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Ex-combatentes relatam fraqueza e afirmam sentir "pânico de guerra'
DO ENVIADO A BRASÍLIA E GOIÂNIA
O ex-fuzileiro naval Dário
Lopes da Silva vive em pânico, o
ex-soldado Raimundo Antônio
Pereira de Melo perdeu um testículo e seu colega Altino Gamboa Miranda, sem forças, sustenta-se como barbeiro, por
não conseguir carregar peso.
Cada ex-militar lista nas
ações judiciais os problemas
que, segundo eles, foram acarretados pelo período em que
passaram na selva do Araguaia,
à procura dos guerrilheiros. Há
também casos de surdez, cegueira e perda de movimento.
"Pânico de guerra"
Desde que deixou a Marinha,
após o fim da guerrilha, Lopes
da Silva, 59, diz que é sustentado por parentes. Atingido por
tiros e estilhaços de granadas,
que o fragilizaram emocionalmente e arrancaram parte de
um dedo da mão esquerda, o
ex-militar afirma ser vítima de
"pânico de guerra".
"Quem defendeu a democracia ficou a ver navios. Estive no
Araguaia três vezes. Em 1975,
fui internado em uma clínica
psiquiátrica", disse ele à Folha,
mostrando o laudo médico que
atestava "graves alterações de
comportamento, intensa irritabilidade, sem controle dos
impulsos, perturbação do sono
e extrema ansiedade".
Gamboa Miranda, 58, afirma
ser incapaz de "carregar 20 kg"
por causa de ferimentos nos
pés, tiros nas pernas e facadas
no braço esquerdo. Para sobreviver, corta cabelos, tarefa que
considera inglória para um homem que enfrentou "guerrilheiros comunistas" na floresta
amazônica.
"Eu, que combati em nome
do país, não tenho qualquer direito. Eles, que enfrentaram o
país, já receberam indenização.
Fiquei seis anos lá dentro. A
gente ia na frente. Hoje, não tenho nada. Fomos abandonados, esquecidos", lamenta.
Pereira de Melo, 54, disse
que, em 1974, vigiou guerrilheiros presos, viu as cabeças de
três deles apodrecidas dentro
de sacos de estopa e guardou as
sepulturas de dois integrantes
do PC do B, Osvaldo da Costa, o
Osvaldão, e Valquíria Afonso
da Costa.
A ordem de vigiar as covas
clandestinas era para evitar o
resgate dos cadáveres enterrados, entre duas palmeiras, na
base militar de Xambioá (norte
de Goiás, hoje Tocantins). Em
2004, com dois ex-militares,
levou representantes da Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência ao local. Para sua
surpresa, as escavações ocorreram em áreas diferentes da
apontada pelo grupo.
Circo
"Aquilo foi um circo, com jornalistas, parentes, curiosos,
gente do governo, militares, policiais federais, centenas de
pessoas. O pessoal da secretaria
procurou em um lugar onde
não havia nada, para não achar
nada e dar a impressão à sociedade que estavam procurando
os corpos dos desaparecidos.
Não passaram nem perto do local que marcamos e onde até
hoje estão os corpos de Osvaldão e Valquíria."
Melo é fundador da Associação dos Ex-Combatentes da
Guerrilha do Araguaia. Cita como principal seqüela física a
perda do testículo direito, em
razão de uma cachumba mal
tratada na selva e, como dano
psicológico, os pesadelos que,
segundo diz, o acometem ao
menos três vezes por semana.
O taxista Dorimar Gomes,
55, preside a associação. Soldado na campanha contra a guerrilha, ele fala que só agora os ex-militares decidiram falar porque antes "ninguém tinha coragem de enfrentar o Exército".
"Havia o sentimento na tropa
de que ali se cometia muita coisa errada, mas ninguém ousava
contestar."
Nascido em Marabá (PA),
Gomes teve que deixar a cidade
após o fim dos combates, pois
"não agüentava ser chamado de
assassino e torturador" e "ninguém queria me dar emprego".
Foi morar em São Paulo.
(SERGIO TORRES)
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