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JUDICIÁRIO
Apuração da Procuradoria aponta para manipulação de sistema na distribuição de pelo menos 22 processos entre 1994 e 2004
TRT-SP é investigado sob suspeita de fraudes
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo está sob investigação do Ministério Público Federal por suspeita de fraudes na
distribuição de pelo menos 22
processos entre 1994 e 2004.
Há fortes indícios de que os sistemas informatizados do órgão,
por meio dos quais os autos são
distribuídos, foram manipulados
a fim de definir, antecipadamente, o juiz -ou colegiado de juízes- que atuaria nos casos. Tudo
à revelia da lei e do regimento interno do tribunal, que normatizam a distribuição por sorteio.
Até o momento, conforme apurou o Ministério Público, os elementos mais contundentes indicariam que as fraudes estão relacionadas à distribuição, no TRT-SP, de processos oriundos de primeira instância, que são levados
ao tribunal, pelas partes interessadas, com o objetivo de conseguir
modificar decisões tomadas por
juízes de varas trabalhistas.
Em nota, a presidente do TRT-SP, juíza Dora Vaz Treviño, afirma que "são gravíssimas as suspeitas levantadas pelo Ministério
Público Federal" e que, "se irregularidades tiverem sido efetivamente praticadas, os honrados
juízes e os servidores deste tribunal saberão dar resposta à altura".
Também há indícios, segundo a
Procuradoria, de irregularidades
praticadas na distribuição de processos que começam a tramitar
diretamente pelo tribunal, como
os mandados de segurança.
No TRT-SP, a remessa desse tipo de ação a seu destino é feita em
um computador portátil, que
substituiu o sorteio de bolinhas
giradas dentro de uma esfera, à
semelhança de um bingo -usado para garantir a imparcialidade
na distribuição e, conseqüentemente, no julgamento da causa.
Ainda não há elementos que
permitam indicar os beneficiários
ou os executores das fraudes. Porém, devido a seu dever funcional
de zelar pela lisura da distribuição, os servidores responsáveis
por tais procedimentos são alvo
da apuração nesta fase inicial.
Maior tribunal da Justiça especializada do país, o TRT-SP recebeu ao todo 76 mil processos em
2004. Em fase inicial da investigação, a Procuradoria analisou 160
processos que tramitaram no órgão entre 1994 e 2004. Levantou,
até agora, indícios de irregularidades em 22 deles. Desse conjunto, 20 foram distribuídos quando
o servidor Flávio Bulcão Carvalho
ocupava o cargo de diretor-geral
de Coordenação Judiciária. Dois
outros casos de vício aconteceram
na gestão do servidor Ivan Freddi.
Carvalho nega ter conhecimento ou participação em qualquer
irregularidade. Freddi disse ter
sempre agido dentro da lei e do
regimento interno do TRT-SP.
Diretor-geral por dez anos, estava entre as atribuições de Carvalho operar o computador portátil
por meio do qual são distribuídos
os processos cuja porta de entrada na Justiça do Trabalho é o próprio TRT. O procedimento investigativo destinado a apurar a
eventual participação de juízes
nas irregularidades foi encaminhado no mês passado ao procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, a quem cabe
investigar magistrados, que têm
direito a foro especial.
O que se pretende apurar é se há
ou não vínculos entre juízes, fraudadores e possíveis interessados.
E, em caso afirmativo, se houve
algum tipo de contrapartida aos
magistrados por conta de suas decisões. Até o momento, porém, o
Ministério Público não levantou
nenhum dado que comprove a
participação de magistrados.
Em dois depoimentos colhidos
pela Procuradoria, em julho e
agosto de 2004, consta descrição
da participação da juíza Maria
Aparecida Pellegrina, que presidiu o TRT de 2002 a 2004, juntamente com Flávio Carvalho, num
caso suspeito de irregularidade.
O depoente, cujo nome é mantido sob sigilo pelos procuradores
que atuam no caso, afirmou que a
distribuição de um mandado de
segurança de interesse do Sport
Club Corinthians, em prejuízo do
jogador Marcelinho Carioca, foi
"manual e direcionada", a pedido
de Pellegrina e com a conivência
de Carvalho. Mas ainda não há
elementos que apontem se essa
suposta combinação aconteceu.
No entanto, todos os trâmites
burocráticos do processo que
constam do depoimento foram
confirmados pela Procuradoria
ao analisar cópias dos autos -razão pela qual o caso motivou a
instauração imediata de procedimento para investigar os juízes.
Procurada pela Folha, a servidora Heloísa Bernardi, que substituía Carvalho em suas férias e
usava a senha funcional dele, disse se lembrar do mandado de segurança, mas não do momento
exato de sua distribuição. Afirmou, no entanto, que existem casos nos quais juízes "sugerem"
distribuição dirigida. "Sempre rola. [Os juízes] sugerem. Eles pedem tudo que querem", disse.
Manual
Um documento obtido pelo Ministério Público, com o título
"Manual de Funcionamento do
Sistema Notebook", orienta o
usuário do computador portátil
sobre como proceder quando a
distribuição for manual. É possível, conforme o documento, excluir registros de distribuição,
desde que isso seja feito no mesmo dia. Depois, o ato deixa pistas.
A apuração da Procuradoria sobre as fraudes começou com uma
denúncia anônima. Foi encaminhada ao órgão por escrito e
acompanhada pela lista de processos em cuja distribuição já havia a indicação prévia do juiz ou
colegiado -as chamadas turmas- para os quais deveriam seguir. É o que juridicamente se
chama distribuir por prevenção.
Torna-se prevento o juiz que,
em algum momento, atuou em
um processo. Depois disso, toda
vez que esse processo voltar ao
tribunal, a preferência para analisá-lo será daquele primeiro juiz
que nele despachou. A fraude sob
investigação produziu a distribuição de processos por prevenção
para juízes e turmas que nunca
haviam atuado antes na causa.
Dos 22 processos com distribuição irregular, quatro têm como
parte interessada as Pedreiras
Cantareira, que integra o grupo
suíço Holcim, um dos líderes
mundiais na produção de concreto. Em um dos processos da Cantareira, a sentença de primeira
instância foi reformada pelo tribunal favoravelmente à empresa.
O voto que puxou a votação
unânime no colegiado de magistrados foi do juiz Renato Mehanna Khamis, hoje aposentado por
problemas de saúde.
O processo consta da lista recebida pelo Ministério Público. A
etiqueta colada na capa indica
Khamis como juiz sob prevenção
para a causa. Mas não há elementos, segundo a investigação, para
justificar essa distribuição.
Em outro caso relacionado à
Cantareira, no qual o TRT manteve a decisão de primeira instância,
a distribuição por prevenção
consta de etiqueta colada na capa
do processo, mas não da lista investigada. Para o Ministério Público, trata-se de um indício de
que registros foram apagados do
sistema informatizado do TRT,
pois os dados organizados na lista
têm se mostrado fidedignos. As
exceções não invalidam a relação.
Suscitam dúvidas sobre os procedimentos adotados para distribuir processos no tribunal.
Turmas e Gallo
Falta na lista a relação de processos que foram distribuídos,
com indicação prévia, diretamente para turmas escolhidas. Essa
modalidade de distribuição é prevista no regimento interno do
TRT, que dá preferência de análise de um processo para a turma
pela qual ele já tenha passado antes, em casos de o juiz que nele
atuou ter mudado de turma.
Esse tipo de manipulação, com
direcionamento para as turmas,
aconteceu, segundo o Ministério
Público, com a reclamação trabalhista que o empresário Rogério
Gallo moveu contra empresas do
grupo econômico Rede TV!.
A etiqueta na capa do processo
de sete volumes indica como preventa a nona turma do TRT-SP.
Nem mesmo os advogados de Gallo perceberam essa indicação.
Na ação proposta em 2001 na 2ª
Vara do Trabalho de Barueri (SP),
Gallo, ex-superintendente artístico da Rede TV!, disse que a empresa rescindira injustamente e
antes do tempo seu contrato. Cobrou na Justiça o que afirmou ter
sido pactuado: pagamento de aluguel, passagens, salários mensais
de R$ 96,8 mil a vencer e suspensos pela rescisão, além de multas e
danos morais por declarações de
executivos da rede a seu respeito.
A sentença, de 16 de novembro
do mesmo ano, concedeu praticamente tudo que Gallo reclamou.
Em recurso ao TRT-SP, a decisão
foi reformada em julgamento colegiado que seguiu o voto da juíza
Sonia Maria Forster do Amaral.
Ela era substituta e assumiu a relatoria em lugar de outro magistrado, que saíra em férias.
O julgamento da nona turma
excluiu a condenação da Rede
TV! por dano moral e boa parte
das verbas trabalhistas. Segundo
os advogados de Gallo, pela decisão de primeira instância a causa
poderia chegar a R$ 10 milhões.
Nos termos do que decidiu o TRT,
ficou em cerca de R$ 2 milhões. A
diferença está sendo discutida no
Tribunal Superior do Trabalho.
Inicialmente, a causa foi distribuída à juíza Laura Rossi, que integra a nona turma e se declarou
impedida. Ela disse à Folha, por
meio de sua assessoria, ter tomado tal decisão diante dos rumores,
à época, sobre irregularidades na
distribuição do processo.
Pelo que a Procuradoria concluiu da análise inicial de 160 processos, não há um padrão de causas para as irregularidades. É possível que, conhecedores do entendimento de um juiz sobre tais
questões, os fraudadores tenham
remetido-lhe determinados processos. Daí a importância de apurar se há vínculos entre magistrados, fraudadores e beneficiários.
Também ainda não se definiu
um perfil de beneficiário. A Procuradoria trabalha com duas hipóteses: ganhos de eventuais beneficiários em quantidades de
causas, bem como de interesses
voltados para um único processo.
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