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ANÁLISE
Tragédia do PT começou com opção de Lula por Duda
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Se se quiser fulanizar a "tragédia" do PT, o fulano chama-se
Duda Mendonça. Pelo menos é
esse nome, o do mais badalado
marqueteiro político do Brasil,
que Plínio de Arruda Sampaio,
fundador do partido e um dos seis
candidatos à presidência na eleição de ontem, usa como símbolo.
Para Plínio, um partido que ganha eleição à custa de um Duda
Mendonça fugiu completamente
de sua história, de suas bandeiras.
Parece uma simplificação, mas
não é tanto assim. Primeiro, contratar Duda significa despolitizar
qualquer campanha e privilegiar
a forma sobre o conteúdo -tudo
o que qualquer partido de esquerda não aceita. Ou não aceitava.
Segundo, contratar Duda Mendonça significa a necessidade de
um formidável orçamento de
campanha, coisa que partidos de
esquerda têm notórias dificuldades para montar, porque são naturalmente vistos com desconfiança, quando não com hostilidade, pelos empresários.
A alternativa encontrada pelo
PT foi o "valerioduto" ou como se
queira chamar o esquema de verbas "não-contabilizadas" (neologismo para caixa dois) montado
por Delúbio Soares, o ex-tesoureiro que o partido tem imensas dificuldades em expulsar. Se se preferir sociologia pura à fulanização,
recorra-se ao texto de dois sociólogos, ambos de esquerda, publicados pela Folha. Laymert Garcia
dos Santos e Francisco de Oliveira
(fundador do PT, mas que o deixou a partir da posse de Lula)
constatam que o marketing substituiu a política, e acrescentam:
"Foi na estratégia de suas campanhas que o líder (Lula) e o PT
renderam-se ao neoliberalismo.
Sempre se precisou de dinheiro
para vencer eleições; em tempos
neoliberais, porém, o processo
exige muito dinheiro".
Um pouco na mesma direção
foi o economista Paul Singer,
também fundador, mas não dissidente, em ato da mal chamada
"refundação" do partido: ao trocar a transformação da sociedade
por objetivos eleitorais, o partido
foi trocando militantes por profissionais, até "acabar entrando em
um processo de captação clandestina de recursos que envolveram
vários casos de delinqüência".
É bem verdade que, até a explosiva entrevista em que o então deputado Roberto Jefferson expôs o
esquema do "mensalão", pouca
gente no PT criticava Duda Mendonça e toda a concepção política
por trás de sua contratação.
A primeira crise no partido não
foi fulanizada por Duda nem
mesmo por Waldomiro Diniz, o
auxiliar de José Dirceu pilhado
discutindo as "delinqüência" citadas por Singer com o banqueiro
do jogo Carlinhos Cachoeira. O
primeiro fulano da crise chama-se Antonio Palocci, o todo-poderoso ministro da Fazenda.
Basta ler o que escrevia, no início do já pré-histórico ano de
2004, o economista César Benjamin: "Com a divulgação pelo IBGE do resultado das contas nacionais de 2003, não se pode mais fechar os olhos ao óbvio: o primeiro
ano do governo Lula depauperou
o Brasil. Penalizou especialmente
os mais pobres. Diminuiu o rendimento e os direitos do trabalho.
Aumentou o desemprego. Concentrou a renda nacional".
Uma caudalosa coleção de pecados mortais para um governo
do partido que se dizia dos trabalhadores, de esquerda, popular,
até socialista, ainda que cada vez
mais envergonhadamente.
Depois de listar outros números, "igualmente oficiais", Benjamin decretava que tais dados
eram "o verdadeiro escândalo do
governo Lula. Perto deles, Waldomiro Diniz é só brincadeira".
Palocci conseguiu uma formidável proeza: tornou-se o herói de
todos os setores, empresariais e financeiros, que foram sempre duros críticos do PT, e o vilão para
quase todo o PT. Até hoje é assim:
na sexta-feira, no debate entre os
seis candidatos ao comando partidário, quatro atacaram a política
econômica, alguns (Markus Sokol e Plínio de Arruda Sampaio)
com uma virulência de oposicionistas, jamais de militantes do
partido a que Palocci também
pertence. Mesmo os dois que a
defenderam (Berzoini e Mário do
Rosário) têm restrições.
Basta lembrar que Tarso Genro,
retirado do Ministério da Educação para presidir interinamente o
PT, prega uma nova política econômica, embora não queira fazer
terra arrasada da atual. Da mesma
forma, o senador Aloizio Mercadante vem dizendo, desde antes
da eclosão da crise, que era preciso iniciar a transição para uma
nova política econômica.
Tarso e Mercadante escreveram, uma e outra vez, que a política de Palocci não é inclusiva nem
distribui renda, embora ambos
digam que ela tem seus méritos e
é perfeitamente defensável.
O terceiro fulano da crise chama-se Waldomiro Diniz, não por
ele, personagem irrelevante, mas
porque as denúncias contra ele
atingiram José Dirceu, ao qual geralmente se atribui a construção
do PT com cara de Duda.
Aqui bifurca-se a fulanização e
entra em cena o nome que todos
os petistas tratam de preservar, o
do presidente: foi Lula quem impôs Duda e as alianças com partidos que antes o PT rotulava de
reacionários. Dirceu havia até
costurado uma aliança com o
PMDB, mas Lula derrubou-a. E
foram essas alianças que levaram
à "tragédia" do PT. Sem elas não
haveria o "cheque em branco" de
Lula a Jefferson, não haveria a entrevista-bomba deste e Duda continuaria a ser um marqueteiro de
sucesso, e não o titular da "Dusseldorf", a conta que é o símbolo
desse PT que se afogou em tudo o
que antes criticava nos outros.
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