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ARTIGO
Montoro, um jovem
PAULO RENATO SOUZA
especial para a Folha
Não lembro exatamente o dia,
mas foi uma quarta-feira, lá por
20 de maio de 1984. Tendo assumido a presidência da Prodesp
havia dois meses e pouco, estava
iniciando uma das reuniões semanais com os gerentes da companhia, quando recebi uma chamada do Andrezinho para que
fosse ao Palácio, a pedido do governador. Quarta-feira era também o dia das reuniões semanais
das Câmaras de governo presididas pelo governador Montoro.
Era precisamente o dia da Câmara Social, que incluía os secretários da área, mais o de Governo,
do Planejamento e da Fazenda.
A imprensa daqueles dias falava
em reforma do secretariado detonada pela demissão do secretário
da Educação, Paulo de Tarso Santos, dois dias antes. Tão pronto
cheguei, o governador pediu para
sentar-me a seu lado na cabeceira
da mesa e segredou-me: "Preste
atenção na reunião, pois vou nomeá-lo secretário da Educação".
O chão fugiu-me debaixo da cadeira. Tinha que ser engano. Provavelmente ele teria querido dizer
Administração ou outra coisa semelhante. "Educação, dr. André?", perguntei surpreso. "É
sim", foi sua única resposta, e a
reunião prosseguiu sem que eu
pudesse prestar atenção em uma
só palavra que estava sendo dita
ali.
Quando a notícia veio a público
a surpresa foi geral e vários amigos consideraram o gesto de
Montoro uma "temeridade", como vim a saber muito depois. Tinha eu 38 anos, e era um novato
em São Paulo, vivendo em Campinas havia apenas cinco anos.
Talvez não fosse uma temeridade, mas foi um gesto de uma coragem e audácia que nunca cansei
de mencionar com extrema admiração. Admiração maior ainda
porque eu fui um de tantos jovens
em quem Montoro apostou e que
tiveram e estão tendo presença na
vida nacional. José Serra, João Sayad, Clóvis Carvalho, Luís Carlos
Bresser Pereira, José Carlos Dias,
para citar alguns. Não conheço
outra pessoa que tenha promovido uma renovação tão grande nos
quadros políticos e gerenciais do
nosso país.
O dia-a-dia de trabalho com o
dr. André fez minha admiração
crescer sem cessar. Seu compromisso com a democracia e com a
ética iam ao âmago do seu ser e
estavam presentes nos menores
atos e gestos de governo.
Quando as críticas e avaliações
de opinião pública assinalavam
problemas de afirmação para o
governo, para muitos de nós ficava a certeza de que o governo
Montoro estava 50 anos à frente
de seu tempo, no trato sério da
coisa pública e no respeito aos
processos democráticos de participação e decisão. Sem dúvida
aqueles quatro anos foram um
marco importante do processo civilizatório na política nacional.
A contribuição de Montoro para o desenvolvimento de nosso
país durante a sua extensíssima e
completa vida pública, que abarcou desde a vereança até o governo do Estado, passando pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, é imensa em termos de leis de
sua autoria (a do 13º salário, por
exemplo) e de atos e iniciativas
importantes como a hidrovia do
Tietê ou o tombamento da serra
do Mar.
Esses legados por si só nos permitem considerar Montoro como
uma das figuras públicas mais importantes dos nosso país nos últimos 50 anos. Sem dúvida, porém,
sua contribuição mais importante
para a democracia em nosso país
foi a liderança que exerceu no
processo de luta pelas eleições diretas para a Presidência da República.
Em contrapartida, também não
houve outra pessoa que tivesse
dado contribuição individual
mais decisiva para a redemocratização no nosso país.
Novamente as marcas de um jovem em ação: coragem e audácia,
às quais vieram a somar-se uma
visão histórica e estratégica precisa e uma determinação inabalável, própria de um bandeirante. A
história é conhecida e, se hoje estamos consolidando um processo
democrático no nosso Brasil, é
importante não deixar de reconhecer que na convocatória do
comício da praça da Sé nasceu a
liberdade de que hoje desfrutamos.
Uma derrota para o Senado não
abalou nosso jovem Montoro.
Havia fundado o PSDB e quatro
anos depois ajudou a consolidação do partido, concorrendo,
com a humildade dos grandes, a
uma cadeira na Câmara e elegendo com sua votação uma forte
bancada por São Paulo. Foi um
exemplo de militância política de
dar inveja a qualquer jovem idealista.
Retomou no Congresso a bandeira da reforma política, com ênfase na introdução do parlamentarismo e do voto distrital misto,
com tanta garra e entusiasmo que
remoçou fisicamente a olhos vistos. Olhava para longe e para o alto, distanciando-se das discussões
mesquinhas das reformas ministeriais ou das brigas partidárias
por mais ou menos espaço político. Jamais recusou, entretanto,
convite para participar de qualquer reunião de diretório ou seminário para o fortalecimento do
seu PSDB.
Dr. André teve um infarto extenso na porta de um avião que o
levaria ao México. Participaria em
uma conferência, onde faria um
discurso contra os excessos do capitalismo selvagem de nossos
dias, como disse ao presidente
Fernando Henrique, por telefone,
na manhã desse mesmo dia. Na
verdade, além disso, iria articular
uma candidatura à presidência do
Parlatino, que renovasse a instituição dentro da perspectiva latino-americanista que sempre defendeu, como me confidenciou
seu filho Ricardo, numa sala do
Incor, já após a sua morte.
Dr. André morreu muito jovem
aos 83 anos. Olhando para a frente e para o alto. Por isso era tão
querido e admirado pela juventude de seu partido.
Paulo Renato Souza, 53, é economista e ministro da Educação. Foi secretário da Educação e reitor da Unicamp no governo Montoro. Foi candidato a suplente de senador com
Franco Montoro nas eleições de 1990
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