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CELSO PINTO
A Lei de Murphy ataca o Brasil
Quem, nos últimos meses, especulasse de onde poderiam
vir problemas para o ciclo de crescimento brasileiro, provavelmente diria: de uma crise na Argentina, um "pouso forçado" da economia americana, ou preços altos
do petróleo. A sensação, hoje, é de
que prevaleceu a Lei de Murphy e
tudo o que poderia dar errado está dando errado. É cedo, contudo,
para ser excessivamente pessimista.
A Argentina perdeu a confiança
dos mercados. A dúvida era se um
pacote de socorro viria acompanhado ou não de mudanças radicais: desvalorização (hipótese remotíssima), dolarização (com
apoio em setores de Washington,
mas com sequelas políticas para o
governo americano), dolarização
com desvalorização na mudança
e reestruturação da dívida.
O governo americano e o FMI
acabaram optando por apostar
na sobrevivência do regime, a
exemplo do que fizeram (sem sucesso) no caso do pacote brasileiro
em 98. Compraram o diagnóstico
dos argentinos, de que a essência
do problema é uma crise de liquidez e não de solvência, provocada
pela combinação de quatro choques externos e agravada por
uma crise política.
O primeiro choque foi a desvalorização do real, embora a valorização da taxa de câmbio efetiva
real (descontadas as inflações) do
peso em relação ao real, que chegou a 35%, hoje esteja em torno
de 5%. O segundo foi uma queda
no preço das "commodities" agrícolas, superior a 40% em relação
à média de 96 a 98.
O terceiro foi a desvalorização
do euro, que fez com que a taxa
real efetiva do peso se valorizasse
10% este ano. O quarto foi uma
"aversão ao risco" pelos investidores externos, que fez com que o
prêmio (spread) cobrado pelos títulos argentinos subisse de 5% a
5,5%, no início do ano, para perto
de 10%, semana passada, e mais
de 8% nos últimos dias.
O pacote de socorro endossa a
idéia de que o problema é de liquidez, diz o economista-chefe de
um banco europeu. Ao congelar o
endividamento dos Estados e mudar a Previdência, a Argentina
está aliviando sua situação fiscal
futura, sem querer cortar ainda
mais gastos imediatos, o que, em
meio à recessão, seria um desastre. Para garantir a liquidez, governos, instituições multilaterais,
bancos e fundos de pensão garantiriam uns US$ 20 bilhões, ou um
ano de necessidade de recursos.
Faz sentido se: 1) houver aceitação política das medidas, o que
não está claro; 2) ao saber que o
dinheiro existe, o mercado voltar
a financiar a Argentina; 3) o
spread cair de forma significativa;
e 4) voltar a confiança e, com ela,
o crescimento, sem o qual as contas não fecham a médio prazo.
São muitas dúvidas. Se o pacote
chegar perto de US$ 20 bilhões,
contudo, o mercado vai se acalmar por um bom tempo. Ao contrário do Brasil no final de 98, o
sistema cambial argentino não
dá margem a ataques especulativos simples. O receio maior sempre foi o de uma moratória. Se o
socorro funcionar, este risco ficará, no mínimo, adiado.
Neste cenário, os spreads tanto
para a Argentina quanto para o
Brasil devem ceder e o câmbio terá algum alívio. Não voltará para
a faixa de R$ 1,80 a R$ 1,85 anterior, mas, se ficar em torno de R$
1,90 até R$ 1,95, o estrago inflacionário não será grande. Poderá ter
até um lado positivo, lembra uma
fonte do governo: o mercado terá
aprendido, mais uma vez, que o
câmbio pode subir, mas também
cair. Quanto mais houver a percepção de que altas no câmbio podem ser temporárias, menos as
empresas tenderão a repassar automaticamente custos cambiais
adicionais para os preços.
O cenário americano, sem dúvida, complicou. Prova disso são os
spreads altíssimos pagos até por
empresas mais sólidas. Voltou o
risco de um "pouso forçado", entendido como uma redução do
crescimento de algo perto de 5%
este ano para uns 2,5% no próximo. Com um ajuste mais brusco,
o risco de crédito aumenta, os
spreads sobem e isto contamina
custos financeiros em geral, a começar pelos países emergentes.
A boa notícia, diz uma análise
do banco CSFB de Nova York, é
que a inflação cedeu e isto abre
espaço para o Fed, se necessário,
reduzir os juros. Além disso, planos mais ousados de Al Gore e
George Bush de gastar o superávit
fiscal ficam menos prováveis depois da "vitória sem mandato"
nas eleições, ou seja, com o país e
o Congresso divididos. De todo
modo, o potencial de confusão da
economia americana continua
tão gigantesco quanto ela.
O futuro do petróleo é, como
sempre, incerto. A aposta mais
otimista é a de um recuo dos preços no segundo trimestre de 2001,
se a economia mundial não crescer mais do que o esperado. Ao
não elevar a produção agora e
discutir a possibilidade de cortes
no início de 2001, a Opep estaria
preocupada com uma queda
mais forte nos preços. A conferir.
Tudo somado, o mundo ficou
pior e o Brasil vai pagar um preço
por isso. No mínimo, poderá crescer menos do que os 4% desejados. Como ainda tem uma vulnerabilidade externa alta, o preço a
pagar pode ser alto, se não prevalecerem as melhores hipóteses externas. É um risco, mas não uma
certeza.
E-mail
CelPinto@uol.com.br
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