São Paulo, Segunda-feira, 19 de Abril de 1999
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SISTEMA FINANCEIRO
Procurador-chefe, que quer transferir investigação do Rio para Brasília, avalia operações já realizadas
Papéis apreendidos podem ser descartados

Zulmair Rocha/Folha Imagem
O banqueiro Salvatore Cacciola, dono do Banco Marka, passou o dia de ontem em seu apartamento, no Rio;



ABNOR GONDIM
da Sucursal de Brasília

MÔNICA CIARELLI
da Sucursal do Rio


O procurador-chefe da República no Distrito Federal, Luiz Augusto Santos Lima, disse ontem que poderá dispensar o material apreendido dos bancos Marka e FonteCindam, de seus controladores e do ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes. Isso dependeria da transferência das investigações para Brasília.
Ele foi designado pelo procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, para acompanhar o inquérito da Polícia Federal e a sindicância do BC sobre o suposto vazamento de informações para Salvatore Cacciola (Marka) e Luiz Antônio Gonçalves (FonteCindam).
"Vamos examinar o material quanto às formalidades adotadas. Poderá haver dispensa do que foi recolhido", disse. Segundo ele, se houver falhas nas apreensões feitas até agora, os papéis poderão não ser aproveitados na investigação.
Ao todo, há quatro apurações em andamento: a da PF em Brasília, a do Ministério Público Federal no Rio, a sindicância do BC e a CPI dos Bancos, no Senado.
Delegados da PF afirmaram à Folha que as apreensões no Rio teriam sido feitas pelos procuradores sem relacionar todos os itens retirados dos locais das ações.

Arbítrio
"As operações obedeceram a todas as formalidades, com a presença sempre de duas testemunhas ou mais. No caso de Lopes, havia cerca de cinco testemunhas, para evitar depois questionamento com relação aos procedimentos", disse o procurador Bruno Caiado Acioli.
Ele afirmou que as operações no Rio também não podem ser classificadas como arbitrárias, pois são atribuições do Ministério Público.
O presidente Fernando Henrique Cardoso criticou as ações e saiu em defesa de Lopes, que retomou ontem (leia texto ao lado).
O ministro da Justiça, Renan Calheiros, também já havia contestado a legalidade das operações.
Ele se apoiou em decisão de cinco ministros do Supremo Tribunal Federal. Com base no voto de Carlos Velloso, futuro presidente do STF, a segunda turma do tribunal decidiu que "não compete ao procurador da República assumir a direção das investigações, substituindo a autoridade policial".
Se esse entendimento for predominante entre os 11 ministros do STF, estará comprometida a credibilidade dos papéis apreendidos no Rio. Nessa hipótese, o STF tenderá a anular eventuais provas.
Ainda nessa hipótese, até a existência de autorização judicial para a apreensão, como a dada pela juíza da 6ª Vara Federal no Rio, Ana Paula Vieira, não afasta o risco de as provas serem consideradas ilegais, porque a própria ordem judicial seria passível de anulação.
Nesse último caso, se nada for provado contra os banqueiros e Lopes, "eles poderão pedir uma indenização brutal", disse Ives Gandra Martins, especialista em direito constitucional e professor emérito da Universidade Mackenzie.
Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, professor da USP, "medidas tão rigorosas (as apreensões) exigiriam um inquérito mais abastecido de indícios", mas elas foram legais. Na opinião do também professor da USP Dalmo de Abreu Dallari, as ações foram "rigorosamente legais", porque havia autorização judicial.
O procurador federal de direitos do cidadão, Wagner Gonçalves, defendeu os procuradores do Rio. Segundo ele, "as declarações do ministro (Calheiros) não ajudam e só desviam o foco da questão."
O procurador-chefe quer a transferência do processo da Justiça Federal do Rio para a de Brasília porque o juiz da 12ª Vara da Justiça Federal em Brasília, Marcus Vinicius Reis Bastos, teria sido o primeiro a tomar procedimento no caso.
Em março, o juiz aceitou pedido feito por quatro procuradores em Brasília para quebrar o sigilo da BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros) sobre as empresas e pessoas físicas que lucraram com a desvalorização do real, em janeiro.
Além disso, o suposto vazamento de informações teria ocorrido na sede do BC, em Brasília.
"Não fui designado para tirar o trabalho de ninguém, mas sim para coordenar as investigações", disse à Folha, por telefone.
Esta é a segunda missão importante que Lima recebe de Brindeiro. No final de 98, ele foi designado para acompanhar o inquérito sobre suposta conta de autoridades federais em um paraíso fiscal do Caribe. O caso está parado.

Sigilo
O procurador Artur Gueiros, também do Ministério Público no Rio, disse que os documentos apreendidos serão entregues hoje à Justiça Federal para perícia.
Ainda hoje o Ministério Público no Rio deve pedir à 6ª Vara Federal o fim do segredo de justiça no caso. "Queremos que a opinião pública tome conhecimento de, pelo menos, uma parte dessa documentação", afirmou o procurador Acioli.
Anteontem, dois procuradores revelaram à Folha que foram encontrados, na casa de Lopes, outros documentos "tão graves" quanto um bilhete de Cacciola endereçado ao ex-presidente do BC.
No bilhete, o banqueiro pedia que Lopes interviesse nas negociações para agilizar o socorro ao Marka. O ex-presidente do BC disse que recebeu vários "recados" do banqueiro, mas não os respondeu.


Colaboraram Silvana de Freitas, da Sucursal de Brasília, e Ricardo Galhardo, da Reportagem Local

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