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FOLCLORE POLÍTICO
Campanha e companhia
RONALDO COSTA COUTO
Recife, Palácio das Princesas,
final de 1954. Juscelino Kubitschek, governador de Minas e presidenciável, almoça com o colega
Etelvino Lins. Prato principal: sucessão presidencial do ano seguinte. Três horas de tricô político
depois, JK e o coronel Affonso Heliodoro, chefe de seu Gabinete Militar, voam de carro para o Aeroporto dos Guararapes.
Precisam tirar logo do chão o
surrado bimotor Beachcraft do
governo mineiro.
Na chegada, dão de frente com
Assis Chateaubriand, o legendário Chatô, rei da imprensa brasileira, paraibano do mundo. Coincidência? Talvez. Muitas: ele diz a
JK que precisa lhe falar sobre Minas e que está saindo para Belo
Horizonte num DC-3. Resolvem
ir juntos.
Céu de brigadeiro, viagem tranquila. Bom papo, Chateaubriand
monopoliza JK. Coisas divertidas
e também conversa séria. Brasil,
eleições, um ou outro toque em
interesses empresariais. Perto de
Salvador, o jornalista vai ao banheiro.
O urbaníssimo JK pergunta ao
coronel: "Affonso, jegue é abóbora, não é?". "Não, governador. Jegue é jumento. Abóbora é jerimum". "Ah, então foi por isso que
eu não achei graça nenhuma na
piada do Chatô."
Poder e solidão
O general Ernesto Geisel governou o Brasil com a abertura política numa das mãos e o AI-5 na
outra. A flor e o chicote. Mandou
e desmandou.
Passava o dia inteiro cercado de
gente. Audiências, reuniões, viagens e tudo o mais. Era um workaholic.
Em setembro de 1996, poucos
dias antes de morrer, emocionou
o amigo Faria Lima: "Era meu
hábito trabalhar à noite lá no Alvorada. Levava a papelada para
uma pequena mesa e despachava
tudo o que podia. Às vezes ia até
tarde da noite. Certa feita, perto
de meia-noite, percebi uma sombra meio indecisa sobre a mesa,
vinda de trás, o que me atrapalhou a concentração. Sentindo a
privacidade invadida, perguntei
com alguma irritação: "O que você quer?!". Surpreso, ouvi a voz da
Lucy, minha mulher: "Nada. Só
quero ficar perto de você um pouquinho".
Tombo
Do governador pessedista mineiro José Francisco Bias Fortes
[1891-1971]: "Prefiro dormir no
chão a cair da cama".
RONALDO COSTA COUTO, 59, escritor,
doutor em história pela Sorbonne, escreve às quintas-feiras nesta coluna
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