São Paulo, domingo, 19 de abril de 1998

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CELSO PINTO
As perdas do Brasil

Nas contas feitas pelo FMI, de caráter reservado, o Brasil perdeu na crise de outubro entre US$ 40 bilhões e US$ 50 bilhões. Nas contas brasileiras, a perda foi de US$ 10 bilhões.
Os dois critérios são diferentes e levam a conclusões distintas sobre a vulnerabilidade brasileira a uma crise externa. O Brasil contabiliza como perda os dólares que deixaram o país no meio da confusão de outubro. O total chegou a US$ 10 bilhões, embora a perda de reservas, no mês, tenha ficado abaixo disso.
O FMI, contudo, usa um critério mais abrangente. Ele soma não só os dólares que saíram, mas o total de passivos indexados ao dólar que o governo foi obrigado a emitir para fazer face à crise. Entram também, portanto, os títulos federais indexados ao dólar (NTNs) e os dólares vendidos pelo Banco Central no mercado futuro da BM&F.
Por trás dessa divergência existe uma discussão técnica, mas com uma possível implicação política. O FMI tem feito uma pressão crescente para que os países divulguem o máximo de informações possíveis.
Tanto o secretário do Tesouro americano, Robert Rubin, quanto o presidente do Fed, Alan Greenspan, sugeriram, na reunião dos ministros do Comitê Interino do FMI, quinta-feira, que os bancos centrais divulguem suas reservas líquidas das aplicações futuras em dólar e outros passivos externos. O tema não entrou nas decisões do comitê, mas continuará presente nas discussões.
O que se quer é evitar a repetição do trauma da Tailândia. Quando o país quebrou, ano passado, descobriu-se que, dos US$ 30 bilhões oficiais de reservas que tinha, as vendas futuras de dólares pelo banco central chegavam a US$ 27 bilhões.
O Brasil recusa-se a divulgar publicamente suas operações de vendas futuras de dólares e discorda que elas tenham que ser deduzidas das reservas. O argumento é que não há desembolso de dólares na BM&F, e sim do equivalente em reais dos dólares vendidos.
Se houver uma máxi, haverá perda fiscal, porque terá que haver mais desembolso de reais, mas só haverá perda de reserva se os ganhadores forem ao mercado trocar reais por dólares. O mesmo princípio se aplica aos títulos indexados em dólares, pois são pagos em reais.
O FMI, contudo, acha que o cálculo relevante é saber o tamanho do passivo indexado aos dólares. No caso dos títulos federais indexados, há uma discussão interna sobre se eles devem ou não ser deduzidos das reservas líquidas, mas no caso das vendas futuras de dólar, não há dúvidas que devem.
Como o Brasil tem US$ 70 bilhões de reservas e zerou as vendas futuras de dólar, no momento a discussão tem pouca implicação prática. Se voltar a haver turbulências, ela ganha relevância.
FMI mais forte
O FMI entrou na reunião dos ministros nesta semana, em Washington, sob uma saraivada de críticas. Foi criticado por não ter alertado para a crise da Ásia, por ter prescrito a receita errada e por ter colocado muito dinheiro que acabou salvando os bancos que haviam emprestado de forma irresponsável.
Saiu da reunião do comitê interino, que reúne 22 ministros que representam os 182 países-membros, mais forte. O comitê deu sinal verde ao Fundo para fazer alertas mais claros em relação a países com problemas e, no limite, tornar públicas as advertências, mesmo sem autorização do país.
Não se mexeu na terapia, mas reforçaram-se os mecanismos de supervisão bancária, foi aprovado um código (voluntário) de boa conduta fiscal e pressionou-se por mais transparência na divulgação de dados. Pela primeira vez, houve uma recomendação explícita para que o FMI envolva credores privados em pacotes de salvamento, junto com várias propostas sobre como aumentar o risco (e a perda) dos investidores em caso de crises.
A mais polêmica é a sugestão para que investidores em bônus aceitem transferir o direito legal de representá-los em caso de inadimplência. Em 82, a crise da dívida envolveu basicamente empréstimos bancários e foi resolvida com um comitê de bancos. Depois disso, os bancos fizeram nova dívida com países emergentes, mas em títulos vendidos a terceiros, não renegociáveis. Se a proposta vingar, futuras moratórias envolverão investidores privados, via intermediários.
Poderá tudo isso evitar a próxima crise? Certamente não, mas permitirá ao FMI chegar a ela com ânimo redobrado.




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