São Paulo, quinta-feira, 19 de setembro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

Campanha e companhia

RONALDO COSTA COUTO

Recife, Palácio das Princesas, final de 1954. Juscelino Kubitschek, governador de Minas e presidenciável, almoça com o colega Etelvino Lins. Prato principal: sucessão presidencial do ano seguinte. Três horas de tricô político depois, JK e o coronel Affonso Heliodoro, chefe de seu Gabinete Militar, voam de carro para o Aeroporto dos Guararapes.
Precisam tirar logo do chão o surrado bimotor Beachcraft do governo mineiro.
Na chegada, dão de frente com Assis Chateaubriand, o legendário Chatô, rei da imprensa brasileira, paraibano do mundo. Coincidência? Talvez. Muitas: ele diz a JK que precisa lhe falar sobre Minas e que está saindo para Belo Horizonte num DC-3. Resolvem ir juntos.
Céu de brigadeiro, viagem tranquila. Bom papo, Chateaubriand monopoliza JK. Coisas divertidas e também conversa séria. Brasil, eleições, um ou outro toque em interesses empresariais. Perto de Salvador, o jornalista vai ao banheiro.
O urbaníssimo JK pergunta ao coronel: "Affonso, jegue é abóbora, não é?". "Não, governador. Jegue é jumento. Abóbora é jerimum". "Ah, então foi por isso que eu não achei graça nenhuma na piada do Chatô."

Poder e solidão
O general Ernesto Geisel governou o Brasil com a abertura política numa das mãos e o AI-5 na outra. A flor e o chicote. Mandou e desmandou.
Passava o dia inteiro cercado de gente. Audiências, reuniões, viagens e tudo o mais. Era um workaholic.
Em setembro de 1996, poucos dias antes de morrer, emocionou o amigo Faria Lima: "Era meu hábito trabalhar à noite lá no Alvorada. Levava a papelada para uma pequena mesa e despachava tudo o que podia. Às vezes ia até tarde da noite. Certa feita, perto de meia-noite, percebi uma sombra meio indecisa sobre a mesa, vinda de trás, o que me atrapalhou a concentração. Sentindo a privacidade invadida, perguntei com alguma irritação: "O que você quer?!". Surpreso, ouvi a voz da Lucy, minha mulher: "Nada. Só quero ficar perto de você um pouquinho".

Tombo
Do governador pessedista mineiro José Francisco Bias Fortes [1891-1971]: "Prefiro dormir no chão a cair da cama".


RONALDO COSTA COUTO, 59, escritor, doutor em história pela Sorbonne, escreve às quintas-feiras nesta coluna



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