São Paulo, Domingo, 18 de Abril de 1999
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SISTEMA FINANCEIRO
Presidente fala em "volta do arbítrio", mas não contesta legalidade da operação realizada pela PF

FHC critica "invasão" da casa de Lopes

CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Lisboa

O presidente Fernando Henrique Cardoso cobrou ontem da opinião pública que "repudie a volta do arbítrio no Brasil", ao se referir ao que o governo chama de "invasão" da casa do ex-presidente do Banco Central, Francisco Lopes.
A "invasão" foi feita anteontem pela Polícia Federal, com base em requerimento do Ministério Público, para procurar documentos relativos às operações entre o BC e os bancos Marka e FonteCindam.
O presidente não contestou o aspecto legal da operação mas disse que "o arbítrio, às vezes, existe por parte daqueles que devem coibi-lo. Me parece que estamos em um desses casos".
FHC chegou a fazer uma comparação sinuosa entre a ação policial de sexta-feira e o regime militar do período 1964/1985:
"Lutei muito contra o regime militar, fui vítima dele. Acho que é preciso respeitar o estado de direito e acho grave que, no estado de direito, aqueles que são os detentores do poder legal para decisões dessa natureza não reflitam mais ao tomar decisões desse tipo, porque realmente não existe um motivo, pelo menos que tenha sido trazido ao conhecimento púbico, para esse tipo de ação".
Em seguida, engatou: "Como democrata que sou, respeito a lei, mas acho que quem tem o poder executivo máximo, como tenho, deve procurar contê-lo nos limites não só da lei, mas do bom senso. Não creio que tenha havido bom senso".
A catilinária contra a operação foi além, ao dizer que estava falando em termos de "defesa da democracia, dos direitos individuais, até dos direitos humanos". Considerou o episódio uma "exploração escandalosa" em torno de "um problema que pode ser real ou não. Nem isso se sabe. Não há nada que justifique o que aconteceu".
Mas FHC disse acreditar que as investigações sobre a ajuda aos bancos não se imporão permanentemente na agenda política: "Creio que passado esse momento que pode, evidentemente, inflamar certos corações e mentes, se voltará a uma situação de equilíbrio".
Tratou também de desvincular a operação na casa de Francisco Lopes dos trabalhos da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Bancos, ao lembrar que fora uma ação determinada pelo Ministério Público, e não pela CPI.
"Não tem nada a ver com a CPI", reforçou FHC, em entrevista coletiva concedida no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, ao lado do primeiro-ministro português António Guterres.

Constrangimento
Como as perguntas dos jornalistas brasileiros ficaram, quase todas, centradas no episódio, criou-se natural constrangimento para Guterres, que resolveu tomar a iniciativa de fazer elogios à economia brasileira e ao governo.
Mas era evidente o ambiente tenso na comitiva brasileira que está em Lisboa. O próprio presidente informou que falara pelo telefone com os ministros Pedro Malan (Fazenda) e Renan Calheiros (Justiça) para se manter informado.
Também o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, articulador político do governo, estava informado e igualmente constrangido. Tanto que considerou "um constrangimento desnecessário" a operação executada pela PF.
Pimenta da Veiga disse que "há uma competição de vários setores pelas luzes da CPI". Depois, especificou que setores: a própria Polícia Federal e o Ministério Público.

Pedreiro
Diante de um documento datado de 1571, FHC fez uma brincadeira ao tentar explicar o significado da palavra pedreiro no período. "Os pedreiros naquela época eram como os nossos empreiteiros de hoje, mas roubavam menos", disse ele, diante do primeiro-ministro português António Guterres.
FHC visitou na tarde de ontem a exposição "O Brasil na Torre do Tombo - Séculos 15 a 19". O prédio é a sede do mais importante arquivo da história portuguesa.


Colaborou Haroldo Ceravolo Sereza, enviado especial a Lisboa


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