São Paulo, domingo, 19 de abril de 1998

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PODER E VIOLÊNCIA
Quem é considerado assaltante ou assassino por "prefeito-xerife' corre risco de vida se ficar na cidade
Prefeitura dá passagem a "bandidos"

do enviado especial

A Prefeitura de Cariacica (ES) emite uma espécie de "passaporte do crime". É um serviço criado pelo prefeito Dejacir Cabo Camata que fornece passagem grátis para que "bandidos" deixem imediatamente a cidade.
A Folha conheceu de perto o funcionamento dessa atividade. Quem é considerado bandido e fica no território do "prefeito-xerife" pode pagar com a própria vida. "Mas isso não é grupo de extermínio", diz Camata.
Para o ex-cabo da Polícia Militar, trata-se de um esforço para levar a paz, a todo custo, à população da cidade.
Camata costuma conversar com líderes de grupos de assaltantes e assassinos, com quem se reuniu oficialmente várias vezes entre os meses de janeiro e março do ano passado. Para dizer o que pensa e falar sobre o risco que correm ao desobedecerem às ordens.

Alvo
Antes da agenda oficial do prefeito, no entanto, as pessoas consideradas perigosas na cidade passam por outro crivo. São alvo de investigação e "alertas" do grupo armado e de confiança do prefeito.
Formado por 22 homens, quase todos com origem na Polícia Militar, como o "prefeito-xerife", esse grupo é responsável pelo chamado "passaporte do crime".
Somente o prefeito conhece os 22. Ninguém mais. Os seus nomes são mantidos sob sigilo.
"Eles pesquisam, investigam, sabem a vida "todinha' de um sujeito. Chegam lá e dizem: olha, você tem tantas horas para deixar Cariacica, nós damos a passagem, mas você não volta nunca mais", conta o Cabo Camata.
O prefeito diz que perdeu a conta do número de passagens fornecidas, embora reconheça que a maioria vai se instalar em cidades vizinhas, como Vila Velha e Vitória. "Lá, eles têm moleza. Quando eu for governador, a lei vai valer para todo o Estado", diz.

Limpeza
As pessoas vão embora, na avaliação do prefeito, por uma questão simples: "Como policial, sempre fiz limpeza por onde passei".
O "passaporte do crime", segundo Camata, é uma das principais causas da queda da criminalidade de Cariacica, onde o pavor aumenta conforme cai a noite.
Quando o ex-cabo da Polícia Militar assumiu o cargo, em 97, o município liderava as estatísticas de criminalidade.
O último levantamento, feito no final de 97 pela Secretaria de Segurança Pública, aponta Cariacica em quarto lugar entre as cidades mais violentas, ultrapassada por Vila Velha, Vitória e Serra.
O que é contado como vantagem pelo Cabo Camata, é visto com a maior desconfiança pelos próprios dirigentes da secretaria, fonte das estatísticas oficiais.
Na cúpula da Polícia Civil do Estado, a interpretação dos números é a seguinte: pessoas ligadas ao Cabo Camata estariam "desovando os cadáveres" nos municípios vizinhos. Pessoas seriam localizadas em Cariacica e eliminadas em Vitória e Vila Velha, por exemplo.
"Isso é desespero dos adversários políticos", diz Camata. "Enquanto o governador deixa fugir dos presídios, eu não dou moleza na minha área". (XICO SÁ)



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