São Paulo, domingo, 19 de abril de 1998

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PODER E VIOLÊNCIA
Cabo Camata tem sofrido cerco da polícia
"Prefeito-xerife" é suspeito em mortes

XICO SÁ
enviado especial a Cariacica (ES)

Na dupla missão de prefeito e "xerife" da maior cidade do Espírito Santo, Cariacica, na Grande Vitória, Dejair Cabo Camata (PFL), 40, sofre um cerco da cúpula da Polícia Civil do Estado.
Há oito dias, foi preso por conduzir armas contrabandeadas do Paraguai e agora é posto sob a suspeita de ter apoiado grupos de extermínio que seriam responsáveis, segundo a Secretaria de Segurança Pública capixaba, pelo menos por 200 mortes na região.
O Cabo Camata, ex-policial militar, conhecido por expulsar pessoalmente "bandidos" da sua cidade, foi solto, após uma noite na prisão, devido a um habeas-corpus do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

Emboscada
"Caí em uma emboscada política", disse o prefeito à Folha, na noite de quinta-feira, em seu gabinete. "Um flagrante preparado, que não vale nada perante a lei".
Na tarde de quarta-feira, Camata fez um pronunciamento na tribuna da Assembléia Legislativa do Estado, onde tem o apoio da direção da Casa, com ataques ao governador Vitor Buaiz (PV), a quem culpa pela prisão.
"O caso é um assunto de polícia e não de política", contra-atacou Buaiz, ex-petista que disputou e venceu Camata na eleição de 1994.

Exame de balística
As armas encontradas em poder do Cabo Camata e com dois dos seus seguranças serão submetidas, ainda esta semana, a uma perícia da Polícia Federal, em Brasília.
Por meio de um exame de balística, a Secretaria de Segurança do Espírito Santo quer saber se as armas foram utilizadas nos crimes ligados aos grupos de extermínio da Grande Vitória.
Segundo o chefe da Polícia Civil, Carlos Lucchi, há, entre o material apreendido, uma escopeta calibre 12 com uma particularidade: o seu número de série estava raspado, impossibilitando que se saiba o dono, procedência e se já foi utilizada em crimes.
Além da escopeta, o prefeito e os seus dois seguranças foram presos com três pistolas calibre 40 (de uso limitado às Forças Armadas e de venda proibida no Brasil) e um revólver calibre 38.

Grupo de elite
O Cabo Camata mantinha, até a semana passada, um grupo, chamado de "elite" ou "inteligência", composto por 22 homens.
A maioria desses seguranças era ex-colega do prefeito na Polícia Militar, corporação a qual pertenceu entre 1976 e 1987.
Ele suspendeu as atividades do grupo depois da prisão. "O governador agora que cuide da segurança da cidade", disse. "Depois disso, o índice de criminalidade em Cariacica já voltou a crescer."
O grupo dos 22 estava ligado diretamente ao gabinete do prefeito, a quem cabia dar a "palavra final" sobre as suas atividades.
Segundo o Cabo Camata, o grupo não se tratava de esquadrão da morte, como suspeitavam setores da cúpula da Secretaria da Segurança Pública. A equipe era responsável, segundo ele, por alertar os "bandidos" a "cair fora" do seu território.
Os que não deixam a cidade, pagam caro, relata o próprio "xerife": "Sempre disse que, entre um trabalhador e um marginal, sempre ficaria com o trabalhador, não importariam as consequências".
Na tarde da última quinta-feira, a reportagem viu de perto o que essas palavras significam.
O Cabo Camata, solicitado por moradores do município, agiu com rapidez.
Telefonou para policiais militares conhecidos e ordenou que fossem resolver o problema. Cedeu dois carros da Prefeitura de Cariacica para o serviço. Os veículos foram guiados por seguranças do prefeito.
"E que não morra nenhum policial", disse. Duas horas depois, o próprio Cabo Camata narrava o resultado: "Foram ao esconderijo dos bandidos, prenderam dois e mataram um. Por mim, matariam os três".



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