São Paulo, domingo, 19 de abril de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

Fax decisivo
Foi uma carta do ministro Sérgio Motta a FFHH que garantiu ao presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, o comando da privatização das teles.
Quando Motta mandou a recomendação, por fax, já estava internado no hospital Albert Einstein.
A estrela de Mendonça de Barros voltou a brilhar quando estava correndo o risco de se apagar. Tinha a cabeça a prêmio por suas virtudes, não por seus defeitos.

Reservas mentais
Azedaram de novo as relações entre o Banco Central e o Tribunal de Contas da União. O TCU quer saber o nome das corretoras e bancos que movimentam as reservas internacionais brasileiras, bem como as comissões que cobram e os juros que pagam.
O BC não mostra qualquer boa vontade para entregar esses números, solicitados por iniciativa do senador Roberto Requião.
Faz muito bem. As reservas são um segredo de Estado e todas as vezes que esse tipo de material foi entregue ao Congresso a Viúva acabou levando a pior.

Destino do dinheiro
No ano passado o governo pagou R$ 11,5 bilhões em juros aos maganos que lhe emprestaram dinheiro às taxas estratosféricas que paga.
Essa quantia ficou muito próxima do ervanário pago pelas pessoas físicas do Imposto de Renda (R$ 12 bilhões).
É uma boa lembrança para quem, ao preencher a sua declaração, sonha com o dia em que seu dinheiro será usado para construir escolas e hospitais.

Imposto na veia
O Cerimonial do Itamaraty pede às pessoas convidadas para alguns eventos aos quais FFHH comparece que forneçam, por motivos de segurança, seu tipo sanguíneo.
Pelo menos um contribuinte se recusou a responder. Temeu que, numa emergência, além de lhe tungarem a renda, o movimento dos cheques e o valor das propriedades, quisessem tirar-lhe também o sangue.

Maluf na rede
O ex-governador Paulo Maluf voltou ao Brasil com o pé esquerdo. Tomou vermelho na Alfândega, teve a bagagem revistada e foi autuado em algo como R$ 1.000.
Não é muita coisa. Isso significa que trazia mercadorias tributáveis num valor que deve estar em torno de US$ 3.000.
O candidato ao governo de São Paulo tem pouca sorte com as luzinhas da Alfândega, pois essa não foi a sua primeira autuação.

A trindade do Planalto

Concluiu-se o processo de contração do Palácio do Planalto e disso resulta que, no governo FFHH, são três as pessoas mais influentes junto ao professor Fernando Henrique Cardoso. Chamam-se Clóvis Carvalho (chefe do Gabinete Civil), Eduardo Jorge Caldas (ex-secretário-geral da Presidência, atual secretário-geral da campanha presidencial) e Sérgio Amaral (porta-voz do Planalto). Juntos, os três valem mais que todo o ministério.
Todos os palácios passam por períodos de contração e é até possível que exista uma lei segundo a qual o círculo de pessoas próximas a um presidente é inversamente proporcional ao tamanho da sua confiança no gênero humano. Collor, por exemplo, só teve duas pessoas verdadeiramente próximas: o embaixador Marcos Coimbra, da Casa Civil, e o empresário PC Farias, da casa do cofre. Getúlio Vargas teve nenhuma. Juscelino Kubitschek distribuía proximidade. Um de seus prazeres era dar o número do telefone de sua cabeceira às pessoas com quem simpatizava.
As pessoas próximas têm quase sempre as mesmas características. Nunca disputaram uma eleição e jamais defenderam suas opiniões em público. (Em alguns casos, por não tê-las.) De uma maneira geral, brilham como os fogos do Ano Novo e quando a festa acaba são esquecidos. Quem se lembra de Mauro Durante e Henrique Hargreaves, pessoas próximas de Itamar Franco? Mandavam muito mais que FHC.
Hoje não há decisão do governo de FFHH que deixe de passar pela alavanca ou pela foice de um de seus três principais assessores. Clóvis Carvalho predomina na área administrativa. Vincula-se aos recursos do Orçamento. Eduardo Jorge prevalece no conhecimento das almas e de suas necessidades. Vinculou-se às arcas dos fundos de pensão e agora está vinculado ao suprimento da campanha. Sérgio Amaral gerencia o spa-FFHH, onde se cuida de sua silhueta política. Centraliza as verbas de publicidade e pesquisas políticas.
Não se pode dizer se a influência de cada um deles é benigna ou maléfica, até porque essa influência, por reflexa, não lhes pertence. Ela é sempre um atributo do monarca que a absorve. Pode-se suspeitar, contudo, que a contração seja uma anomalia em si mesma.
A contração não beneficia quem ascende, mas quem fica. Não é um processo competitivo ao fim do qual prevalece o melhor, mas uma seleção orientada por uma soma de critérios de conforto. Certas pessoas fazem bem determinadas coisas que os governantes não gostam de fazer. Clóvis Carvalho, por exemplo, diz a alguns ministros coisas que FFHH não gosta nem de ouvir. Em compensação, às vezes ouve coisas que FFHH nem imagina.
Eduardo Jorge gerencia um banco de dados que pode ser responsabilizado, em última instância, por qualquer barganha que não tenha autor conhecido. Como não deixa rastro nas que patrocina, acaba parecendo lógico que seu dedo esteja em todos os bolos. Ninguém acreditaria que ele impôs ao Itamaraty uma tabela maluca de diárias que achou na Internet, mas até hoje o ministro Luiz Felipe Lampreia não conseguiu revogá-la.
O embaixador Sérgio Amaral, visto na televisão, parece a primeira versão humana de uma caixa de recados telefônicos. Visto em ação, conseguiu a prodigiosa concentração de todas as verbas de publicidade do governo, coisa tentada sem sucesso por todos os ocupantes do Planalto. Em 1997 consumiu-se US$ 1,5 milhão por dia, a Petrobrás bateu a Coca-Cola, e o Ministério da Cultura gastou num ano o equivalente a três meses de salários dos funcionários da Biblioteca Nacional.
Até onde a vista alcança, a contração do Planalto será duradoura.

Esqueceram de combinar com o mosquito
Acaba de comemorar seu segundo aniversário o seguinte diálogo de FFHH com a professora Fabíola de Aguiar Nunes, coordenadora (à época) do Conselho Nacional de Saúde, ocorrido durante o programa radiofônico A Palavra do Presidente:
FFHH: Eu estou preocupado com o número de casos de dengue no Brasil. (...) Convidei a doutora Fabíola (...) para participar hoje do programa, porque ela é sanitarista e conhece bem o assunto. (...) Qualquer plano de combate ao mosquito da dengue só vai ter sucesso se tiver a participação dos três níveis de governo. Nós estamos trabalhando juntos, não é mesmo, doutora Fabíola?
Fabíola: (...) Presidente, eu tenho certeza de que, com essas medidas, nós podemos acabar com a dengue até o final do seu governo.
FFHH: Isso é um compromisso, doutora Fabíola. Nós não vamos dar trégua ao mosquito. As atuais ações de combate vão continuar. (...) Com a ajuda da população, vamos acabar com os mosquitos nas casas dos brasileiros e com a dengue no Brasil, até o final de 98. É uma questão de interesse do país.
Faltam 256 dias. Precisa combinar com o mosquito.

O Isomeride derrota a Sonolência Sanitária
A Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde continua em grande forma. Até agora não alertou os contribuintes que consumiram o inibidor de apetite Isomeride por mais de três meses que eles devem se acautelar antes de se submeter a cirurgias, mesmo dentárias. Esse remédio contém uma substância que facilita a vida de uma bactéria capaz de lesar o coração das pessoas.
Pesquisas americanas e européias informam que em cada 10 pessoas que tomaram inibidores de apetite com fenfluramina ou dexfenfluramina, três desenvolveram hipertensão pulmonar. O Isomeride -do laboratório Servier- teve a sua comercialização suspensa em outubro, mas quem quiser pode comprá-lo em todas as nove farmácias do Setor Local Sul, a 10 minutos do Ministério da Saúde, onde funciona a Vigilância Sanitária.
O ministro Sérgio Motta, que fez diversos regimes para emagrecer, tomou Isomeride por longos períodos. Seria um exagero atribuir os seus problemas pulmonares ao uso do remédio, mas por uma questão de bom senso, os médicos não lhe deveriam ter dado as receitas.

Iris, o patriarca da Rezendecracia
Aprende-se nas escolas que na República Velha o Brasil era governado por um sistema de oligarquias. Falta estudar como alguns de seus estados são governados hoje.
Em Goiás, por exemplo, está acontecendo o seguinte:
O senador Iris Rezende disputará o governo. Se for eleito, assumirá sua cadeira no Congresso o suplente, Otoniel Machado, que vem a ser seu irmão.
O atual governador, Maguito Vilela, será candidato ao Senado. Caso seja eleito, é provável que venha a ser convidado para um cargo no governo do Estado. Nesse caso, assumirá sua suplente, Iris Rezende, mulher e homônima do atual senador.
Se isso acontecer, Iris Rezende terá conseguido algo que só sucede de tempos em tempos, na Câmara dos Lordes inglesa. Colocará dois parentes no Senado, sem que qualquer deles tenha recebido um só voto nominal.
Como essa conta parecia favorecer os Rezende, Vilela fechou o cadeado noutra ponta. O candidato a vice-governador na chapa de Iris será seu amigo do peito Romilton Moraes. Por via das dúvidas, o candidato a deputado federal que puxará a votação do PMDB será seu cunhado Geovan Freitas.

ENTREVISTA

Enio Bacci
(38 anos, deputado federal pelo PDT-RS)
-Em novembro passado o senhor propôs uma emenda constitucional, instituindo a pena de prisão perpétua com trabalhos forçados para delinquentes que matam as vítimas em casos de sequestro e estupro. O que é feito dela?
-Está parada porque a maioria parlamentar do governo não quer que ela ande. Há resistências no Ministério da Justiça. Eles estão revendo o Código Penal, no sentido de reduzir as penas carcerárias. Eu não tenho nada contra isso. Minha emenda atinge apenas os sequestradores e estupradores assassinos. Ninguém me diz que é contra. Fazem de conta que a proposta não existe e não a colocam na ordem do dia para ser votada. Estou pedindo apenas que votem e nada tenho contra quem prefere rejeitá-la.
-Se o Ministério da Justiça propuser uma reforma do Código Penal que venha a reduzir os prazos de encarceramento, isso não será necessariamente ruim.
-De acordo. Não há razão para se dar penas de um a quatro anos para quem furta um aparelho de televisão. Pode ser menos, pode-se obrigar o condenado a prestar serviços comunitários. O nosso Código Penal é de 1940 e pune com mais rigor os atentados contra o patrimônio do que os crimes contra a vida. Um cheque sem fundos pode custar de um a cinco anos de prisão, enquanto quem espanca uma criança pega de seis meses a um ano. É um sistema ultrapassado. Hoje o assaltante não pensa duas vezes antes de matar uma pessoa. Pode-se reduzir as penas de diversos delitos, mas não há motivo para se dar uma segunda oportunidade aos sequestradores ou estupradores assassinos.
-O senhor acha que votam a sua emenda?
-Vão acabar votando. Se for preciso, abro mão da paternidade do projeto para que o governo supere o preconceito de votar uma proposta de oposicionista, mas é inevitável que os sequestros e estupros com morte acabem custando prisão perpétua. Será isso ou a pena de morte. Se a minha emenda continuar engavetada, a pena de morte vai atropelar tudo. Já há dezenas de milhares de assinaturas de cidadãos pedindo a prisão perpétua para casos de crimes hediondos que minha emenda não contempla. Eu só quero que o delinquente que mata a vítima depois de tê-la dominado passe o resto da vida na cadeia, trabalhando. Se a maioria parlamentar do governo acha que isso está errado, que o diga.

Aula de mudança
Numa época em que se tornaram comuns as mudanças de opiniões políticas, vale a pena registrar um caso em que ela foi feita com toda a coragem e elegância que o assunto merece.
D. Cláudio Hummes, que acaba de ser nomeado arcebispo de São Paulo, tomou a palavra numa recente reunião do episcopado e disse mais ou menos o seguinte:
-Eu pensava de uma maneira, hoje penso de maneira diferente. Mudei minha maneira de pensar porque acho que estava errado.
Muitas são as pessoas que fazem esse percurso, até porque, de fato, estavam erradas. Poucas são as que têm a coragem de fazê-lo diante de seus pares.
Nos anos 70, quando foi bispo de Santo André, D. Cláudio era um dos mais destacados religiosos da ala à esquerda do episcopado.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.