São Paulo, Sábado, 17 de Julho de 1999
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BIOGRAFIA
Tucano foi deputado, senador, governador de SP e um dos líderes da redemocratização do país
"Diretas" marcou trajetória de Montoro

CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

CLAUDIO CORDEIRO
do Banco de Dados

Homem de obsessões que perseguia com tenacidade, André Franco Montoro defendeu a mais recente delas até a hora da morte.
Parece exagero, mas é verdade. O ex-deputado Fernando Gasparian leu anteontem, na Cidade do México, o texto que Montoro preparara para o "Foro América Latina-Europa para um Desenvolvimento Social Sustentável".
Nele, Montoro atacava o que se havia transformado na sua obsessão mais recente, a especulação financeira internacional.
"É evidente que não podemos continuar vivendo num mundo em que uma especulação financeira de alguns minutos, em qualquer parte da Terra, ameace a economia de nações inteiras e destrua o trabalho de milhões de homens e mulheres", disse Montoro, pela voz de Gasparian, enquanto o ex-governador agonizava no Incor de São Paulo.
Nem sempre as obsessões de Montoro foram tão globais. Muitas vezes eram tão paroquiais que o levavam a ser folclorizado por seus adversários políticos e até por alguns correligionários.
Caso, por exemplo, de sua defesa das hortas comunitárias, tema que parecia pequeno para ocupar tão grande espaço nas preocupação de um governador do Estado de São Paulo.

"Diretas-Já"
Mas foi um tema de fato grande, institucionalmente, que acabou por marcar o seu período de quatro anos como governador (1983-87), seu posto mais importante.
Montoro tornou-se, ao lado de Ulysses Guimarães, também já morto, o grande incentivador do movimento "Diretas-Já", que pregava a convocação de eleições democráticas para a Presidência da República, na sucessão do general João Baptista Figueiredo, que se daria em 1985.
Esse paulistano, nascido em 1916 (14 de julho), era, acima de tudo, um animal político, do que dá prova o fato de ter ocupado todos os cargos eletivos possíveis, exceto o de presidente (foi vereador, deputado estadual e federal, senador, governador).
Além de animal político, era também católico de frequentar missa regularmente, e não apenas para finalidades eleitorais.
Coerente, filiou-se aos movimentos políticos da Igreja Católica e, em 1947, ao PDC (Partido Democrata Cristão).

Parlamentarismo
Pelo PDC, tornou-se ministro do Trabalho, no efêmero regime parlamentarista, que foi instaurado na esteira da renúncia de Jânio Quadros, em 1961.
Montoro foi um dos poucos políticos de destaque que apoiaram o governo João Goulart a escapar das punições impostas pelos militares, quando estes assumiram o poder em 1964.
Nem por isso tornou-se o principal líder do MDB, único partido oposicionista consentido, ao qual aderiu ao ser extinto o PDC.
A liderança oscilava entre Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. Mas, ao eleger-se senador, em 1970, subiu alguns degraus na hierarquia oposicionista, até porque transformou-se em uma das vozes mais constantes na defesa da redemocratização do país.

Governo paulista
Restabelecidas, em 1982, as eleições diretas para os governos estaduais, Montoro elegeu-se em São Paulo, Estado que transformaria em palanque para a sua pregação pela democracia.
Mas, no âmbito administrativo, ficou amarrado pela escassez de verbas. Impossibilitado de fazer grandes obras, cunhou um slogan que também acabou por ser folclorizado: "A grande obra é a soma das pequenas obras".
Foi em seu governo que nasceram ou se consolidaram na vida pública figuras que, hoje, são relevantes no esquema Fernando Henrique Cardoso.
O próprio FHC (suplente de Montoro) só chegou ao Senado Federal porque Montoro renunciou para assumir o governo paulista.
Com Montoro, trabalharam em São Paulo José Serra, Paulo Renato Souza, Clóvis Carvalho, José Gregori, entre outros integrantes do círculo de confiança de Fernando Henrique.
A estrela política de Montoro começou a apagar-se, paradoxalmente, no próprio PMDB, novo nome do MDB, a partir de 1979, com o fim do bipartidarismo.
Orestes Quércia, seu vice-governador, foi tomando o controle da máquina partidária e terminou por deslocar o "montorismo" de tal forma que Montoro e seu grupo tiveram que sair, para criar o PSDB, o seu último partido.
Foi, eleitoralmente, a pior época para Montoro: perdeu a eleição para o Senado, em 1990, e perdeu também no plebiscito de 1993 sobre o sistema de governo (era parlamentarista entusiasmado).

Última eleição
A fase ruim passaria, em parte, em 1994, quando se elegeu deputado federal (223 mil votos).
Mas, apesar de seu ex-suplente no Senado, Fernando Henrique Cardoso, ter sido eleito presidente no mesmo ano, Montoro já não tinha o peso político de antes.
Uma nova geração de políticos estava no comando. Mas a paixão pelas causas que julgava nobres não o abandonou.
Tanto que se empenhava em convencer seus pares dos Parlamentos brasileiro e latino-americano a adotar medidas contra a ciranda financeira.
Morreu em plena batalha, deixando sete filhos de seu casamento com Lucy Pestana Silva Franco Montoro.


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