São Paulo, quarta-feira, 17 de março de 2004

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ELIO GASPARI

De santiagodantas@edu para fhc@org.br

Caro professor Cardoso,
Lastimo não tê-lo conhecido. Vi-o outra noite na casa do professor José Arthur Giannotti, onde fico quando vou a São Paulo. Ele não sabe que tenho esse hábito. Talvez suspeite de algo, pelos pequenos furtos que faço na sua cozinha e por alguns livros que tiro do lugar na biblioteca, mas esse não é o assunto da minha carta. Nós dois fomos professores, ministros das Relações Exteriores e da Fazenda. O senhor foi presidente e, em 1962, por pouco eu teria sido primeiro-ministro. Temos coisa séria a tratar. Nosso problema chama-se Lula. Ele me parece um presidente ruinoso. Não é o primeiro nem será o último. Mesmo assim, acredite-me, Lula não é a crise. Lula é mais um ato de bondade daquele que move o Sol e as outras estrelas para que o Brasil se livre da pancada das crises latino-americanas do século 21. (Daqui a gente já viu duas que ainda não aconteceram. Creia-me, são tristes.)
O Juscelino lembrou-se de que há exatos 40 anos, no dia 17 de março de 1964, conversou com dois dirigentes comunistas, o Hércules Correa (que está por aí) e o João Massena (que foi assassinado em 1974). JK lhes disse que era preciso botar a sucessão presidencial na rua. Ele não esqueceu a data porque diz que foi a véspera do dia em que apareceram as fotografias da Brigitte Bardot seminua em Búzios. O senhor conhece o JKà.
Contou-me o Jorge Guinle, com quem tomei uma taça de vinho, que os jornais daí estão rememorando 1964. Fazem bem. Não quero chateá-lo relembrando a minha proposta da "esquerda positiva", porque seria perder tempo. 2004 nada tem a ver com 1964, os radicalismos são diferentes, os riscos são diversos e, infelizmente, os personagens são piores. Em 1964 a democracia brasileira foi à breca aos 18 anos de idade. A de hoje já fez 19, se estimarmos que nasceu em 1985, ano da posse do Tancredo Neves e do José Sarney. Seu vigor deriva mais da falta de golpistas do que da presença de democratas.
Eu o ouvi outro dia, expondo sua teoria das crises sem causa. Magistral a sua análise da crise de 1961, que quase leva o Brasil à guerra civil por nada. Fiquei pensando no caso e ocorreu-me o seguinte:
Hoje, 40 anos atrás, a direita lacerdista não admitia a possibilidade da posse do Juscelino caso ele vencesse a eleição presidencial marcada para 1965. A esquerda, por sua vez, não admitia a vitória do Lacerda, e um bom pedaço dela não aceitava nem a de JK. Só Juscelino admitia perder. Essa foi a sua grandeza. Outro dia eu lhe disse que só Getúlio teve, como ele, a capacidade de crescer no infortúnio. O homem chorou.
Veja só, professor: dez anos depois da insânia de 1964, o mais enraivecido lacerdista haveria de concordar que teria sido melhor devolver o Alvorada a JK. O mais radical dos esquerdistas reconheceria que teria sido melhor ter Lacerda no Planalto a ser governado pelo general Costa e Silva. (Figueiredo era uma sobretaxa ainda despercebida em 1974.)
O propósito desta mensagem é lhe pedir que propague a sua teoria da crise sem causa. Tenho visto muita gente que chega daí dizendo que o Brasil vive uma crise gravíssima. Não acredite. Esse Waldomiro não tem importância nenhuma. Importante mesmo é o morro do Pavão-Pavãozinho, mas não posso lhe dizer mais.
Despeço-me pedindo que me recomende à professora Ruth.
San Tiago Dantas


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