ponta Porã,
municípios que fazem fronteira
com o Paraguai.
Terceira colocada no ranking
das cidades que mais utilizaram
remessas CC-5 para envio de dinheiro, Foz do Iguaçu (PR) enviou entre 92 e 98 R$ 8,108 bilhões, valor equivalente a 56 anos
do orçamento da cidade.
Ponta Porã (MS) ocupa o oitavo
lugar no ranking, com R$ 1,265
bilhão. O orçamento do município em 98 foi de R$ 19 milhões.
Na lista das 50 maiores remessas de pessoas físicas para o exterior, Foz do Iguaçu aparece com
21 nomes, e Ponta Porã, com 11,
contra, por exemplo, 4 de São
Paulo, centro financeiro do país.
A suspeita é que dinheiro "sujo"
seja passado de brasileiros para
paraguaios que, por sua vez, o depositam em bancos e casas de
câmbio do Paraguai. Em seguida,
emissários dessas casas de câmbio e bancos atravessam a fronteira para depositá-lo em contas CC-5 de "laranjas" brasileiros, "lavando" assim o dinheiro.
A primeira lista havia sido enviada em abril deste ano ao Ministério Público Federal por determinação da Justiça Federal. Na
prática, o envio da lista significou
o fim do sigilo bancário das remessas de dinheiro ao exterior.
Três meses depois, os senadores
da CPI dos Bancos estão recebendo cópias dessa nova relação do
Banco Central.
Para elaborar e enviar uma nova
lista ao Ministério Público Federal
do Paraná, o Banco Central alegou que, por causa de erros cometidos pelos próprios bancos, haveria incorreções na identificação
das pessoas que remeteram dinheiro para o exterior e nos números de CPF e CGC da listagem.
Pouco antes de a nova relação
começar a ser elaborada, José Maria Carvalho, chefe do departamento de câmbio do BC, afirmara, em 8 de maio, que os valores
da primeira lista seriam, de uma
forma geral, mantidos na segunda listagem.
Não foi o que aconteceu. Na nova lista, à qual a Agência Folha teve acesso, os valores remetidos
por pessoas jurídicas saltaram de
R$ 104,006 bilhões para R$
116,979 bilhões. Na remessa de
pessoas físicas, houve uma diminuição de R$ 7,477 bilhões para
R$ 7,164 bilhões.
Na listagem que os senadores
estão recebendo, o procurador da
República em Cascavel, Celso Antônio Três, 36, faz uma avaliação
preliminar constatando que 50%
das remessas feitas por pessoas
jurídicas e 80% das remessas de
pessoas físicas têm indícios de algum tipo de irregularidade.
Três aponta também aos senadores diferenças entre a primeira
e a segunda lista do BC, tratadas
por ele como "equívocos do Banco Central". Em maio passado, o
procurador havia dito que o BC,
ao elaborar uma nova lista, estaria
na verdade tentando "maquiar"
remessas ilegais.
O uso das contas CC-5, existentes desde 1969, é legal. Elas são utilizadas por empresas multinacionais, grupos brasileiros com interesses no exterior e pessoas físicas
com domicílio fora do país para
envio de dinheiro.
Por esse tipo de remessa, os valores em reais são automaticamente convertidos em moeda estrangeira no momento da transferência.
A resolução do Conselho Monetário Nacional número 1946-2 e a
circular 2242/92 do BC determinam, no entanto, que todas as remessas superiores a R$ 10 mil devem ser comunicadas diariamente pelos bancos ao BC. Essas medidas também exigem a comprovação da quitação tributária (recolhimento de Imposto de Renda) por parte dos remetentes.
Nas operações de "lavagem",
para que o dinheiro obtido em negócios ilícitos passe a ter uma origem "legal", ele é enviado para fora do país por meio de contas CC-5 cujos titulares são "laranjas"
(pessoas que emprestam o nome
para movimentações bancárias) e
empresas fantasmas.
O Ministério Público Federal
chegou a identificar 226 "laranjas" responsáveis por remessas
para o exterior. Já foram instaurados 27 processos envolvendo 42
suspeitos na Justiça Federal de
Cascavel. O total de dinheiro enviado ao exterior por "laranjas",
estima o Ministério Público, pode
superar os R$ 4 bilhões.
Apesar da existência de mecanismos, não há um controle efetivo das movimentações em contas
CC-5. A Agência Folha apurou,
junto a um técnico que trabalha
com fiscalização no Banco Central, que as contas escapam das
inspeções nas agências bancárias
e ficam restritas a técnicos do departamento de câmbio do BC.
O BC nega deficiências na fiscalização e alega que foram comunicações do banco ao Ministério
Público Federal sobre remessas
ilegais que possibilitaram a descoberta de um esquema de "lavagem" de dinheiro por meio de
contas de "laranjas".
A partir da nova lista do BC, o
procurador Três detalhou as remessas por cidade de origem e
unidade da Federação.
No caso das pessoas jurídicas,
em um levantamento junto à Receita Federal, foram anexados o
nome e o endereço dos responsáveis. No relatório que chega agora
aos senadores, Três afirma que os
dados devem auxiliar na busca de
potenciais sonegadores fiscais.
Segundo o procurador, essa sonegação é facilitada pela falta de
acesso da Receita Federal às remessas CC-5.
Como evidência da falta de fiscalização, Três afirma que o BC só
comunicou o Ministério Público
Federal sobre possíveis remessas
ilegais em abril de 1997, após os
escândalos levantados pela CPI
dos Precatórios (instaurada em 3
dezembro de 1996).
Com a nova listagem das remessas nas mãos, procuradores da
República em todos os domicílios
fiscais do país poderão iniciar investigações para separar as remessas legais das ilegais.
A Agência Folha apurou que a
Receita também obteve cópia do
relatório enviado ao Senado e irá
começar uma investigação paralela para apurar a possibilidade de
sonegação fiscal nas remessas.
A Folha decidiu não divulgar o
nome das pessoas físicas ou jurídicas que constam do relatório
das remessas CC-5 justamente
pela dificuldade em separar quem
utilizou de forma legal o mecanismo e quem ""lavou" dinheiro.
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