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São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 2003

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GOVERNO x OPOSIÇÃO

A interlocutores, presidente considerou críticas uma "punhalada pelas costas'; resposta foi improvisada

Para Lula, FHC o traiu em "momento difícil"

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ASSUNÇÃO

O discurso em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revidou críticas de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, nasceu de uma profunda irritação com o que Lula considera uma punhalada pelas costas, no exato momento em que seu governo passa por "um momento difícil, talvez o mais difícil de todos".
A avaliação foi obtida pela Folha na comitiva presidencial que participou da 24ª reunião de cúpula do Mercosul.
Punhalada pelas costas porque havia uma espécie de acordo de cavalheiros entre os dois para evitar ataques.
O fato de FHC ter usado o site de seu partido, o PSDB, para uma entrevista simulada com críticas ao governo agravou o quadro: ficou evidente que não se tratava de uma fala improvisada, em resposta à perguntas eventualmente provocativas.
Foi uma decisão deliberada, que colheu o governo em um momento em que surgem críticas de muitos lados: de economistas do PT ou simpáticos ao partido, dos servidores públicos, de aliados teóricos como Anthony Garotinho e Leonel Brizola, e dos setores mais à esquerda do próprio PT.
Na assessoria do presidente, a Folha ouviu que, do funcionalismo, as críticas já eram esperadas. "Mas do Fernando Henrique?"

Assembléia
Foi tamanha a irritação causada pelas críticas que Lula abandonou completamente o discurso previamente preparado para a cerimônia em Pelotas (RS), durante a Fenadoce.
Não é raro que o presidente introduza "cacos" em textos preparados, mas, no caso, ele nem sequer apanhou os papéis prontos para serem lidos. Não usou o pódio tradicional. Preferiu tirar o microfone do pedestal e falar caminhando, "como se estivesse nas assembléias de metalúrgicos em São Bernardo do Campo", conforme comparação ouvida pela Folha
O grau de irritação pode ser medido pela diferença de comportamento entre Pelotas e Assunção. O discurso para a cúpula do Mercosul estava pronto quando Lula chegou, ao anoitecer de anteontem. Mas ele reclamou tantas alterações que o texto final só tomou forma por volta de 3h. Foi lido na íntegra, sem cacos.
A julgar pelo que se diz no círculo íntimo do presidente, a expectativa era a de que Fernando Henrique só sairia de seu retiro político no fim do ano ou no começo de 2004. A Folha não conseguiu saber se essa expectativa se devia a alguma cláusula obviamente não escrita do acordo de cavalheiros.
Porque houve a antecipação é pergunta sem resposta, a não ser como especulação.
Calcula-se no PT que, se demorasse muito a reemergir, FHC correria o risco de não ter um partido ao qual liderar.
A avaliação no governo do PT, naturalmente enviesada, dada a rivalidade entre os dois partidos, é a de que o PSDB carece de líderes e de projetos.
Há, no entanto, uma ironia nessa renascida rixa Lula/FHC: aumentam cada vez mais as coincidências externas com seu antecessor. A mais recente é o anúncio de Lula ter sido contemplado com o prêmio Príncipe de Astúrias, "o mais importante da Espanha, quase similar ao Nobel", no exagero cometido pelo chanceler Celso Amorim.
FHC já recebeu o prêmio.
Há mais: no mês que vem, Lula participará da "Cúpula de Londres", na qual se discutirá a "Governança Progressista", antes batizada de "Terceira Via".
Fernando Henrique tomou parte em todas as quatro primeiras sessões do grupo, liderado pelo premiê britânico Tony Blair.
Antes, Lula participou do encontro anual do Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça). FHC havia sido, até então, o único presidente brasileiro a tomar parte no evento.


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