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Sociólogo vê neogetulismo em presidente
UIRÁ MACHADO
DA REDAÇÃO
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva preserva traços negativos do
getulismo e desmonta traços positivos. Torna-se, assim, expressão daquilo que, como líder sindical, condenava há 30 anos.
A avaliação é de Ricardo Antunes, 52, professor titular de sociologia do trabalho da Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas). Leia a seguir trechos da
entrevista dada à Folha por Antunes, autor de "O Novo Sindicalismo no Brasil", entre outros livros.
Folha - Como era o sindicalismo
há 30 anos?
Ricardo Antunes - Nesse período
entre 75 e 78, que marca a retomada de um novo sindicalismo brasileiro após o golpe de 64, era um
sindicalismo "apolítico". A luta
econômica era muito forte. Havia
uma aversão à política. A classe
trabalhadora queria voltar a ser
considerada no quadro nacional
e, depois, falar por si. Lula recusava os políticos que falavam em
nome da classe trabalhadora mas
que não a representavam.
Folha - Essa fase "apolítica" dura
quanto tempo?
Antunes - Começa a se alterar a
partir dos anos 79 e 80, quando há
grandes greves. Era claro, depois
das greves do ABC, que era preciso um sindicalismo independente
do Estado e que se definisse politicamente em oposição à ditadura.
Era uma reivindicação muito
forte da CUT a independência política clara e cabal em relação ao
Estado. Nos anos 80, há uma recusa forte à idéia do sindicalismo
atrelado ao Estado porque se sabia que era uma das principais
mazelas do sindicalismo brasileiro. É uma ironia da história. A reforma sindical do governo Lula
mantém um traço estadista que é
continuidade do getulismo.
Folha - E o sindicalismo hoje?
Antunes - Ele adquiriu traços
novos, que podem ser vistos na
configuração da CUT. Ela abandonou o vínculo que tinha com as
lutas sociais e hoje é muito mais
negocial e distante da base. A simbiose entre CUT e governo Lula é
intensa, um tipo de neogetulismo.
Folha - Como agiu o Lula nessa
mudança?
Antunes - Lula passou por um
monumental processo de regressão social, política e ideológica.
Lula foi nosso líder sindical mais
importante no século 20. Nunca
houve um líder sindical com a
densidade social dele. Essa densidade, desnecessário dizer, ficou
nos anos 80. A densidade dele hoje é de outro tipo. Tornou-se um
político profissional, líder de uma
máquina partidária que pratica o
poder de modo igual aos partidos
que criticou. Hoje valem a política
tradicional e muito pouco os interesses dos trabalhadores.
Folha - Lula pode ser alvo das críticas que ele fazia 30 anos atrás?
Antunes - Certamente. Ele foi
tragado por aquilo que ele, como
ninguém, denunciou nos anos 70.
Hoje ele é a expressão daquilo que
condenava há 30 anos.
Folha - Quais são as perspectivas
para o sindicalismo?
Antunes - Um desafio fundamental é representar a totalidade
da classe trabalhadora, que é estável e instável, qualificada e não-qualificada. O quadro atual nos
coloca um desafio: não basta um
sindicalismo herdeiro do peleguismo e não basta o sindicalismo
negocial. A terceira alternativa é
um sindicalismo que faça a reivindicação econômica articulada
com uma atuação sociopolítica.
Folha - Por qual caminho o sindicalismo vai seguir?
Antunes - Se a reforma sindical
proposta pelo governo for aprovada, o que penso que seria negativo, teremos uma cupulização
forte e vai fortalecer especialmente a segunda tendência. Se não for
aprovada, fortalecerá a retomada
do sindicalismo de base.
Folha - Ou seja, o governo Lula
não contribui...
Antunes - Ao contrário. A legislação social no Brasil foi criada
por Getúlio, um estancieiro que,
sob pressão dos trabalhadores, foi
forçado a criar uma legislação social protetora do trabalho. Falo da
legislação trabalhista -que é positiva-, não da sindical. Agora
cabe a um artífice metalúrgico,
sob pressão dos capitais, destruir
a legislação do trabalho criada por
Getúlio e, desse modo, reestruturar a dimensão sindical no Brasil
ao contrário das bandeiras que os
sindicatos lutavam na segunda
metade dos anos 70 e 80.
Folha - Essas mudanças são positivas ou negativas?
Antunes - Negativas. Os traços
negativos ele preserva, e os traços
positivos do getulismo, que eram
decorrentes das lutas sociais, esses traços da legislação social do
trabalho, pela qual os trabalhadores lutavam desde o século 19, esse
traço o Lula está desmontando.
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