São Paulo, segunda-feira, 19 de setembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

O PT entre duas ameaças

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Quando há muitas coisas para decidir ao mesmo tempo, o mais provável é que nada se resolva. À primeira vista, as eleições internas do PT parecem vir num momento providencial. Aturdidos diante de uma derrocada moral que seria impensável há coisa de seis meses, os petistas teriam uma oportunidade para começar, com a necessária urgência, a chamada "refundação" do seu partido.
Só que as coisas não são tão simples. De um lado, existe a questão ético-policial imediata, com seus mensalões, dólares na cueca e bocas na botija. De outro, questões programáticas mais antigas: como apoiar a atual política econômica? Que pensar das ações do governo Lula no que diz respeito ao funcionalismo público, à Previdência Social, à reforma agrária? O discurso das chapas de oposição parece às vezes ser mais duro com Palocci do que com Zé Dirceu.
É como se os aspectos que mais chocam a opinião pública nesta crise -os escândalos morais- fossem até certo ponto secundários diante da traição doutrinária que o governo Lula vem protagonizando desde o seu início. Claro, há nuances e divergências históricas entre as chapas em disputa. Mas não deixa de ser curioso que um candidato como Plínio de Arruda Sampaio, capaz de encarnar as expectativas do moralismo de classe média, no velho estilo democrata-cristão, também defenda teses de extrema esquerda na disputa. Sintonizadas com a opinião pública, no seu repúdio ao desmantelamento ético do partido, as chapas de oposição se mostram, contudo, fortemente minoritárias do ponto de vista ideológico.
Será que um padrão de comportamento ético aceitável tem de vir sempre acompanhado de radicalismo doutrinário? Tudo piorou, no aspecto moral, quando a direção do PT resolveu ser menos xiita. Bastou o partido se tornar flexível politicamente, que o pragmatismo virou abandono de qualquer princípio, e começou-se a confundir negociação com negociata.
Sem dúvida, o plano das construções programáticas puras favorece comportamentos mais isentos eticamente, e quem manifesta grande disposição para entrar no mundo real, na "vida como ela é" raramente se destaca pela mania de limpeza. Mas não é convincente que em política se tenha sempre de escolher entre corruptos ou radicais, ou, se quisermos, entre "pragmáticos" e "puritanos".
O problema não está nas pessoas, mas nas instituições; no grau de controle que a sociedade consegue exercer sobre a política. Justamente esse ponto, central para as antigas teorias do ultrademocratismo petista, soçobrou diante do "bolchevismo", como se diz, dos burocratas de Zé Dirceu. Mas não se trata de bolchevismo: trata-se do velho e bom fisiologismo parlamentar com toques do clássico autoritarismo brasileiro.
Num mecanismo peculiar ao PT, temos visto os "pragmáticos" reagirem como "puritanos", e mesmo como mártires, revivendo imaginariamente o espírito da luta armada. "No pasarán", dizem os dirigentes entrincheirados no Campo Majoritário. "No pasarán", respondem os "principistas", zelando pelos últimos compromissos socialistas enquanto o próprio Lula já não pensa mais no assunto.
E o PT, assim, sofre uma dupla ameaça: tornar-se um PMDB ou um PSOL. Nas eleições internas do partido, tem-se o Campo Majoritário tentando justificar o injustificável -a permanência de Delúbio e Zé Dirceu- contra uma oposição que parece reivindicar o que quase ninguém quer -a cabeça de Palocci.
Nos dois casos, a crise de identidade petista estaria longe de seu desfecho. Para falar como os petistas de outros tempos, uma "refundação" para valer não começa a partir da cúpula, com a troca deste ou daquele dirigente, mas sim a partir do movimento das bases.
Só que as bases, como se vê pelas reportagens da Folha, já não se movem sozinhas. Levadas aos locais de votação em organizados sistemas de carona partidária, tudo indica que são conduzidas pelo cabresto.


Texto Anterior: Eleição registra irregularidades em 6 Estados e no Distrito Federal
Próximo Texto: Escândalo do "mensalão"/Eleições no PT: Dirceu admite responsabilidade pela crise
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.