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São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 2003

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Juiz absolveu doleiro que elogia em gravações


RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O doleiro uruguaio Najun Turner, elogiado pelo juiz federal da 4ª Vara Criminal de São Paulo, João Carlos da Rocha Mattos, em gravação telefônica apreendida pela Operação Anaconda, foi absolvido pelo mesmo juiz, há três anos, em processo que o acusava de crime contra o sistema financeiro. Um bilhete e declarações da ex-mulher do juiz Norma Regina Emílio Cunha também indicam que Turner convidou um filho de Mattos para passeio.
Uma cópia da sentença de Rocha Mattos que beneficiou Turner, datada de maio de 2000, foi encontrada pela Polícia Federal no escritório do empresário Wagner Rocha, no centro de São Paulo. O juiz e Rocha estão presos na Polícia Federal sob acusação de integrar uma quadrilha com ramificação na Justiça federal.
No processo que tramitou sob responsabilidade de Rocha Mattos, Turner é acusado de realizar "inúmeras operações" irregulares nos mercados financeiro e de capitais entre julho de 1982 e janeiro de 1989, segundo a denúncia oferecida por três procuradores da República em 1996.
O doleiro ganhou notoriedade ao participar de uma tentativa de salvar o mandato do ex-presidente Fernando Collor de Mello, ameaçado de impeachment em 1992, a Operação Uruguai.
Os elogios a Turner feitos pelo juiz aparecem numa conversa telefônica gravada pela ex-mulher de Rocha Mattos. "Eu acho que ele é uma boa pessoa e que merece confiança", disse o juiz, ao ser perguntado por Norma se podia confiar no doleiro, que vinha se oferecendo para levar o filho do casal para ver um jogo de basquete e ter aulas de esgrima com uma filha dele no Clube Paulistano.
Na mesma conversa, Rocha Mattos faz uma referência truncada sobre Turner: "Ele é uma boa pessoa. Eu acho que ele já provou, até pelas coisas que ele assumiu que ele não fez. Você sabe, né, não precisa entrar em detalhes".
Em outro trecho da conversa, o magistrado comenta sobre uma "ajuda" específica do doleiro: "Ele tentou ajudar, indicou aquele médico lá. Eu acho que ele é uma boa pessoa, sim".
O juiz ainda fez um comentário em código: "Você sabe que não existe mais, não funciona, aquela, aquela movimentação... Então não existe mais nada, entendeu?".
Um bilhete, encontrado também na casa de Norma pela Polícia Federal e assinado por "Najun", confirma que houve convite para um passeio com um filho de 13 anos do casal.
No processo em que foi absolvido por Rocha Mattos, Turner fora acusado de infringir três artigos da lei que regula o sistema financeiro. Para inocentá-lo, o juiz acolheu um argumento da defesa, o de que o uruguaio era "operador autônomo" no mercado financeiro e, assim, "não pode ser equiparado a instituição financeira".
Segundo Rocha Mattos, "não tendo atuado como instituição financeira, mas sim como agente autônomo de investimentos, não era o acusado obrigado a manter a escrituração e contabilização da movimentação de recursos financeiros ou valores exigida pela legislação de uma instituição financeira propriamente dita".
O juiz chegou a sugerir o possível crime que Turner teria cometido, o de sonegação fiscal, mas concluiu: "Esta imputação também não consta da denúncia".
Ao analisar o processo, Rocha Mattos escreveu que Turner, pelas certidões e documentos reunidos pelo Ministério Público em sete páginas, "com vários registros de inquéritos e de algumas ações penais", era possuidor de "maus antecedentes". Isso não impediu o magistrado de frisar, na sentença, que os documentos "atestam ser o réu primário".
Turner também foi condenado, em 2000, a três anos de prisão sob acusação de contrabando de ouro. A pena prescreveu e ele não chegou a ser preso.
Entre os documentos achados no escritório de Wagner Rocha também aparece um processo judicial que tramitou na mesma 4ª Vara Criminal Federal no qual é réu outro doleiro ligado a Rocha Mattos, Sandor Paes de Figueiredo, dono da casa de cambio paulistana Suntur.
Figueiredo tinha estreito relacionamento com o casal Rocha Mattos, a ponto de ser convocado como testemunha de Norma Cunha numa medida judicial que acompanha o processo de divórcio do casal. Norma queria, com o depoimento do doleiro e de mais duas pessoas -entre as quais o agente da Polícia Federal César Herman Rodriguez, também preso pela Operação Anaconda-, comprovar o relacionamento conjugal com o juiz.
Testemunhas nesse tipo de processo normalmente frequentam a intimidade do casal.
Procurados pela Folha desde a semana passada, Turner e Figueiredo não foram localizados.


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