São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 2000

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CELSO PINTO
A Lei de Murphy ataca o Brasil

Quem, nos últimos meses, especulasse de onde poderiam vir problemas para o ciclo de crescimento brasileiro, provavelmente diria: de uma crise na Argentina, um "pouso forçado" da economia americana, ou preços altos do petróleo. A sensação, hoje, é de que prevaleceu a Lei de Murphy e tudo o que poderia dar errado está dando errado. É cedo, contudo, para ser excessivamente pessimista.
A Argentina perdeu a confiança dos mercados. A dúvida era se um pacote de socorro viria acompanhado ou não de mudanças radicais: desvalorização (hipótese remotíssima), dolarização (com apoio em setores de Washington, mas com sequelas políticas para o governo americano), dolarização com desvalorização na mudança e reestruturação da dívida.
O governo americano e o FMI acabaram optando por apostar na sobrevivência do regime, a exemplo do que fizeram (sem sucesso) no caso do pacote brasileiro em 98. Compraram o diagnóstico dos argentinos, de que a essência do problema é uma crise de liquidez e não de solvência, provocada pela combinação de quatro choques externos e agravada por uma crise política.
O primeiro choque foi a desvalorização do real, embora a valorização da taxa de câmbio efetiva real (descontadas as inflações) do peso em relação ao real, que chegou a 35%, hoje esteja em torno de 5%. O segundo foi uma queda no preço das "commodities" agrícolas, superior a 40% em relação à média de 96 a 98.
O terceiro foi a desvalorização do euro, que fez com que a taxa real efetiva do peso se valorizasse 10% este ano. O quarto foi uma "aversão ao risco" pelos investidores externos, que fez com que o prêmio (spread) cobrado pelos títulos argentinos subisse de 5% a 5,5%, no início do ano, para perto de 10%, semana passada, e mais de 8% nos últimos dias.
O pacote de socorro endossa a idéia de que o problema é de liquidez, diz o economista-chefe de um banco europeu. Ao congelar o endividamento dos Estados e mudar a Previdência, a Argentina está aliviando sua situação fiscal futura, sem querer cortar ainda mais gastos imediatos, o que, em meio à recessão, seria um desastre. Para garantir a liquidez, governos, instituições multilaterais, bancos e fundos de pensão garantiriam uns US$ 20 bilhões, ou um ano de necessidade de recursos.
Faz sentido se: 1) houver aceitação política das medidas, o que não está claro; 2) ao saber que o dinheiro existe, o mercado voltar a financiar a Argentina; 3) o spread cair de forma significativa; e 4) voltar a confiança e, com ela, o crescimento, sem o qual as contas não fecham a médio prazo.
São muitas dúvidas. Se o pacote chegar perto de US$ 20 bilhões, contudo, o mercado vai se acalmar por um bom tempo. Ao contrário do Brasil no final de 98, o sistema cambial argentino não dá margem a ataques especulativos simples. O receio maior sempre foi o de uma moratória. Se o socorro funcionar, este risco ficará, no mínimo, adiado.
Neste cenário, os spreads tanto para a Argentina quanto para o Brasil devem ceder e o câmbio terá algum alívio. Não voltará para a faixa de R$ 1,80 a R$ 1,85 anterior, mas, se ficar em torno de R$ 1,90 até R$ 1,95, o estrago inflacionário não será grande. Poderá ter até um lado positivo, lembra uma fonte do governo: o mercado terá aprendido, mais uma vez, que o câmbio pode subir, mas também cair. Quanto mais houver a percepção de que altas no câmbio podem ser temporárias, menos as empresas tenderão a repassar automaticamente custos cambiais adicionais para os preços.
O cenário americano, sem dúvida, complicou. Prova disso são os spreads altíssimos pagos até por empresas mais sólidas. Voltou o risco de um "pouso forçado", entendido como uma redução do crescimento de algo perto de 5% este ano para uns 2,5% no próximo. Com um ajuste mais brusco, o risco de crédito aumenta, os spreads sobem e isto contamina custos financeiros em geral, a começar pelos países emergentes.
A boa notícia, diz uma análise do banco CSFB de Nova York, é que a inflação cedeu e isto abre espaço para o Fed, se necessário, reduzir os juros. Além disso, planos mais ousados de Al Gore e George Bush de gastar o superávit fiscal ficam menos prováveis depois da "vitória sem mandato" nas eleições, ou seja, com o país e o Congresso divididos. De todo modo, o potencial de confusão da economia americana continua tão gigantesco quanto ela.
O futuro do petróleo é, como sempre, incerto. A aposta mais otimista é a de um recuo dos preços no segundo trimestre de 2001, se a economia mundial não crescer mais do que o esperado. Ao não elevar a produção agora e discutir a possibilidade de cortes no início de 2001, a Opep estaria preocupada com uma queda mais forte nos preços. A conferir.
Tudo somado, o mundo ficou pior e o Brasil vai pagar um preço por isso. No mínimo, poderá crescer menos do que os 4% desejados. Como ainda tem uma vulnerabilidade externa alta, o preço a pagar pode ser alto, se não prevalecerem as melhores hipóteses externas. É um risco, mas não uma certeza.
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CelPinto@uol.com.br


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