São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 2000


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QUESTÃO AGRÁRIA
Movimento teria mandado embora, com violência, grupo que não concordava com regras do acampamento
Famílias dizem ter sido expulsas pelo MST

MARCOS VITA
DA AGÊNCIA FOLHA,
EM WENCESLAU GUIMARÃES (BA)

Vinte e oito famílias de ex-integrantes do MST afirmam ter sido expulsas com violência do assentamento Che Guevara, em Wenceslau Guimarães (280 km de Salvador), por não concordarem com as regras do movimento.
A denúncia da expulsão, que teria acontecido em março de 1999, foi enviada à Justiça pelo Ministério Público há dois meses.
O líder do MST no acampamento, Rosalvo José dos Santos, 41, confirma que as famílias deixaram o assentamento por "divergências", mas reconhece a expulsão -"sem violência"- de apenas um assentado. Ele diz não enxergar ilegalidade no ato.
"A maioria é que deve decidir, em assembléia, pela expulsão de quem não segue os princípios do assentamento, e não o Incra. Não é uma questão de direito, mas de coerência. Quem vive no assentamento, o Incra ou os assentados?"
As famílias vivem hoje num acampamento na fazenda Jutacy, a 16 km do Che Guevara. Quando deixaram o assentamento, elas representavam quase metade dos 60 núcleos familiares assentados.
Todas as famílias eram parceleiras e tinham contrato com o Incra desde janeiro de 1998, depois de dois anos acampadas com os outros integrantes do MST.
Elas comparam o assentamento a um "cativeiro". Contam que eram obrigadas a participar de marchas de protesto sob pena de perder a terra conquistada.
"Em vez de plantar e produzir, tínhamos que andar até 32 dias com crianças e mulheres grávidas para Salvador para invadir a sede do Incra", afirma Elias da Silva Santos, 32, pai de três filhos.
As famílias discordavam também do sistema coletivo de plantio implantado pelo MST no Che Guevara. "Trabalhávamos quase todos os dias na área destinada ao coletivo e à venda e não tínhamos tempo de plantar a comida para nossas próprias famílias", diz Rosalino dos Santos, 76.
"Se já tínhamos conquistado a terra, por que a gente deveria continuar fazendo protesto e plantando para o MST?", questiona Verônica de Jesus, 42, sete filhos.
As famílias dizem que foram expulsas por 300 integrantes do MST vindos de outras regiões. Eles teriam chegado ao Che Guevara às 20h do dia 2 de março de 1999 e, às 2h30 da madrugada, começaram a ameaçar as famílias com facões e revólveres, além de ameaçar colocar fogo nas casas.
Os que tentaram resistir teriam sido espancados. Marivaldo de Jesus dos Santos, 24, diz ter sido um dos resistentes. "Tinha 600 pés de banana plantados e não queria perder minha roça", afirma.
Marivaldo vive hoje do aluguel de dois pontos comerciais deixados pelo pai em Wenceslau Guimarães. Ele é o único que o líder do MST, Rosalvo dos Santos, reconhece como expulso pelos assentados do Che Guevara.
Segundo o líder do MST, as famílias não foram expulsas, mas "seguiram por vontade espontânea" Marivaldo de Jesus depois do assentamento ter decidido, em assembléia, pela expulsão. "O Marivaldo roubava as colheitas."
Logo após o ocorrido, as famílias registraram queixa na delegacia da cidade. O inquérito foi aberto, mas perícia feita no local não constatou indício de violência. No inquérito, enviado à Justiça depois de um ano, não consta exame de corpo de delito.
De acordo com o promotor de Wenceslau Guimarães, Pedro Araújo Castro, o Ministério Público se baseou nos testemunhos para encaminhar o processo.


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