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ANÁLISE
Bate-boca serve a exercício pedagógico
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília
O bate-boca entre os presidentes do Congresso Nacional e do
Supremo Tribunal Federal, apesar de ser péssimo exemplo de
educação cívica e de criar tensões institucionais desnecessárias por motivos mesquinhos,
pode motivar exercícios de algum valor pedagógico.
Por exemplo, de história recente do Brasil. O senador Antonio Carlos Magalhães acusa o
ministro Carlos Velloso de ter
ingressado na magistratura por
nomeação durante o regime militar, não por meio de concurso
público.
De fato, a biografia oficial de
Velloso registra que, em março
de 1967, ele foi nomeado juiz federal em Minas Gerais, empossando-se no cargo em abril do
mesmo ano.
Mas, também em 1967, sob o
mesmo regime militar, Magalhães, segundo sua biografia oficial, foi nomeado e empossado
prefeito da cidade de Salvador.
Os dois adversários de agora,
no entanto, começaram suas
respectivas carreiras na justiça e
na política por meios mais democráticos.
Magalhães se elegeu deputado
estadual na Bahia em 1954 e deputado federal em 1958 e 1962
(pela UDN) e 1966 (pela Arena, o
partido de sustentação do regime militar). A maioria dos parlamentares da UDN foi para a
Arena quando o sistema bipartidário foi imposto em 1965. Mas
10% foram para o MDB, de oposição aos militares.
Velloso prestou concursos públicos em 1964 (o ano do movimento militar que depôs o presidente João Goulart) e em 1966.
No primeiro, chegou ao cargo de
promotor de justiça de Minas
Gerais; no segundo, ao de juiz
seccional.
Outra acusação de ACM contra Velloso é que o ministro foi
nomeado para o STF durante o
governo do presidente Fernando Collor de Mello. É verdade.
Sua nomeação ocorreu em 28 de
maio de 1990 e foi assinada por
Collor.
Mas é curioso lembrar que, como governador da Bahia e comandante informal da bancada
baiana no Congresso, ACM foi
um dos raros líderes nacionais
de expressão a dar sustentação
política a Collor até o fim de sua
passagem pelo Planalto. Seu filho, deputado Luís Eduardo Magalhães, votou contra o impeachment do presidente da República na Câmara.
Outra análise acadêmica que
essa polêmica sugere é na área
da semântica: como as palavras,
até os fatos, mudam de sentido
conforme o desejo de quem os
manipula.
Assim, neste caso, inserção no
regime militar e no esquema Collor serve para desqualificar o
outro, mas não quem o acusa.
George Orwell foi, talvez,
quem tratou melhor, na cultura
popular, dessas inversões de
sentido na política. Em "1984",
ele mostra como agentes do partido dominante na fictícia Oceania constantemente reescrevem
a história e a língua para tornar
aliados de ontem em inimigos
de hoje e vice-versa.
Da linguística, pode-se chegar
à ética e até a filosofia com a desavença entre ACM e Velloso.
Ela serve como um bom estudo
de caso sobre o cinismo, não no
sentido da escola filosófica de
Diógenes (o da lanterna), mas
no que lhe foi dado depois do
helenismo, de desfaçatez ao lidar com a realidade.
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