|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CELSO PINTO
A crise sobe um patamar
A sensação de que o assalto aos
cofres federais tornou-se incontrolável fez a crise no câmbio subir mais um degrau. O dólar superou a barreira psicológica de
R$ 1,90, o Banco Central vendeu
dólares pela primeira vez desde
maio e anunciou duas medidas
para atrair moeda forte.
O problema é que existe uma
forte crise de confiança política.
Num regime de câmbio flutuante,
crises desse tipo se transmitem, de
imediato, para a taxa de câmbio.
A subida da taxa, por sua vez,
funciona como uma confirmação
das piores expectativas, o que leva
mais gente a comprar dólares, aumentando a pressão, as cotações e
a crise.
A piora na percepção política
vem crescendo desde julho.
Quando o Congresso voltou do recesso, o tiroteio dos aliados deixou claro que seria difícil votar as
reformas. O que vem acontecendo
desde o locaute dos caminhoneiros, contudo, vai além das dúvidas sobre as reformas.
De um lado, ficou marcada a leniência do governo federal com o
rombo de R$ 6 bilhões no Banco
do Brasil, gerado pelos precatórios da cidade de São Paulo, e
com a dívida de R$ 514,9 milhões
de Santa Catarina com a previdência. De outro, a fragilidade de
Brasília em aceitar pressões: primeiro dos caminhoneiros, agora
dos ruralistas.
O Congresso pressiona por aumentos nos seus salários. Se o fizer via elevação no teto, gerará
aumentos em cascata em todos os
níveis de governo.
A leitura que fica é que, impopular e fraco, o governo se tornou
vulnerável a pressões sobre seus
cofres, de políticos e de setores organizados. Lembra os piores momentos do governo Sarney.
Essa percepção de que está
aberta a temporada de caça ao
cofre da "viúva" vai mais longe
do que a discussão das reformas.
Não basta, para reverter as dúvidas, apenas sinais positivos, por
exemplo, em relação à lei de responsabilidade fiscal ou ao pacote
do INSS.
A dinâmica do mercado vinha
sendo alimentada, basicamente,
por procura de "hedge": posições
no mercado futuro de dólar, ou
em títulos cambiais do governo,
para proteção contra uma desvalorização futura mais forte. A subida persistente do câmbio, contudo, tem levado a um movimento, ainda pequeno, de fuga de capital.
Não é algo parecido ao que havia no câmbio fixo, quando o dinheiro saía em busca de arbitragem externa, contando com câmbio estável na volta. Agora, a saída de capital vem da rejeição do
"risco Brasil".
Em situações de nervosismo de
mercado, abrem-se, também,
oportunidades especulativas. Ontem de manhã, um grande grupo
nacional comprou "hedge" pesado, que um banco calcula em até
US$ 400 milhões. Outros bancos
foram atrás, sabendo que o câmbio iria subir e haveria ganhos a
realizar.
O BC vinha evitando intervir,
por três razões. A primeira é que
acha que faz sentido o dólar subir
além de R$ 1,75, porque a balança
está reagindo muito devagar, o
ambiente externo piorou e as incertezas políticas aumentaram.
A segunda é que o BC via os excessos como temporários e reversíveis. Vinham de um "mau humor" do mercado, em boa medida infundado. A razão central seria a dúvida sobre a capacidade
de ajuste fiscal no próximo ano.
Portanto, na hora em que o governo anunciasse um Orçamento
factível, garantindo o superávit
primário, as expectativas seriam
revertidas.
Uma terceira razão é a relutância do BC em oferecer qualquer
"hedge", por uma questão de
princípio: com câmbio flutuante,
cabe ao setor privado oferecer
"hedge". Ontem, contudo, o BC
vendeu pelo menos US$ 100 milhões, na estimativa de mercado,
além de vender títulos cambiais
equivalentes a 100% da rolagem e
não 80%, como vinha fazendo. O
que mudou?
Parte do mercado acha que o
BC fez uma intervenção pequena,
mas não vai defender um nível de
câmbio. Outros acham que o BC
sinalizou, como "teto" aceitável,
algo em torno de R$ 1,90. O fato é
que, no final do dia, o mercado
puxou o dólar a R$ 1,91, para testar a reação do BC.
Seria um risco enorme o BC defender um nível de câmbio. Talvez também seja um risco, contudo, deixar o câmbio disparar sem
oferecer sequer "hedge" via títulos
cambiais. Com o câmbio subindo
sem parar, voltam as expectativas
de pressão inflacionária, o que
obrigaria o BC a elevar os juros.
Se isso acontecesse, causaria um
enorme estrago nas contas fiscais
e na perspectiva de crescimento.
O Orçamento que o governo vai
anunciar para o próximo ano garante um superávit, mas a partir
de dois pressupostos: inflação de
6% e crescimento de 4%. O câmbio em alta persistente pode ferir
a credibilidade do Orçamento por
esse lado, minimizando o impacto favorável esperado pelo BC.
Um ponto positivo é a transparência. No câmbio flutuante, ao
contrário do câmbio controlado
anterior, irresponsabilidades políticas e econômicas são imediatamente repassadas para a taxa
do dólar. Não dá para fingir que
não há crise nem para ganhar
tempo com paliativos. Nem no
Congresso, nem no Executivo.
Texto Anterior: Classe média perde com as novas regras Próximo Texto: Crise entre poderes: STF faz queixa sobre equipe econômica Índice
|