São Paulo, sábado, 17 de abril de 2004

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CASO SANTO ANDRÉ

Família diz que prefeito sofreu violência para entregar informações a quadrilha que o seqüestrou

Laudos não elucidam "tortura" de Daniel

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Os laudos técnicos que tratam das marcas de violência no corpo do prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel, assassinado em 2002, não conseguem esclarecer se houve tortura -dado que poderia derrubar a versão dos seqüestradores do prefeito e reforçar a acusação de crime político.
Anteontem, os dois irmãos de Celso Daniel, João Francisco Daniel, 57, e Bruno José Daniel Filho, 51, disseram, em entrevista coletiva, que o prefeito foi "torturado" para que revelasse aos seqüestradores alguma informação. Mostraram fotos com sinais no peito, costas, perna, mão e cabeça.
Para os promotores de Justiça, "não há dúvida" de que Celso Daniel foi torturado.
Há, no conjunto de 700 páginas do processo apresentado anteontem pela família à imprensa, dois laudos que tratam do corpo do prefeito. Um é o exame necroscópico feito pelo IML (Instituto Médico Legal). O outro é um parecer feito com base em fotografias da necropsia e no laudo do IML pelo Centro de Apoio Operacional à Execução do Ministério Público.
O IML usa o termo "tortura" em seu laudo de forma diferente do significado mais popular -violência infligida a alguém para obter uma informação, por exemplo. A definição que o laudo dá à tortura é a seguinte: "Consideramos como tortura, senso geral, os achados descritos no item anterior acrescido da multiplicidade e localização dos tiros, além de sinais compatíveis com contato de cano (boca de cano) da arma aquecido com o contorno posterior de tronco".
O "item anterior" citado no laudo foi o "tempo de agonia" da vítima, estimado em "minutos". "Consideramos tal agonia como intensa, baseados nos mesmos achados e na observação de espasmo cadavérico, expressão de terror ("facie')" e material expelido pelo corpo por vias naturais.
O laudo silencia a respeito de um ferimento encontrado na cabeça do prefeito. O deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) chamou-o de "galo", o que foi ridicularizado pela família, devido à sua extensão (de 7 cm a 8 cm).
A explicação dada no laudo às marcas no corpo do prefeito é o que os legistas chamam de "fragmentação". Uma bala, em contato com o corpo, ossos ou mesmo o chão, após atravessar a vítima, explodiria em vários pedaços, causando os ferimentos em outras partes do corpo. Celso Daniel foi morto com oito tiros.
No parecer técnico elaborado pelo Ministério Público, os promotores perguntam que tipo de fenômeno poderia causar a "fragmentação do projétil e sua transposição do tecido da calça da vítima para fixação na coxa".
Os peritos responderam: "De acordo com o laudo da reconstituição (foto número 40, prancha nove), a vítima ficou ajoelhada, posição que poderia explicar a fragmentação dos projéteis no solo próximo à vítima em alguma superfície dura (pedra)".
A perícia do Ministério Público também não consegue elucidar o ferimento na cabeça do prefeito, dizendo apenas que ele foi causado por "objeto contundente".
Sobre a tortura, o parecer atribui ao próprio IML a conclusão: "O laudo necroscópico conclui pela existência de tortura".


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