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São Paulo, terça-feira, 18 de março de 2003

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JANIO DE FREITAS

O que falta

Sobram explicações. Mas falta uma. Aquela que não pode ser dada.
Segundo Luiz Inácio Lula da Silva, falta paciência aos que já se puseram como críticos de algum aspecto do seu governo, senão do governo como todo.
Na visão trazida pela CUT há pouco, mas depressa adotada por vários, falta ao governo um projeto amplo.
Na mesma linha, d. Mauro Morelli, bispo de Duque de Caxias e integrante destacado do Conselho Nacional de Segurança Alimentar, estende ao governo o diagnóstico que faz para o Fome Zero: a um e ao outro falta planejamento.
O senador Pedro Simon conclui que falta operacionalidade ao governo, do que é exemplo o Fome Zero, porque falta racionalidade nos tantos ministérios e secretários criados para tratar de assuntos correlatos e, muitas vezes, os mesmos.
José Genoino diz, agora, que falta experiência ao PT, negando a frequente afirmação da campanha de Lula sobre a comprovação da experiência petista, encontrável nas suas administrações estaduais e municipais.
Com diferentes intensidades, todas as faltas citadas estão, de fato, comprometendo o governo. Mas o que explica a situação do governo, e não pode ser dito por Lula nem por outro envolvido na questão, está acima dos problemas de desempenho ali ou acolá.
Lula e a cúpula petista tinham propostas muito definidas e seguras de ação de governo. Para viabilizar sua eleição, porém, a estratégia de Lula adotou como uma das principais premissas, ou mesmo a principal, o convencimento dos conservadores, internos e externos, de que não teriam o que temer de uma presidência petista. "Vamos cumprir todos os contratos" é uma frase que pode simbolizar muito bem aquela premissa fundamental da campanha, com o efeito conhecido.
A estratégia foi tão adequada para a disputa eleitoral quanto inadequada para o exercício de governar em conformidade com os outros propósitos expostos na campanha. O compromisso de sujeição absoluta a todos os contratos -óbvia referência aos setores financeiros interno e estrangeiro, privado e oficial- criou, desde logo, condicionamentos rígidos para a política econômica. A estratégia, por si só, já estabelecia inúmeras amarras.
Suas consequências foram agravadas, no entanto. Por mais que a mídia se dedicasse a disfarçar a situação econômico-financeira a que o Brasil chegou, ao final dos oito anos do governo passado, todos os medianamente informados sabiam que o país estava literalmente quebrado. Era o paraíso dos especuladores de casa e de fora, mas o FMI de repente se viu na contingência de correr com um socorro de US$ 31,5 bilhões, com a entrega urgente de US$ 4 bilhões, para evitar que o estouro do Brasil desmoralizasse definitivamente a política econômica imposta pelo Fundo ao mundo não-desenvolvido.
O restante do socorro ficou submetido a um programa de liberações parciais, sujeitas à verificação, pelo Fundo, da obediência governamental às suas políticas. O presidente eleito foi posto diante de uma situação cujos termos são muito simples: o Brasil precisa das novas doses do socorro, mas só as terá se preservadas as condições determinadas no acordo feito pelo governo passado com o FMI. Chantagem?
Lula e a cúpula petistas tinham propostas definidas e seguras, que todo o eleitorado conheceu. Estão aplicando, porém, propostas que não são suas, não se compatibilizam com suas idéias. E não conseguem, porque não poderiam mesmo, dar início ao que se propunham por meios que a isso se opõem.
Críticos são os convictos de que há alternativas lúcidas e sensatas.


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