São Paulo, domingo, 16 de outubro de 2005

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JUDICIÁRIO/OUTRO LADO

Para a presidente do tribunal, juízes saberão se justificar à altura; ex-diretor-geral nega conhecer irregularidades

Suspeitas são gravíssimas, diz juíza do TRT-SP

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A presidente do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, juíza Dora Vaz Treviño, afirma que "são gravíssimas as suspeitas levantadas pelo Ministério Público Federal" acerca da suposta manipulação dos sistemas de distribuição de processos que tramitaram no órgão entre 1994 e 2004.
Em nota oficial, a juíza informa que assumiu a presidência do tribunal em 15 de setembro de 2004, e somente tomou conhecimento das suspeitas de irregularidades apontadas pelo Ministério Público quando procurada pela Folha.
"Solicitarei à Procuradoria da República informações sobre o procedimento investigativo em curso naquela instituição, para adotar, com a máxima urgência, as medidas administrativas cabíveis", afirma a juíza.
Conforme a nota, "se irregularidades tiverem sido efetivamente praticadas, os honrados juízes e os servidores deste tribunal saberão dar resposta à altura".
Procurada pela Folha, a servidora da Justiça do Trabalho Heloísa Bernardi, que é citada como testemunha de pelo menos uma fraude, segundo depoimento colhido pelo Ministério Público no curso da investigação sobre irregularidades na distribuição de processos no TRT, afirmou: "Eu não vou nem descartar que isso poderia ter acontecido. E vou dizer mais: eu só não faço o que um juiz manda se ele mandar eu me jogar daqui de cima".
Bernardi disse ainda ser comum juízes sugerirem manipular a distribuição de processos. "Sempre sugerem. Sempre rola. Sugerem. Eles pedem tudo que querem."
Entre setembro de 1994 e setembro de 2005, os sistemas de distribuição de processos foram subordinados a Flavio Bulcão Carvalho, que era diretor-geral de Coordenação Judiciária.
Cabia a Carvalho organizar, em um laptop, a distribuição dos processos cuja tramitação, na Justiça do Trabalho, começava diretamente pelo tribunal. Quando em férias, repassava sua senha para que Bernardi fizesse o serviço.
Esse tipo de distribuição, segundo a Procuradoria, está sob suspeita, com base em depoimentos colhidos na investigação.
Carvalho diz não ter conhecimento das irregularidades apontadas pelo Ministério Público e nega ter recebido qualquer pedido ou proposta financeira para manipular a distribuição.
Segundo Carvalho, é dos presidentes do tribunal a responsabilidade pela distribuição de ações que nascem no tribunal, como os mandados de segurança.
"É por isso mesmo que eu estou indignado. Quem faz as distribuições é o presidente do tribunal. Eu não sei o que o servidor tem a ver com isso. Passei por cinco presidentes e nunca vi isso", afirmou o servidor na quinta-feira.
Carvalho negou ter conhecimento de que seria tecnicamente possível apagar dados relativos à distribuição, desde que isso fosse feito no mesmo dia.

Distribuição irregular
Até o momento, segundo o Ministério Público, foram levantados fortes indícios de distribuição irregular, no tribunal, de 22 processos oriundos da primeira instância da Justiça do Trabalho. A tramitação de 20 deles se deu na gestão de Carvalho. Outros dois foram distribuídos pelo seu antecessor, Ivan Freddi.
Freddi disse à reportagem que é um servidor concursado e que sempre atuou dentro da lei e em respeito ao regimento do TRT.
A juíza Maria Aparecida Pellegrina, que segundo depoimento colhido pelo Ministério Público teria pedido à servidora Heloísa Bernardi que direcionasse a distribuição de um processo, nega veementemente a acusação.
No entendimento da Procuradoria, é suspeita a distribuição do mandado de segurança proposto pelo Corinthians contra o jogador Marcelinho Carioca, em setembro de 2001. Segundo Pellegrina, como se trata de um mandado de segurança, a distribuição cabe aos presidentes do tribunal. Ela ocupou esse cargo entre 2002 e 2004.
"O mandado de segurança é distribuído perante o presidente. Não pode me passar pela cabeça que o presidente mandou para mim de uma forma "a pedido". Isso daí é um verdadeiro absurdo. A única coisa que posso te dizer é que eu não pedi a ninguém para distribuir. Ninguém pede. Não existe isso", disse Pellegrina.
O então presidente do tribunal, juiz Francisco Antonio de Oliveira (2000-2002), hoje aposentado, disse à Folha que a distribuição de processos, "feita pelo laptop, não é totalmente segura", porque passa "pela mão humana" [refere-se ao servidor que prepara o procedimento]. Por mais que você confie no funcionário, no laptop essa distribuição pode vir preparada e, na hora, você só faz a mis-en-scène", disse Oliveira.

Gallo e Rede TV!
A juíza Laura Rossi, para quem foi distribuído o processo trabalhista que envolve o empresário Rogério Gallo e a Rede TV!, disse, por meio da assessoria do TRT, ter tomado conhecimento da existência de rumores sobre irregularidades naquela distribuição.
Rossi disse que chamou a advogada de Gallo, Gilda Figueiredo Ferraz, para conversar sobre o assunto. Na ocasião, segundo a juíza disse ontem por meio de assessoria, a advogada teria insinuado que, se perdesse o processo, iria à imprensa contar dos rumores.
A juíza disse, então, ter achado melhor julgar-se impedida e deixar a causa. A relatoria foi redistribuída para a juíza Sônia Forster do Amaral. Gilda negou a acusação. Disse que não foi "chamada" pela juíza. "Lá estive acompanhada de uma colega, a advogada Adionan Arlindo Pitta, para entregar um memorial, o que é usual num processo dessa magnitude, sendo ela [Rossi] a relatora."
Também por meio da assessoria, a juíza Sonia Forster do Amaral disse que atuou na causa Gallo x Rede TV! porque, como substituta, recebeu o processo, como qualquer outro, em lugar de algum magistrado que estava em férias. A Rede TV! negou ter conhecimento de qualquer irregularidade na distribuição do TRT.
A Pedreiras Cantareira, que é parte em quatro processos cuja distribuição foi considerada irregular pela Procuradoria, informou que "o Código de Conduta do Grupo Holcim condena qualquer tipo de procedimento irregular. Causa-nos surpresa a menção da empresa, pois acreditamos na imparcialidade e correção nas condutas do Poder Judiciário".
Pelo juiz Renato Mehanna Khamis, que atuou em uma das causas da Cantareira e hoje está aposentado, falou sua mulher, Cecília. Disse que o marido está com grave problema de saúde e que os juízes apenas recebem os processos. Não têm participação nos procedimentos de distribuição.
O Sport Club Corinthians disse que a condução do mandado de segurança foi feita por uma empresa norte-americana, sua parceira comercial à época. A Folha procurou a assessoria do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados, que propôs a ação. Não houve resposta até a noite da sexta-feira. (ANDRÉA MICHAEL)


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