São Paulo, sexta-feira, 17 de agosto de 2001

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JANIO DE FREITAS

Caça ao dinheiro

Por mais interessante que seja o debate em torno de concorrência ou isenção dela na compra de caças a jato, um lado e outro sobrevoaram, sem observar, uma questão anterior e de maior relevância.
O Brasil precisa mesmo de nova esquadrilha de caças a jato? Ao custo de mais de R$ 1,7 bilhão só para os gastos de compra, propriamente dita, aos quais se juntarão gastos incalculados e continuados com estoque de peças, preparo de equipes de manutenção e muitos outros?
Ainda antes do arrocho recente e brutal que o FMI impôs ao Brasil, para conceder mais empréstimos com que sustentar o valor fictício do real, a penúria em que está o país tinha um exemplo citado, aqui mesmo, por longo período: mais de dois terços dos aviões da FAB estavam sem condições de vôo. Não só os de imaginária guerra, mas também os úteis estavam sem peças de reposição por falta de recursos governamentais. Formou-se mesmo um certo mal-estar na FAB.
Dos hospitais universitários, à beira do chamado estado de calamidade pública, até a falta de dinheiro para obras essenciais, como a restauração das estradas; dos quase sete anos sem reajuste do funcionalismo civil do governo até o corte de R$ 45 bi nos gastos governamentais, a situação do país requereria razões muito fortes para investir em armamentos pesados. E onde estão tais razões? Ainda que remotos, muito remotos, alguém vislumbra risco de ataque ao Brasil por um dos seus coitados vizinhos?
Para suas conveniências de vigilância aérea na Amazônia, contra possíveis traficantes e contrabandistas, o Brasil não precisa de mais do que aviões do tipo Tucano, muito mais baratos, encontráveis aqui mesmo e, talvez a preço melhor, em vários fabricantes no exterior. A única explicação disponível para a insensatez de gastar uma fortuna com caças a jato, quando falta dinheiro para o essencial e o humano, é tão ridícula quanto a "necessidade de defesa" sempre alegada por forças militares: é a compra, não menos insensata, de jatos pelo Chile, e os comandos da FAB não querem se mostrar menos modernizados do que colegas sul-americanos.
Quanto à pretensão do lobby da Embraer para compra dos jatos nesta "empresa brasileira" e sem concorrência, em nome de interesses estratégicos do Brasil, poucas palavras bastam: desde a privatização, ou doação, a Embraer não é empresa brasileira, mas associação internacional. Pena que a FAB, construtora da Embraer com dinheiro do contribuinte, e os lobistas da privatização absoluta tenham negado a existência de empresas estratégicas, entre as quais a Embraer.



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