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ELIO GASPARI
O urânio de Saddam é
de macumba
Qualquer pessoa pode dizer
qualquer coisa a respeito de
bombas atômicas. Terá crédito.
Exemplo: o projeto nuclear
ucraino-argentino, baseado no
reprocessamento alternado, pode levar à bomba em dois anos.
Pode, desde que se descubra
quando ucranianos e argentinos se entenderam (nunca) e o
que vem a ser reprocessamento
alternado (nada). É por isso que
há um forte cheiro de macumba
contra o governo brasileiro na
intriga internacional que acompanha a bomba iraquiana. Veja-se a seguinte notícia publicada no domingo pelo "Times", de
Londres:
"De acordo com um cientista
nuclear dissidente, o Iraque pode produzir armas nucleares em
questão de meses, usando equipamento alemão pirateado e
urânio contrabandeado do Brasil".
O cientista iraquiano chama-se Khidhir Hamza. Tem 63
anos, dirigiu o programa clandestino de construção da bomba
de Saddam Hussein e fugiu do
país em 1994.
Segundo Hamza, em poucos
meses Saddam Hussein pode fazer até três bombas . Ele já teria
o urânio e, valendo-se de uma
tecnologia de centrifugação, "a
menos que seja parado logo,
montará uma completa indústria de artefato nucleares".
Sabe-se lá o que Saddam tem,
mas uma coisa é certa: o doutor
Hamza meteu o urânio brasileiro na conversa sabendo que o
governo de Pindorama vendeu
ao Iraque, no máximo, algumas
dezenas de toneladas de pasta
("yellow cake") durante o governo do general Figueiredo
(1979-1985). Foi uma operação
conduzida pelo falecido Serviço
Nacional de Informações.
(A comandita política havida
entre alguns generais e empresários da ditadura militar com o
governo de Saddam Hussein é
um clássico da leviandade e da
megalomania a serviço da picaretagem. Talvez tenha sido
aquilo que Lula chama de "visão estratégica", mas isso é outra conversa.)
Hamza forçou a mão quando
falou em urânio contrabandeado do Brasil. Primeiro, porque
ele vinha também da Nigéria,
da Itália e de Portugal. Segundo, porque esse pedaço da história do programa que dirigia teve importância tão secundária
que nem sequer foi mencionado
em seu livro, publicado em 2000.
("Saddam's Bombmaker", ou O
fabricante da bomba de Saddam).
A história da tecnologia de
centrifugação é empulhação.
Ela é velha como a Sé de Braga e
o Iraque a usa desde 1981, quando os israelenses destruíram o
reator francês de Ozirac (também conhecido como O'Chirac,
em homenagem ao primeiro-ministro que o vendeu.) Essa informação que Hamza parece estar oferecendo como nova, além
de irrelevante, está na página
130 de seu livro.
O cientista iraquiano trabalhou durante quase 20 anos no
projeto da bomba de Saddam e
nunca a teve a um par de anos
de vista. Saiu do país em 1994,
quando o Ocidente já não tinha
a política de "venda, não pergunte" em relação ao Iraque.
Com menos informações e com
Saddam submetido a um bloqueio, ele acha que a bomba é
questão de meses. Pode achar o
que bem entender, o que soa esquisito é que fale em contrabando de urânio brasileiro, quando
yellow cake é outra coisa. Algo
como uma pessoa que tem uma
chapa de aço e diz que comprou
um carro. Mais esquisito é que
fale em contrabando brasileiro
sem esclarecer que ele ocorreu
durante a ditadura militar, e
não hoje.
De qualquer maneira, convém
polir a qualificação profissional
de Hamza. Tendo sido chefe do
programa nuclear iraquiano,
quando publicou seu livro nos
Estados Unidos, qualificou-se
na orelha como consultor do
Departamento de Energia do
governo americano. O "Times"
apresentou-o sem essa qualificação.
Não é a primeira vez que
Hamza aparece no "Times". A
primeira foi em abril de 1995.
Informava que ele desaparecera
na Grécia, depois de ter transmitido, por fax, mais de 50 documentos secretos ao jornal. Citava sua mulher, temendo que
os iraquianos o matassem, e informava que ela também sumira.
Hamza não estava na Grécia,
nunca mandara fax ao "Times"
e sua mulher continuava em
Bagdá, de onde ele já se escafedera. Quando ele viu a notícia,
esfriou: "A pergunta era: por
quê? Quem plantou essa história? Para quê?".
Um exilado iraquiano encontrou-o em Budapeste e disse-lhe:
"Dr. Hamza, os americanos
querem conversar com o senhor".
O cientista fechou o círculo:
"Agora eu sabia quem tinha
plantado aquela história". (Os
americanos, que haviam perdido seu rastro, queriam restabelecer o contato.)
Em tempo: o "Times" nunca
informou aos seus leitores que
os faxes recebidos do suposto
Hamza eram falsos, apesar de
ter recebido essa informação da
Agência Internacional de Energia Atômica.
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