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ANÁLISE
O PT entre duas ameaças
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Quando há muitas coisas para
decidir ao mesmo tempo, o mais
provável é que nada se resolva. À
primeira vista, as eleições internas
do PT parecem vir num momento providencial. Aturdidos diante
de uma derrocada moral que seria
impensável há coisa de seis meses,
os petistas teriam uma oportunidade para começar, com a necessária urgência, a chamada "refundação" do seu partido.
Só que as coisas não são tão simples. De um lado, existe a questão
ético-policial imediata, com seus
mensalões, dólares na cueca e bocas na botija. De outro, questões
programáticas mais antigas: como apoiar a atual política econômica? Que pensar das ações do
governo Lula no que diz respeito
ao funcionalismo público, à Previdência Social, à reforma agrária?
O discurso das chapas de oposição parece às vezes ser mais duro
com Palocci do que com Zé Dirceu.
É como se os aspectos que mais
chocam a opinião pública nesta
crise -os escândalos morais-
fossem até certo ponto secundários diante da traição doutrinária
que o governo Lula vem protagonizando desde o seu início. Claro,
há nuances e divergências históricas entre as chapas em disputa.
Mas não deixa de ser curioso que
um candidato como Plínio de Arruda Sampaio, capaz de encarnar
as expectativas do moralismo de
classe média, no velho estilo democrata-cristão, também defenda teses de extrema esquerda na
disputa. Sintonizadas com a opinião pública, no seu repúdio ao
desmantelamento ético do partido, as chapas de oposição se mostram, contudo, fortemente minoritárias do ponto de vista ideológico.
Será que um padrão de comportamento ético aceitável tem de
vir sempre acompanhado de radicalismo doutrinário? Tudo piorou, no aspecto moral, quando a
direção do PT resolveu ser menos
xiita. Bastou o partido se tornar
flexível politicamente, que o pragmatismo virou abandono de
qualquer princípio, e começou-se
a confundir negociação com negociata.
Sem dúvida, o plano das construções programáticas puras favorece comportamentos mais
isentos eticamente, e quem manifesta grande disposição para entrar no mundo real, na "vida como ela é" raramente se destaca
pela mania de limpeza. Mas não é
convincente que em política se tenha sempre de escolher entre corruptos ou radicais, ou, se quisermos, entre "pragmáticos" e "puritanos".
O problema não está nas pessoas, mas nas instituições; no grau
de controle que a sociedade consegue exercer sobre a política. Justamente esse ponto, central para
as antigas teorias do ultrademocratismo petista, soçobrou diante
do "bolchevismo", como se diz,
dos burocratas de Zé Dirceu. Mas
não se trata de bolchevismo: trata-se do velho e bom fisiologismo
parlamentar com toques do clássico autoritarismo brasileiro.
Num mecanismo peculiar ao
PT, temos visto os "pragmáticos"
reagirem como "puritanos", e
mesmo como mártires, revivendo
imaginariamente o espírito da luta armada. "No pasarán", dizem
os dirigentes entrincheirados no
Campo Majoritário. "No pasarán", respondem os "principistas", zelando pelos últimos compromissos socialistas enquanto o
próprio Lula já não pensa mais no
assunto.
E o PT, assim, sofre uma dupla
ameaça: tornar-se um PMDB ou
um PSOL. Nas eleições internas
do partido, tem-se o Campo Majoritário tentando justificar o injustificável -a permanência de
Delúbio e Zé Dirceu- contra
uma oposição que parece reivindicar o que quase ninguém quer
-a cabeça de Palocci.
Nos dois casos, a crise de identidade petista estaria longe de seu
desfecho. Para falar como os petistas de outros tempos, uma "refundação" para valer não começa
a partir da cúpula, com a troca
deste ou daquele dirigente, mas
sim a partir do movimento das
bases.
Só que as bases, como se vê pelas reportagens da Folha, já não se
movem sozinhas. Levadas aos locais de votação em organizados
sistemas de carona partidária, tudo indica que são conduzidas pelo cabresto.
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