|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
Liberdade original
Já ninguém pode dizer que
inexiste um traço de originalidade a distinguir o governo Lula de seu antecessor. Por
ora é um só e, mesmo que o governo continue tentando ampliá-lo e fazê-lo mais conseqüente, é muito improvável
que o consiga. A originalidade
está na concepção que o governo tem, e a cada dia demonstra
mais, do que é e do que deveria
ser o papel dos meios de comunicação.
No congresso da Associação
Nacional de Jornais, entidade
que congrega o patronato da
imprensa diária, Lula fez afirmações tão enfáticas a favor da
liberdade de imprensa que até
ultrapassou o limite dos fatos:
"Ao vir aqui, reitero este compromisso [com a liberdade de
imprensa], que é o compromisso de uma vida inteira". De
muitas vidas inteiras, mas não
constam participações de Lula
nos embates por tal face das liberdades democráticas.
O discurso de Lula foi muito
bem recebido pelos associados
da ANJ, mas cabe uma pergunta: que outra coisa, senão o
apoio à liberdade de imprensa,
diria um presidente da República em reunião solene dos donos de jornal? As práticas do
governo, porém, não sustentam o discurso gentilmente óbvio.
A falácia de que o projeto do
Conselho Federal de Jornalismo, com sua pretensão de
"orientar a atividade do jornalismo", só foi mandado ao
Congresso porque pedido pela
Federação Nacional dos Jornalistas não precisaria de mais
desmentidos. Apesar disso, o
próprio governo proporcionou
mais um, menos de 24 horas do
discurso de Lula na ANJ. Muito
mais importantes do que a Federação dos Jornalistas, todas
as federações dos industriais e
dos comerciantes têm reivindicado a redução dos juros, como
preliminar para a adoção de
políticas de crescimento econômico. Discurso na terça, aumento dos juros na quarta.
Não é preciso lembrar a idéia
de proibir funcionários públicos de proporcionar informações a repórteres, nem outras
idéias e referências da mesma
família, prodigalizadas por várias das figuras centrais do governo. Bastará ficar na mesma
terça-feira do discurso. Horas
antes da fala de Lula, o secretário de Imprensa e Divulgação
da Presidência, Ricardo Kotscho, publicou na Folha um artigo com significação muito especial.
Tratou-se de uma intervenção na divergência entre dois
colunistas do jornal, a propósito de assunto irrisório e sem conotação com o governo, para
produzir um julgamento segundo a ótica tipicamente governista e decretar de que lado
está a razão. Tenho mais anos
de jornal do que deveria ter de
vida, mas nunca vi na imprensa brasileira, nem tive conhecimento na imprensa estrangeira, de atitude semelhante. Sob
o sotaque vocabular de gesto
autorizado pela intimidade, é
um ato arbitrário, com a chancela do poder que lhe é dada
pela função do autor e com os
ingredientes do governismo
exacerbado. Dois traços que repelem qualquer sentido jornalístico na atitude e no teor do
texto enviado à Folha por
Kotscho, jornalista unanimemente respeitável enquanto
exerceu o jornalismo profissional.
A mesma Secretaria de Comunicação da Presidência, da
qual é incumbido o ministro
Luiz Gushiken, precisou emitir,
anteontem, uma nota oficial
incomum: pedido de desculpas
a outro ministro e a quem acesse o "site" do governo. Na Secom foram forjadas, e atribuídas a Gilberto Gil, frases gravemente insultuosas à imprensa,
chamada em geral de fascista.
O "grave erro de edição" (erro
de edição?) foi de uma assessora-jornalista (jornalista?) responsável (não seria irresponsável?) pela página na internet.
Pode-se dar como certo que tenha sido ato individual. As circunstâncias concorrem, no entanto, para a suspeita de que,
como é tão comum, o ato individual exprima um ambiente
conceitual, ainda que o faça
com exagero de percepção e,
daí, de formulação.
Os indícios de que a liberdade de imprensa não agrada o
governo são sucessivos.
Texto Anterior: Outro lado: Antero acusa juiz de ser do PT Próximo Texto: Mídia: Governo demite jornalista do episódio Gil Índice
|