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ADMINISTRAÇÃO
Para Guilherme Delgado, proposta de desindexação não combate miséria
"Desvincular mínimo é desatino"
GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Só o desconhecimento explica
que um governo cuja principal
bandeira é o combate à miséria
defenda a desvinculação entre os
benefícios da Previdência e o salário mínimo, avalia o economista
Guilherme Delgado, estudioso
dos efeitos das políticas sociais sobre a distribuição de renda.
"O verdadeiro Fome Zero é a seguridade social", diz Delgado, 56,
técnico do Instituto de Pesquisa
Econômica e Social e assessor do
Conselho Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional.
Em números: os benefícios da
Previdência deverão chegar neste
ano aos R$ 120 bilhões. Já o Bolsa-Família, principal programa com
a marca Fome Zero, ficará nos R$
5,7 bilhões. Segundo o IBGE, os
pobres eram 34% da população
em 99. Sem os benefícios previdenciários, seriam 45,3% do total.
O combate à miséria, argumenta Delgado, é sustentado por políticas permanentes de Estado, não
por programas de governos passageiros. A seguir, os principais
trechos da entrevista à Folha.
Folha - O governo propõe desvincular o mínimo dos benefícios da
Previdência. É uma boa idéia?
Guilherme Delgado - A desvinculação do mínimo é um retrocesso
completo. Foi a única indexação
aceita pela Constituição: mudou o
mínimo, muda o benefício. A razão foi evitar que ajustes macroeconômicos prejudicassem os benefícios. A "regra de ouro" foi respeitada nas duas reformas da Previdência, a de FHC e a de Lula. Falar agora em fazer uma outra reforma, para cortar os benefícios
mínimos, é um desatino em termos de ética na política social.
Quando o ministro José Dirceu
fala nisso, e eu li na Folha que o
presidente também concorda, só
pode ser desinformação. Essa é
uma conta que deve ser tomada
como dada, senão perde-se totalmente a governabilidade.
Folha - Mas a regra atual também
não garante bons reajustes para o
salário mínimo.
Delgado - Hoje os aposentados
estão protegidos pelo poder de
barganha dos trabalhadores da
ativa. Se, mesmo assim, não há
grandes reajustes, imagine se estivessem separados do setor ativo.
Folha - O argumento é que dessa
forma seria possível conceder um
reajuste maior para os trabalhadores da ativa.
Delgado - Não se pode querer fazer o bem para alguns prejudicando a maioria. No mercado formal,
há pouco mais de 3 milhões de
pessoas ganhando o mínimo
-há também os informais que,
de certa forma, poderiam ser beneficiados. Já na Previdência, são
quase 14 milhões de benefícios,
fora os assistenciais. O verdadeiro
Fome Zero é a seguridade social.
Folha - É uma crítica aos programas sociais do tipo Fome Zero?
Delgado - Os demais elementos
que se acoplam à seguridade são
apenas acréscimos. Em valores
anuais, os benefícios previdenciários e assistenciais somam cerca
de R$ 125 bilhões, mais de 20 vezes o Bolsa-Família.
O pagamento de benefícios da
Previdência é que efetivamente tira 19 milhões de pessoas da linha
da pobreza. Você pega a linha da
pobreza em dez anos, de 88 a 99:
sem a Previdência, ela dá um pulo
de dez pontos percentuais.
Folha - O governo argumenta que
os programas sociais têm a vantagem de serem mais direcionados
aos realmente miseráveis.
Delgado - Não se pode combater
a fome e a miséria ignorando que
são as políticas de Estado -aquelas que têm seu caráter permanente, financiado com regras claras e acesso direto pela cidadania- que sustentam a possibilidade de as famílias saírem da miséria. Os programas governamentais são bons também, mas são
absolutamente marginais do ponto de vista de impacto social.
Folha - E se um reajuste menor for
compensado por mais recursos para os programas focalizados?
Delgado - Não faz sentido. Os
programas focalizados têm a cara
e a marca do governo de plantão.
A miséria não pode ser objeto de
tratamento casuístico, ou a população vira massa de manobra.
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