São Paulo, Quinta-feira, 19 de Agosto de 1999
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CELSO PINTO
A crise sobe um patamar

A sensação de que o assalto aos cofres federais tornou-se incontrolável fez a crise no câmbio subir mais um degrau. O dólar superou a barreira psicológica de R$ 1,90, o Banco Central vendeu dólares pela primeira vez desde maio e anunciou duas medidas para atrair moeda forte.
O problema é que existe uma forte crise de confiança política. Num regime de câmbio flutuante, crises desse tipo se transmitem, de imediato, para a taxa de câmbio. A subida da taxa, por sua vez, funciona como uma confirmação das piores expectativas, o que leva mais gente a comprar dólares, aumentando a pressão, as cotações e a crise.
A piora na percepção política vem crescendo desde julho. Quando o Congresso voltou do recesso, o tiroteio dos aliados deixou claro que seria difícil votar as reformas. O que vem acontecendo desde o locaute dos caminhoneiros, contudo, vai além das dúvidas sobre as reformas.
De um lado, ficou marcada a leniência do governo federal com o rombo de R$ 6 bilhões no Banco do Brasil, gerado pelos precatórios da cidade de São Paulo, e com a dívida de R$ 514,9 milhões de Santa Catarina com a previdência. De outro, a fragilidade de Brasília em aceitar pressões: primeiro dos caminhoneiros, agora dos ruralistas.
O Congresso pressiona por aumentos nos seus salários. Se o fizer via elevação no teto, gerará aumentos em cascata em todos os níveis de governo.
A leitura que fica é que, impopular e fraco, o governo se tornou vulnerável a pressões sobre seus cofres, de políticos e de setores organizados. Lembra os piores momentos do governo Sarney.
Essa percepção de que está aberta a temporada de caça ao cofre da "viúva" vai mais longe do que a discussão das reformas. Não basta, para reverter as dúvidas, apenas sinais positivos, por exemplo, em relação à lei de responsabilidade fiscal ou ao pacote do INSS.
A dinâmica do mercado vinha sendo alimentada, basicamente, por procura de "hedge": posições no mercado futuro de dólar, ou em títulos cambiais do governo, para proteção contra uma desvalorização futura mais forte. A subida persistente do câmbio, contudo, tem levado a um movimento, ainda pequeno, de fuga de capital.
Não é algo parecido ao que havia no câmbio fixo, quando o dinheiro saía em busca de arbitragem externa, contando com câmbio estável na volta. Agora, a saída de capital vem da rejeição do "risco Brasil".
Em situações de nervosismo de mercado, abrem-se, também, oportunidades especulativas. Ontem de manhã, um grande grupo nacional comprou "hedge" pesado, que um banco calcula em até US$ 400 milhões. Outros bancos foram atrás, sabendo que o câmbio iria subir e haveria ganhos a realizar.
O BC vinha evitando intervir, por três razões. A primeira é que acha que faz sentido o dólar subir além de R$ 1,75, porque a balança está reagindo muito devagar, o ambiente externo piorou e as incertezas políticas aumentaram.
A segunda é que o BC via os excessos como temporários e reversíveis. Vinham de um "mau humor" do mercado, em boa medida infundado. A razão central seria a dúvida sobre a capacidade de ajuste fiscal no próximo ano. Portanto, na hora em que o governo anunciasse um Orçamento factível, garantindo o superávit primário, as expectativas seriam revertidas.
Uma terceira razão é a relutância do BC em oferecer qualquer "hedge", por uma questão de princípio: com câmbio flutuante, cabe ao setor privado oferecer "hedge". Ontem, contudo, o BC vendeu pelo menos US$ 100 milhões, na estimativa de mercado, além de vender títulos cambiais equivalentes a 100% da rolagem e não 80%, como vinha fazendo. O que mudou?
Parte do mercado acha que o BC fez uma intervenção pequena, mas não vai defender um nível de câmbio. Outros acham que o BC sinalizou, como "teto" aceitável, algo em torno de R$ 1,90. O fato é que, no final do dia, o mercado puxou o dólar a R$ 1,91, para testar a reação do BC.
Seria um risco enorme o BC defender um nível de câmbio. Talvez também seja um risco, contudo, deixar o câmbio disparar sem oferecer sequer "hedge" via títulos cambiais. Com o câmbio subindo sem parar, voltam as expectativas de pressão inflacionária, o que obrigaria o BC a elevar os juros. Se isso acontecesse, causaria um enorme estrago nas contas fiscais e na perspectiva de crescimento.
O Orçamento que o governo vai anunciar para o próximo ano garante um superávit, mas a partir de dois pressupostos: inflação de 6% e crescimento de 4%. O câmbio em alta persistente pode ferir a credibilidade do Orçamento por esse lado, minimizando o impacto favorável esperado pelo BC.
Um ponto positivo é a transparência. No câmbio flutuante, ao contrário do câmbio controlado anterior, irresponsabilidades políticas e econômicas são imediatamente repassadas para a taxa do dólar. Não dá para fingir que não há crise nem para ganhar tempo com paliativos. Nem no Congresso, nem no Executivo.


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