São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004

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NO PLANALTO

Ex-PT dá de ombros para descalabro da Previdência

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O computador veio ao mundo para agilizar as coisas. Operou milagres no Ministério da Previdência Social. Ali, à medida que avança a informática, cometem-se fraudes cada vez maiores em intervalos de tempo cada vez menores.
Só em benefícios ativos, o banco de dados eletrônico da Previdência guarda 21 milhões de registros. O colosso foi varejado nos últimos meses por duas auditorias do Tribunal de Contas da União.
A primeira, concluída em 10 de dezembro de 2003, foi esmiuçada aqui há quatro meses. A segunda saiu do forno no último dia 23 de junho. Remeteram-se cópias dos relatórios para José Dirceu.
O chefão da Casa Civil não leu os escritos dos auditores. Tinha mais o que fazer. Assoberbava-o a preparação do discurso à Fidel -uma hora e 20 minutos- que faria na festa de um ano e meio de petismo. Pena ter-lhe faltado tempo. Privou-se de constatar que ainda não sopram na Previdência os bons ventos de que falou no pronunciamento.
Os arquivos plantados nos supercomputadores da Previdência têm a confiabilidade de um aparelho eletroeletrônico paraguaio. Continuam armazenando descalabros.
Contam-se aos milhares os mortos que recebem aposentadoria. Há também vivos, vivíssimos, beliscando mais de um benefício simultaneamente. Há filhos e mães mordendo pensões de pais e maridos cujos nomes a Previdência desconhece.
Há procuradores sacando aposentadorias na rede bancária com cartões magnéticos de titulares que já foram à cova. Há aposentadorias escoradas em certidões de nascimento inidôneas e em atestados médicos falsos. Há detentores de benefícios com nomes exóticos. Um deles se chama "*************". Outro atende pela alcunha de "02092001". Há o diabo.
Na última sexta-feira, José Dirceu discutiu com quatro colegas de ministério uma forma de pagar aposentadorias atrasadas que os velhinhos foram buscar na Justiça. Coisa de R$ 12,3 bilhões. Decidiu aumentar a contribuição previdenciária paga pelas empresas. Não se ouviu palavra sobre a conveniência de lacrar sumidouro das fraudes. Beleza.
Operam hoje na Previdência 18 forças-tarefa. Quase todas começaram a trabalhar na era tucana. Juntas, compõem a maior usina de investigação de fraudes em ação na gestão pública. Para cada malfeitoria detectada e anulada, outras tantas são inseridas nos computadores. Os investigadores enxugam gelo.
Reconheça-se, porque é de justiça, que o petismo não é responsável pelo flagelo. Mas anote-se, em homenagem à verdade, que a inação do ex-PT o torna sócio benemérito da desordem. Quantas vezes o leitor não ouviu falar de fraudes na Previdência? Tantas que o assunto talvez já nem lhe prenda a atenção. Pois passa despercebido também ao governo. O tema se perde em meio às banalidades do cotidiano.
Ainda recentemente Lula deu eloqüente demonstração do apreço que devota à causa. Tolerante com os maus costumes, levou o Ministério da Previdência à bacia das almas dos negócios políticos. Adaptado à tradição das alianças esdrúxulas, entregou a pasta ao PMDB.
Hoje como ontem, a politicagem prevalece sobre racionalidade. Um decreto de 1999 (número 3.000) tornou obrigatória a apresentação do CPF para a concessão de qualquer benefício da Previdência. A despeito disso, o INSS não promove a checagem das informações levadas aos seus arquivos eletrônico com os dados do cadastro de pessoas físicas da Receita Federal.
Pior: na inspeção do TCU, feita por amostragem, descobriu-se a existência de 1,6 milhão de fichas da Previdência que não contém o número de CPF do beneficiário da aposentadoria. Detectaram-se também 3 milhões de fichas que não anotam nem o nome do favorecido nem o de sua mãe. Um acinte.
Ouvido pelo repórter, o ministro Amir Lando (PMDB-RO) evita fugir do óbvio: "Nosso cadastro realmente está superado. É arcaico. Pessoas entram no sistema para criar benefícios fictícios. Também emitem certificados de liquidação de dívidas previdenciárias que permanecem em aberto".
Lando se diz disposto a agir. "É preciso dar o primeiro passo para corrigir tudo isso. É hora de mudar. Vamos cruzar os nossos dados com o cadastro de CPFs da Receita."
Antes de começar a conversar com os arquivos do fisco, os computadores da Previdência terão de falar consigo mesmos. Hoje, as máquinas do Sisobi (Sistema de Óbitos da Previdência) não dialogam com as do Sisbin (Sistema de Benefícios). Por isso há tantos mortos recebendo aposentadoria.
As malfeitorias pescadas pelo TCU atingem de 25% a 35% de todo o cadastro de "mortos" da Previdência. Só nesse universo, os auditores projetam um prejuízo potencial de R$ 16,3 milhões por ano.
Decidiu-se promover nova fiscalização. Será mais profunda que as duas primeiras. Torce-se para que o camarada Dirceu, gerente-geral do condomínio, encontre um naco de tempo para desperdiçar com o assunto.


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