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NORDESTE
Pequenos produtores do sertão da Paraíba usam sobra de água dessalinizada de poços na criação de espécie marinha
Sertanejos criam camarão no semi-árido
ARI CIPOLA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BARRA DE SANTA ROSA (PB)
Um projeto pioneiro de criação
de camarão marinho em pleno
sertão da Paraíba está se transformando em uma alternativa que,
de uma só vez, aponta soluções
para problemas ecológicos e socioeconômicos, além de cortar as
raízes do desperdício crônico de
recursos da chamada indústria da
seca nordestina.
O projeto, desenvolvido pelo
Sebrae (Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e pela UFPB (Universidade Federal da Paraíba), está funcionando de forma experimental
desde novembro na associação
integrada por 12 famílias de pequenos produtores rurais do povoado de Poleiros, a 12 km de Barra de Santa Rosa (PB), e será expandido para outras 50 cidades.
O pulo-do-gato está na utilização de sobra de água dessalinizada de poços na região. Normalmente, essa água consistiria um
problema a mais, por tornar o solo infértil; no projeto, ela é a solução. Com um tanque de 1.200 m3,
é possível produzir 360 quilos de
camarão, o que está gerando um
lucro mensal de R$ 600.
No semi-árido brasileiro, a renda familiar média é inferior a R$
180 e, para a maioria das famílias
que podem ser beneficiadas, não
passa da metade disso.
Depois de colher 260 quilos de
camarão com até 15 cm de comprimento e vender a produção
por R$ 12 o quilo, o sertanejo e
presidente da associação, Cícero
Procópio da Silva, 55, que já havia
decidido mudar-se para São Paulo para ficar perto de 8 dos seus 14
filhos, mudou de idéia.
"Decidi ficar mais um pouco,
para ver se o camarão nos dá renda, pois, se tiver garantia de que
terei almoço e jantar, não troco o
sertão por nada", afirmou Silva.
"Em São Paulo tenho emprego
certo, mas aqui vivemos mais a vida. Para dar certo, dependemos
apenas de financiamento."
O problema é o investimento
inicial, que dependeria de créditos semelhantes aos dados a agricultores familiares. A montagem
de um tanque como o de Barra de
Santa Rosa custa cerca de R$
3.000. No estágio experimental, o
faturamento chega a R$ 4.300, os
custos da ""safra" (alimentação
etc.) ficam em R$ 900, a mão-de-obra sai por R$ 600 e os custos técnicos, cerca de R$ 1.000. Nos 90 a
97 dias de ciclo do camarão, o lucro fica em R$ 1.800.
O Sebrae quer levar o projeto-piloto para mais 50 municípios,
principalmente no chamado sertão do Cariri, a região que menos
chove no Brasil, e para Piranhas
(AL), onde foi edificada a hidrelétrica de Xingó -e onde há uma
grande massa de desempregados
após a conclusão da parte bruta
da obra, em 96.
"A intenção é fazer de um grande problema uma solução nobre.
As pesquisas estão indicando que
o camarão é uma fonte de geração
de riqueza, emprego e renda. Por
isso estamos planejando criar
uma rede de pequenos criadores
que faça compras e vendas coletivas, inclusive pensando no mercado externo", diz o diretor-presidente do Sebrae, Sérgio Moreira.
A água do mar é três vezes mais
salobra que a água usada, que ainda assim é suficiente para criar o
camarão do Pacífico -Penaeus
vannamei- e alguns peixes.
Os dessalinizadores foram introduzidos no sertão como uma
solução para qualidade de água
ingerida pela população, já que a
quase totalidade dos 27.164 poços
perfurados pelo governo desde
1909 na região são salgados. Mas
acabaram se transformando em
um problema ecológico, por purificar apenas 50% da água que
passa por ele.
No Ceará e no Rio Grande do
Norte, investidores privados já
estão instalando criadouros no
sertão com recursos próprios e
aproveitando apenas a água salobra dos poços.
A criação de camarão em cativeiro tem sido um dos negócios
que mais crescem no Nordeste,
mas sempre na área litorânea. Só
no ano passado foram exportados R$ 150 milhões à Europa e
31.250 pessoas estavam empregadas no setor, segundo dados da
ABCC (Associação Brasileira dos
Criadores de Camarão) e do Ministério da Indústria e Comércio.
O trabalho coordenado pela
pesquisadora da UFPB Maria do
Carmo Carneiro mostrou que o
"camarão mandacaru", como está sendo batizado o novo produto
do sertão em razão do cacto
abundante no local, obteve uma
produtividade de 2.200 quilos por
hectare na primeira safra. A produtividade brasileira do setor é de
2.500 quilos por hectare.
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