São Paulo, quinta-feira, 18 de janeiro de 2001

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CELSO PINTO

Como reduzir os sustos externos

Desde 97, o mundo tem convivido com crises praticamente a cada seis meses. Em julho de 97 foi a Tailândia; em dezembro, a Coréia. Em janeiro de 98 foi a Indonésia; em julho, a Rússia; em outubro, o LTCM. Em janeiro de 99 foi o Brasil; no segundo semestre foi a paranóia do "bug do ano 2000". No ano passado, os mercados passaram por dois fortes miniciclos de pessimismo, no segundo e no quarto trimestres.
A cada mudança de humor, muda a percepção sobre o Brasil e volta a sensação de que sua economia vive na fronteira entre um círculo virtuoso e um círculo vicioso. O tamanho da dívida pública (perto de 50% do PIB) e do passivo externo (mais de 50%) é a principal explicação para o desconforto. Outra é a qualidade da dívida mobiliária, concentrada em prazos curtos e muito indexada ao dólar e aos juros de curto prazo.
A lógica do círculo vicioso é fácil de entender. Uma piora externa pressiona o dólar, bate nos juros, no crescimento e tem um impacto imediato e forte na dívida fiscal. A piora geral realimenta o pessimismo. No limite, alguém começa a questionar se a dívida interna será integralmente paga.
A introdução do câmbio flutuante e os melhores resultados fiscais aliviaram um pouco a pressão. Fundamental para reduzir o risco, contudo, seria melhorar a qualidade da dívida mobiliária, que somava R$ 520 bilhões em novembro.
Grosso modo, existem três problemas a atacar em relação à dívida mobiliária: aliviar a pressão da rolagem, a vulnerabilidade a choques externos e melhorar a eficácia da política de juros. Os três problemas vêm sendo atacados, mas de forma gradual. É possível acelerar, mas a um custo que pode ser alto.
O secretário-adjunto do Tesouro, Rubens Sardenberg, diz que a principal prioridade é aliviar a rolagem. O prazo médio da dívida leiloada no mercado (R$ 356 bilhões em novembro) subiu de 7,17 meses, em junho de 99, para 15,89 meses em dezembro. Se for considerada a dívida total, incluindo colocações diretas, o prazo médio sobe para 29,8 meses.
O dado relevante, contudo, é que 35% da dívida é rolada em até 12 meses. É muito. A meta do governo é reduzir essa proporção para 20%, bom para os padrões internacionais. Não ter pressão de rolagem ajuda a atravessar melhor qualquer crise.
O segundo desafio é reduzir a vulnerabilidade a choques externos. Tem a ver com a duração da dívida e com sua indexação a câmbio e juros. Em janeiro de 99, do total da dívida, 57,9% eram indexados a juros de curto prazo (Selic) e 30,4% ao câmbio. Em novembro, o total indexado à Selic caiu para 52,6% e ao câmbio para 21,9%. Os prefixados subiram de 6% para 15%.
Melhorou, mas está longe do ideal. Se um choque externo fizer câmbio e os juros subirem, o reflexo será imediato sobre 74,5% da dívida mobiliária. A piora fiscal será rápida e significativa.
O ideal seria trocar papéis Selic por prefixados. Seria uma forma, também, de atacar o terceiro problema, o da eficácia da política de juros. Com a dívida prefixada, qualquer aumento de juros reduz, de fato, a riqueza da sociedade e induz à desejada redução da demanda. Quando os papéis são indexados à Selic, a subida de juros aumenta o lucro dos investidores.
O problema é que o mercado desconfia de prefixados com prazos longos. Exige juros altos demais e prazos menores. Só com o tempo será possível ampliar sua presença.
Uma segunda alternativa à Selic é oferecer títulos indexados à inflação, de preferência ao IPCA, um índice de custo de vida sem influência maior do câmbio, como é o caso do IGP. Sardenberg já anunciou que pretende emitir mais desses títulos para prazos de 5, 10 e 15 anos.
Quanto? Em novembro, os títulos indexados a preços somavam 5,7% do total da dívida. Sardenberg acha que eles podem subir a até 10%, no final deste ano, não mais do que isso.
A razão é que o juro real desses papéis, hoje de 12%, ainda é alto demais. O papel indexado à Selic é péssimo quando há crise, mas ótimo quando a conjuntura é otimista. Se os juros caem, o governo se apropria rápida e integralmente desse ganho, e não o investidor. Mesmo num cenário muito ruim, de estresse, diz, a piora fiscal é forte, mas tende a ser temporária. Se a expectativa é de juros em baixa, como é hoje, não vale a pena trocar tanto papel Selic. Só quando o juro do papel indexado ao IPCA chegar perto do que seria um "juro neutro", uns 5% a 7%, seria interessante ampliar a troca.
Ele imagina que, até o final do ano, o total indexado à Selic poderá cair de 52% para algo entre 35% e 40%. Os prefixados subiriam de 15% para 25%, e os indexados ao IPCA chegariam até a 10%. Os cambiais são de responsabilidade do BC, mas sua redução só pode ser mais agressiva se o mercado puder oferecer proteção ("hedge") privada em troca.
No fundo, se o Brasil tiver dois ou três anos sem fortes crises externas e com boa política econômica, será possível melhorar bastante a qualidade da dívida e reduzir a percepção de risco do país. O risco é o de alguma crise mais forte acabar comprometendo, em meses, todo o esforço de anos de melhora gradual da dívida.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


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