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ELIO GASPARI
De santiagodantas@edu para fhc@org.br
Caro professor Cardoso,
Lastimo não tê-lo conhecido.
Vi-o outra noite na casa do professor José Arthur Giannotti, onde fico quando vou a São Paulo.
Ele não sabe que tenho esse hábito. Talvez suspeite de algo, pelos pequenos furtos que faço na
sua cozinha e por alguns livros
que tiro do lugar na biblioteca,
mas esse não é o assunto da minha carta. Nós dois fomos professores, ministros das Relações
Exteriores e da Fazenda. O senhor foi presidente e, em 1962,
por pouco eu teria sido primeiro-ministro. Temos coisa séria a
tratar. Nosso problema chama-se Lula. Ele me parece um presidente ruinoso. Não é o primeiro
nem será o último. Mesmo assim, acredite-me, Lula não é a
crise. Lula é mais um ato de
bondade daquele que move o
Sol e as outras estrelas para que
o Brasil se livre da pancada das
crises latino-americanas do século 21. (Daqui a gente já viu
duas que ainda não aconteceram. Creia-me, são tristes.)
O Juscelino lembrou-se de que
há exatos 40 anos, no dia 17 de
março de 1964, conversou com
dois dirigentes comunistas, o
Hércules Correa (que está por
aí) e o João Massena (que foi assassinado em 1974). JK lhes disse
que era preciso botar a sucessão
presidencial na rua. Ele não esqueceu a data porque diz que foi
a véspera do dia em que apareceram as fotografias da Brigitte
Bardot seminua em Búzios. O
senhor conhece o JKà.
Contou-me o Jorge Guinle,
com quem tomei uma taça de
vinho, que os jornais daí estão
rememorando 1964. Fazem
bem. Não quero chateá-lo relembrando a minha proposta
da "esquerda positiva", porque
seria perder tempo. 2004 nada
tem a ver com 1964, os radicalismos são diferentes, os riscos são
diversos e, infelizmente, os personagens são piores. Em 1964 a
democracia brasileira foi à breca aos 18 anos de idade. A de hoje já fez 19, se estimarmos que
nasceu em 1985, ano da posse do
Tancredo Neves e do José Sarney. Seu vigor deriva mais da
falta de golpistas do que da presença de democratas.
Eu o ouvi outro dia, expondo
sua teoria das crises sem causa.
Magistral a sua análise da crise
de 1961, que quase leva o Brasil
à guerra civil por nada. Fiquei
pensando no caso e ocorreu-me
o seguinte:
Hoje, 40 anos atrás, a direita
lacerdista não admitia a possibilidade da posse do Juscelino
caso ele vencesse a eleição presidencial marcada para 1965. A
esquerda, por sua vez, não admitia a vitória do Lacerda, e um
bom pedaço dela não aceitava
nem a de JK. Só Juscelino admitia perder. Essa foi a sua grandeza. Outro dia eu lhe disse que só
Getúlio teve, como ele, a capacidade de crescer no infortúnio. O
homem chorou.
Veja só, professor: dez anos
depois da insânia de 1964, o
mais enraivecido lacerdista haveria de concordar que teria sido melhor devolver o Alvorada
a JK. O mais radical dos esquerdistas reconheceria que teria sido melhor ter Lacerda no Planalto a ser governado pelo general Costa e Silva. (Figueiredo
era uma sobretaxa ainda despercebida em 1974.)
O propósito desta mensagem é
lhe pedir que propague a sua
teoria da crise sem causa. Tenho
visto muita gente que chega daí
dizendo que o Brasil vive uma
crise gravíssima. Não acredite.
Esse Waldomiro não tem importância nenhuma. Importante mesmo é o morro do Pavão-Pavãozinho, mas não posso lhe dizer mais.
Despeço-me pedindo que me
recomende à professora Ruth.
San Tiago Dantas
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