São Paulo, terça, 19 de maio de 1998

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VIAGEM PRESIDENCIAL
Em Genebra, tucano afirma, no entanto, que processo é real e não adianta se manifestar contra
Também não gosto da globalização, diz FHC


CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Genebra

O presidente Fernando Henrique Cardoso desembarcou ontem em Genebra sintonizado pela metade com a inquietação universal a respeito do processo de globalização da economia.
"Se você me perguntar se eu gosto da globalização, eu vou dizer que também não gosto, não", disse o presidente, mal desceu as escadas do Boeing KC-137 da Força Aérea Brasileira, que o trouxera de Madri.
Explicou por que não gostava de um fenômeno que esteve na origem de protestos que degeneram em violência na véspera de sua chegada: "Porque acho que você perde uma porção de graus de liberdade na política dos países".
Terminam aí as coincidências entre FHC e os adversários da globalização. Estes pedem correções de rumo, mas o presidente brasileiro se conforma:
"É um fato, um processo real que está aí e não adianta se manifestar contra, não tem jeito".
O presidente acha que protestos, como os ocorridos em Genebra, "não levam a mudanças efetivas porque não há como dar marcha a ré na história. O processo de produção já está globalizado, as decisões cada vez mais implicam alguma coisa além das fronteiras".
Mas FHC discorda da tese de que a globalização é a responsável principal pelo desemprego, outro fenômeno de escala planetária. "Quando começou o capitalismo industrial, houve até gente que quebrava máquinas porque provocava desemprego. Depois, reorganizou-se. Vai acontecer a mesma coisa", disse o presidente.
Seu conformismo com a globalização, em todo o caso, não é total. Ele acha possíveis "políticas de reação a essas transformações que estão acontecendo na base de produção econômica".
Com tais políticas, sempre segundo FHC, a globalização não provocaria, necessariamente, o desemprego. "Depende das políticas que sejamos capazes de implementar", concluiu.

O ambiente
O presidente brasileiro desembarcou em Genebra com pontualidade quase suíça: prevista para 20h (15h em Brasília), a chegada ocorreu às 20h02, com dia claro, típico na primavera européia.
Hoje, FHC faz o seu discurso nas cerimônias de comemoração do 50 aniversário do sistema internacional de comércio.
Fará também a defesa do sistema multilateral de comércio, do qual o Brasil é membro fundador.
FHC tem dois encontros bilaterais agendados. Um com o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, que está em pleno processo de lua-de-mel com o mandatário brasileiro.
Blair deve formalizar, no encontro, o convite para que FHC participe do que o mandatário britânico chama de diálogo em busca da "Terceira Via", um caminho intermediário entre o liberalismo puro e uma atualização das antigas bandeiras sociais-democratas de justiça social.
O segundo encontro será com o presidente sul-africano, Nelson Mandela, um dos dez chefes de Estado/governo que participam dos festejos do cinquentenário do sistema global de comércio.
Uma comemoração que, no entanto, está ensombrecida pelas crescentes dúvidas a respeito da relação custo/benefício da globalização, cujo símbolo maior é precisamente a OMC (Organização Mundial de Comércio), a anfitriã.
O próprio diretor-geral da OMC, o italiano Renato Ruggiero, em seu discurso inaugural das festividades, admitiu: "Cada vez que se fala de comércio hoje em dia, outras questões são imediatamente evocadas: instabilidade financeira, desenvolvimento, marginalização, proteção ao meio ambiente, condições sociais, emprego, saúde pública ou diversidade cultural".
Fora do ambiente oficial, há críticas ferozes ao processo de globalização. "No mundo todo, a experiência das pessoas é a de que não podem se beneficiar de um sistema comercial dominado pelas multinacionais", diz, por exemplo, Myriam Vander Stichele, coordenadora de pesquisas da TNI (Instituto Transnacional), centro que reúne acadêmicos da Europa, dos EUA e do chamado Terceiro Mundo.
Os números exibidos em Genebra pelos críticos da globalização são fortes: "Os grandes beneficiários da liberalização comercial são as corporações transnacionais, 40 mil das quais controlam mais de 80% do comércio mundial", diz Christophe Bellman, de uma coalizão de ONGs suíças.




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