São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2001

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NORDESTE

Pequenos produtores do sertão da Paraíba usam sobra de água dessalinizada de poços na criação de espécie marinha

Sertanejos criam camarão no semi-árido

ARI CIPOLA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BARRA DE SANTA ROSA (PB)

Um projeto pioneiro de criação de camarão marinho em pleno sertão da Paraíba está se transformando em uma alternativa que, de uma só vez, aponta soluções para problemas ecológicos e socioeconômicos, além de cortar as raízes do desperdício crônico de recursos da chamada indústria da seca nordestina.
O projeto, desenvolvido pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e pela UFPB (Universidade Federal da Paraíba), está funcionando de forma experimental desde novembro na associação integrada por 12 famílias de pequenos produtores rurais do povoado de Poleiros, a 12 km de Barra de Santa Rosa (PB), e será expandido para outras 50 cidades.
O pulo-do-gato está na utilização de sobra de água dessalinizada de poços na região. Normalmente, essa água consistiria um problema a mais, por tornar o solo infértil; no projeto, ela é a solução. Com um tanque de 1.200 m3, é possível produzir 360 quilos de camarão, o que está gerando um lucro mensal de R$ 600.
No semi-árido brasileiro, a renda familiar média é inferior a R$ 180 e, para a maioria das famílias que podem ser beneficiadas, não passa da metade disso.
Depois de colher 260 quilos de camarão com até 15 cm de comprimento e vender a produção por R$ 12 o quilo, o sertanejo e presidente da associação, Cícero Procópio da Silva, 55, que já havia decidido mudar-se para São Paulo para ficar perto de 8 dos seus 14 filhos, mudou de idéia.
"Decidi ficar mais um pouco, para ver se o camarão nos dá renda, pois, se tiver garantia de que terei almoço e jantar, não troco o sertão por nada", afirmou Silva. "Em São Paulo tenho emprego certo, mas aqui vivemos mais a vida. Para dar certo, dependemos apenas de financiamento."
O problema é o investimento inicial, que dependeria de créditos semelhantes aos dados a agricultores familiares. A montagem de um tanque como o de Barra de Santa Rosa custa cerca de R$ 3.000. No estágio experimental, o faturamento chega a R$ 4.300, os custos da ""safra" (alimentação etc.) ficam em R$ 900, a mão-de-obra sai por R$ 600 e os custos técnicos, cerca de R$ 1.000. Nos 90 a 97 dias de ciclo do camarão, o lucro fica em R$ 1.800.
O Sebrae quer levar o projeto-piloto para mais 50 municípios, principalmente no chamado sertão do Cariri, a região que menos chove no Brasil, e para Piranhas (AL), onde foi edificada a hidrelétrica de Xingó -e onde há uma grande massa de desempregados após a conclusão da parte bruta da obra, em 96.
"A intenção é fazer de um grande problema uma solução nobre. As pesquisas estão indicando que o camarão é uma fonte de geração de riqueza, emprego e renda. Por isso estamos planejando criar uma rede de pequenos criadores que faça compras e vendas coletivas, inclusive pensando no mercado externo", diz o diretor-presidente do Sebrae, Sérgio Moreira.
A água do mar é três vezes mais salobra que a água usada, que ainda assim é suficiente para criar o camarão do Pacífico -Penaeus vannamei- e alguns peixes.
Os dessalinizadores foram introduzidos no sertão como uma solução para qualidade de água ingerida pela população, já que a quase totalidade dos 27.164 poços perfurados pelo governo desde 1909 na região são salgados. Mas acabaram se transformando em um problema ecológico, por purificar apenas 50% da água que passa por ele.
No Ceará e no Rio Grande do Norte, investidores privados já estão instalando criadouros no sertão com recursos próprios e aproveitando apenas a água salobra dos poços.
A criação de camarão em cativeiro tem sido um dos negócios que mais crescem no Nordeste, mas sempre na área litorânea. Só no ano passado foram exportados R$ 150 milhões à Europa e 31.250 pessoas estavam empregadas no setor, segundo dados da ABCC (Associação Brasileira dos Criadores de Camarão) e do Ministério da Indústria e Comércio.
O trabalho coordenado pela pesquisadora da UFPB Maria do Carmo Carneiro mostrou que o "camarão mandacaru", como está sendo batizado o novo produto do sertão em razão do cacto abundante no local, obteve uma produtividade de 2.200 quilos por hectare na primeira safra. A produtividade brasileira do setor é de 2.500 quilos por hectare.


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