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HERANÇA MILITAR
Documentos estavam na casa de um ministro de Costa e Silva
Papéis secretos da ditadura
são achados em sítio no RS
LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE
Milhares de documentos oficiais da época do regime militar
(1964-1985), em sua maioria carimbados como "confidencial" e
"secreto", foram localizados em
um sítio do município de Eldorado do Sul (RS), no conjunto residencial Guaíba Country Club, a
cerca de 30 km de Porto Alegre.
As informações foram reveladas ontem pelo jornal gaúcho
"Zero Hora". Os documentos estavam espalhados por quatro cômodos, pátio e varanda da casa de
madeira usada para descanso por
Tarso Dutra, ministro da Educação do general Costa e Silva (1967-1969). O período marcou a radicalização do regime, com a edição
do AI-5, em dezembro de 1968.
A pessoa que encontrou os documentos mantém o anonimato.
O Ministério Público Estadual obteve autorização dos dois filhos de
Dutra para "arrecadar, proteger e
selecionar" os documentos, segundo o subprocurador-geral de
Justiça, Mauro Renner. A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia Legislativa
pretende recebê-los e repassá-los
ao Acervo da Luta Contra a Ditadura. O ministro da Casa Civil, José Dirceu, intercedeu junto ao ministro da Defesa, José Alencar, para que o Exército não interfira, de
modo que os documentos sejam
entregues ao Ministério Público.
A família de Dutra afirmou ter
havido um arrombamento no local, que estava praticamente
abandonado até setembro (a viúva, Maria Leontina Dutra, 88, e os
filhos não iam ao sítio havia pelo
menos três meses). A hipótese de
vandalismo é a mais cogitada para explicar a condição dos papéis.
Os documentos, muitos deles
amassados, rasgados e borrados,
estavam no sítio porque um ex-secretário de Dutra os juntou e
entregou à família após sua morte, no dia 5 de maio de 1983. Neles,
constam exemplos de como se faziam espionagens e o tipo de enquadramento que era feito sobre
oposicionistas. Tudo está misturado a documentos pessoais, incluindo cartas trocadas entre Dutra e o ministro da Educação que
o sucedeu, Jarbas Passarinho.
Dutra nasceu no dia 15 de maio
de 1914, em Porto Alegre. Antes
do regime militar foi filiado ao
PSD, pelo qual foi deputado federal. No regime militar, tentou ser
indicado pela Arena para governar o Estado em duas ocasiões.
Foi eleito senador em 1970 e 1978.
José Dirceu
Por ter sido ministro da Educação, os documentos encontrados
no sítio da família de Tarso Dutra
se referem muito a professores e
estudantes espionados pelo SNI
(Serviço Nacional de Informações). Há relatos a respeito de prisões de estudantes, espionagem
de encontros, cassação de professores e rotulagens ideológicas.
Dentre outros documentos importantes, está a investigação a
respeito do 30º Congresso da
UNE (União Nacional dos Estudantes) no sítio Muduru, em Ibiúna (SP). Na ocasião, em 12 de outubro de 1968, foram presos 739
estudantes. Entre eles, José Dirceu, hoje ministro da Casa Civil.
Dirceu aparece num boletim do
dia 14 de outubro de 1968: "A
SSP/SP [Secretaria da Segurança
Pública de São Paulo] começa a
ouvir hoje os 739 estudantes aprisionados na fulminante ação militar no sítio Muduru, em Ibiúna,
dentre eles os principais cabeças
da agitação no meio estudantil:
Vladimir Palmeira, Luís Travassos, José Dirceu de Oliveira, Edson Soares Jean Marc Von Der
Weig [o sobrenome correto é Van
der Weid], Catarina Meloni e Antônio Guilherme Ribas".
E o texto prossegue: ""O senador
Mário Martins, que é pai de Franklin Martins [hoje jornalista político da Rede Globo], um dos estudantes presos em Ibiúna, viajou
ontem para São Paulo em companhia do advogado Marcello Alencar [que depois se tornaria governador do Rio], com o objetivo de
tentar a libertação não só de Franklin mas também de outros líderes do movimento estudantil."
Outro texto do dia 15 de outubro de 1968 (pouco menos de dois
meses antes do AI-5) procurava
antecipar discurso do deputado
Márcio Moreira Alves (MDB-GB), cujo conteúdo foi utilizado
para justificar o AI-5: ""O deputado Márcio Moreira Alves vai dizer
amanhã na tribuna da Câmara
que o seu discurso do dia 2 de setembro não teve o objetivo de injuriar as Forças Armadas (...)".
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