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JANIO DE FREITAS
O bolso e a vida
A primeira abordagem reformista do governo de Luiz
Inácio Lula da Silva mexe com o
bolso e a vida da maioria da população -assalariados, aposentados, pensionistas e funcionalismo-, razão bastante para fazê-la problemática. Mas direitos adquiridos, expectativa de direitos,
privilégios e restrições constitucionais são motivos apenas aparentes para a discussão que inicia
o governo Lula, como o foram para que o governo Fernando Henrique abandonasse o propósito
de reforma da Previdência.
Perdeu-se no Brasil a noção de
serviço público e se esvaziou a noção de Estado, cujas finalidades
ainda aceitas aparecem misturadas com a idéia de governo. A
corrosão do conceito de serviço
público é um fruto plantado já no
primeiro governo militar, na represália aos servidores que, eles e
não o serviço público, foram parte relevante na fermentação anterior ao golpe.
Desde então, a imprensa dissemina hostilidade ao servidor e,
no rescaldo, desprezo ao serviço
público em si. Servidor passou a
ser, por definição, privilegiado,
marajá, vadio, não importando a
proporção entre vencimentos e
área de atuação, responsabilidades, capacitação exigida ou lá o
que seja. As aberrações são usadas como generalizações, e pronto. (Uma curiosidade para o leitor desavisado: em jornais e TVs
de São Paulo e Rio, a grande
maioria dos jornalistas nos níveis
que produzem essas induções na
opinião pública têm salário superior ao vencimento de qualquer
cargo público, e benefícios que,
entre os servidores, seriam próprios dos marajás de fato).
Todos podem abrir mão de direitos, e todos já o fizemos de algum modo, o que leva à probabilidade de que o façamos de novo.
Mas depende dos direitos em
questão e do que será feito deles
ou com eles. A respeito da Previdência, seja a dos funcionários ou
a dos assalariados, nem ao menos se sabe com absoluta segurança qual é sua verdadeira situação. Como, então, seria possível estabelecer o que precisa ser
aplicado a salários, vencimentos,
aposentadorias e pensões para
sanar a Previdência?
O primeiro passo sério só pode
ser o levantamento convincente,
inquestionável mesmo, da situação. Só a partir daí será possível
formular projetos menos movidos
por teses de moda, e buscar menos injustiça entre as diferentes
fontes de contribuição, como em
relação aos seus respectivos, vá lá
que sejam, benefícios.
Mas uma reforma séria da Previdência não se fará sem alguma
noção do que é serviço público e
do Estado e seu papel. A iniciativa privada não faz um país, no
sentido de vida social e econômica organizada. Só o serviço público pode fazê-lo. Os estudos sobre
a recuperação da Europa, da devastação de pós-guerra ao bem-estar de hoje, sem igual no mundo, demonstram que o êxito não
se explica pelo Plano Marshall,
mas pelo papel decisivo do serviço
público e pela função atribuída
ao Estado naqueles novos ou restaurados regimes democráticos.
Nos países adiantados compreende-se que a Previdência pública não se autofinancia. Seus
déficits são de responsabilidade
do Estado, cujo poder de arrecadação destina-se a prover os fatores todos de bem-estar social.
Sejam a segurança, o transporte, o urbanismo, a aposentadoria,
a assistência médica.
Por isso, em alguns países onde
o déficit da Previdência alcançou
dimensão perturbador, por
exemplo Espanha e Itália, foi tratado com uso dos amplos meios
de arrecadação do Estado. Nos
dois países citados, aliás, a Previdência constitui o maior gasto relativo no Orçamento, sem falarmos em Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia e outros paraísos feitos pela compreensão dos
impostos, sobretudo o de renda,
como fatores de justiça social. Ou
seja, também previdenciária para civis e militares, funcionários e
assalariados, desempregados e
aposentados.
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