São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ex-combatentes relatam fraqueza e afirmam sentir "pânico de guerra'

DO ENVIADO A BRASÍLIA E GOIÂNIA

O ex-fuzileiro naval Dário Lopes da Silva vive em pânico, o ex-soldado Raimundo Antônio Pereira de Melo perdeu um testículo e seu colega Altino Gamboa Miranda, sem forças, sustenta-se como barbeiro, por não conseguir carregar peso.
Cada ex-militar lista nas ações judiciais os problemas que, segundo eles, foram acarretados pelo período em que passaram na selva do Araguaia, à procura dos guerrilheiros. Há também casos de surdez, cegueira e perda de movimento.

"Pânico de guerra"
Desde que deixou a Marinha, após o fim da guerrilha, Lopes da Silva, 59, diz que é sustentado por parentes. Atingido por tiros e estilhaços de granadas, que o fragilizaram emocionalmente e arrancaram parte de um dedo da mão esquerda, o ex-militar afirma ser vítima de "pânico de guerra".
"Quem defendeu a democracia ficou a ver navios. Estive no Araguaia três vezes. Em 1975, fui internado em uma clínica psiquiátrica", disse ele à Folha, mostrando o laudo médico que atestava "graves alterações de comportamento, intensa irritabilidade, sem controle dos impulsos, perturbação do sono e extrema ansiedade".
Gamboa Miranda, 58, afirma ser incapaz de "carregar 20 kg" por causa de ferimentos nos pés, tiros nas pernas e facadas no braço esquerdo. Para sobreviver, corta cabelos, tarefa que considera inglória para um homem que enfrentou "guerrilheiros comunistas" na floresta amazônica.
"Eu, que combati em nome do país, não tenho qualquer direito. Eles, que enfrentaram o país, já receberam indenização. Fiquei seis anos lá dentro. A gente ia na frente. Hoje, não tenho nada. Fomos abandonados, esquecidos", lamenta.
Pereira de Melo, 54, disse que, em 1974, vigiou guerrilheiros presos, viu as cabeças de três deles apodrecidas dentro de sacos de estopa e guardou as sepulturas de dois integrantes do PC do B, Osvaldo da Costa, o Osvaldão, e Valquíria Afonso da Costa.
A ordem de vigiar as covas clandestinas era para evitar o resgate dos cadáveres enterrados, entre duas palmeiras, na base militar de Xambioá (norte de Goiás, hoje Tocantins). Em 2004, com dois ex-militares, levou representantes da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência ao local. Para sua surpresa, as escavações ocorreram em áreas diferentes da apontada pelo grupo.

Circo
"Aquilo foi um circo, com jornalistas, parentes, curiosos, gente do governo, militares, policiais federais, centenas de pessoas. O pessoal da secretaria procurou em um lugar onde não havia nada, para não achar nada e dar a impressão à sociedade que estavam procurando os corpos dos desaparecidos. Não passaram nem perto do local que marcamos e onde até hoje estão os corpos de Osvaldão e Valquíria."
Melo é fundador da Associação dos Ex-Combatentes da Guerrilha do Araguaia. Cita como principal seqüela física a perda do testículo direito, em razão de uma cachumba mal tratada na selva e, como dano psicológico, os pesadelos que, segundo diz, o acometem ao menos três vezes por semana.
O taxista Dorimar Gomes, 55, preside a associação. Soldado na campanha contra a guerrilha, ele fala que só agora os ex-militares decidiram falar porque antes "ninguém tinha coragem de enfrentar o Exército". "Havia o sentimento na tropa de que ali se cometia muita coisa errada, mas ninguém ousava contestar."
Nascido em Marabá (PA), Gomes teve que deixar a cidade após o fim dos combates, pois "não agüentava ser chamado de assassino e torturador" e "ninguém queria me dar emprego". Foi morar em São Paulo. (SERGIO TORRES)


Texto Anterior: Ex-militares depuseram em sigilo à OAB
Próximo Texto: Madeira apreendida não tem destino
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.