São Paulo, segunda-feira, 17 de maio de 2004

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ADMINISTRAÇÃO

Para Guilherme Delgado, proposta de desindexação não combate miséria

"Desvincular mínimo é desatino"

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Só o desconhecimento explica que um governo cuja principal bandeira é o combate à miséria defenda a desvinculação entre os benefícios da Previdência e o salário mínimo, avalia o economista Guilherme Delgado, estudioso dos efeitos das políticas sociais sobre a distribuição de renda.
"O verdadeiro Fome Zero é a seguridade social", diz Delgado, 56, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica e Social e assessor do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Em números: os benefícios da Previdência deverão chegar neste ano aos R$ 120 bilhões. Já o Bolsa-Família, principal programa com a marca Fome Zero, ficará nos R$ 5,7 bilhões. Segundo o IBGE, os pobres eram 34% da população em 99. Sem os benefícios previdenciários, seriam 45,3% do total.
O combate à miséria, argumenta Delgado, é sustentado por políticas permanentes de Estado, não por programas de governos passageiros. A seguir, os principais trechos da entrevista à Folha.
 

Folha - O governo propõe desvincular o mínimo dos benefícios da Previdência. É uma boa idéia?
Guilherme Delgado -
A desvinculação do mínimo é um retrocesso completo. Foi a única indexação aceita pela Constituição: mudou o mínimo, muda o benefício. A razão foi evitar que ajustes macroeconômicos prejudicassem os benefícios. A "regra de ouro" foi respeitada nas duas reformas da Previdência, a de FHC e a de Lula. Falar agora em fazer uma outra reforma, para cortar os benefícios mínimos, é um desatino em termos de ética na política social.
Quando o ministro José Dirceu fala nisso, e eu li na Folha que o presidente também concorda, só pode ser desinformação. Essa é uma conta que deve ser tomada como dada, senão perde-se totalmente a governabilidade.

Folha - Mas a regra atual também não garante bons reajustes para o salário mínimo.
Delgado -
Hoje os aposentados estão protegidos pelo poder de barganha dos trabalhadores da ativa. Se, mesmo assim, não há grandes reajustes, imagine se estivessem separados do setor ativo.

Folha - O argumento é que dessa forma seria possível conceder um reajuste maior para os trabalhadores da ativa.
Delgado -
Não se pode querer fazer o bem para alguns prejudicando a maioria. No mercado formal, há pouco mais de 3 milhões de pessoas ganhando o mínimo -há também os informais que, de certa forma, poderiam ser beneficiados. Já na Previdência, são quase 14 milhões de benefícios, fora os assistenciais. O verdadeiro Fome Zero é a seguridade social.

Folha - É uma crítica aos programas sociais do tipo Fome Zero?
Delgado -
Os demais elementos que se acoplam à seguridade são apenas acréscimos. Em valores anuais, os benefícios previdenciários e assistenciais somam cerca de R$ 125 bilhões, mais de 20 vezes o Bolsa-Família.
O pagamento de benefícios da Previdência é que efetivamente tira 19 milhões de pessoas da linha da pobreza. Você pega a linha da pobreza em dez anos, de 88 a 99: sem a Previdência, ela dá um pulo de dez pontos percentuais.

Folha - O governo argumenta que os programas sociais têm a vantagem de serem mais direcionados aos realmente miseráveis.
Delgado -
Não se pode combater a fome e a miséria ignorando que são as políticas de Estado -aquelas que têm seu caráter permanente, financiado com regras claras e acesso direto pela cidadania- que sustentam a possibilidade de as famílias saírem da miséria. Os programas governamentais são bons também, mas são absolutamente marginais do ponto de vista de impacto social.

Folha - E se um reajuste menor for compensado por mais recursos para os programas focalizados?
Delgado -
Não faz sentido. Os programas focalizados têm a cara e a marca do governo de plantão. A miséria não pode ser objeto de tratamento casuístico, ou a população vira massa de manobra.


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