São Paulo, segunda-feira, 19 de setembro de 2005

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ANÁLISE

Tragédia do PT começou com opção de Lula por Duda

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Se se quiser fulanizar a "tragédia" do PT, o fulano chama-se Duda Mendonça. Pelo menos é esse nome, o do mais badalado marqueteiro político do Brasil, que Plínio de Arruda Sampaio, fundador do partido e um dos seis candidatos à presidência na eleição de ontem, usa como símbolo.
Para Plínio, um partido que ganha eleição à custa de um Duda Mendonça fugiu completamente de sua história, de suas bandeiras. Parece uma simplificação, mas não é tanto assim. Primeiro, contratar Duda significa despolitizar qualquer campanha e privilegiar a forma sobre o conteúdo -tudo o que qualquer partido de esquerda não aceita. Ou não aceitava.
Segundo, contratar Duda Mendonça significa a necessidade de um formidável orçamento de campanha, coisa que partidos de esquerda têm notórias dificuldades para montar, porque são naturalmente vistos com desconfiança, quando não com hostilidade, pelos empresários.
A alternativa encontrada pelo PT foi o "valerioduto" ou como se queira chamar o esquema de verbas "não-contabilizadas" (neologismo para caixa dois) montado por Delúbio Soares, o ex-tesoureiro que o partido tem imensas dificuldades em expulsar. Se se preferir sociologia pura à fulanização, recorra-se ao texto de dois sociólogos, ambos de esquerda, publicados pela Folha. Laymert Garcia dos Santos e Francisco de Oliveira (fundador do PT, mas que o deixou a partir da posse de Lula) constatam que o marketing substituiu a política, e acrescentam:
"Foi na estratégia de suas campanhas que o líder (Lula) e o PT renderam-se ao neoliberalismo. Sempre se precisou de dinheiro para vencer eleições; em tempos neoliberais, porém, o processo exige muito dinheiro".
Um pouco na mesma direção foi o economista Paul Singer, também fundador, mas não dissidente, em ato da mal chamada "refundação" do partido: ao trocar a transformação da sociedade por objetivos eleitorais, o partido foi trocando militantes por profissionais, até "acabar entrando em um processo de captação clandestina de recursos que envolveram vários casos de delinqüência".
É bem verdade que, até a explosiva entrevista em que o então deputado Roberto Jefferson expôs o esquema do "mensalão", pouca gente no PT criticava Duda Mendonça e toda a concepção política por trás de sua contratação.
A primeira crise no partido não foi fulanizada por Duda nem mesmo por Waldomiro Diniz, o auxiliar de José Dirceu pilhado discutindo as "delinqüência" citadas por Singer com o banqueiro do jogo Carlinhos Cachoeira. O primeiro fulano da crise chama-se Antonio Palocci, o todo-poderoso ministro da Fazenda.
Basta ler o que escrevia, no início do já pré-histórico ano de 2004, o economista César Benjamin: "Com a divulgação pelo IBGE do resultado das contas nacionais de 2003, não se pode mais fechar os olhos ao óbvio: o primeiro ano do governo Lula depauperou o Brasil. Penalizou especialmente os mais pobres. Diminuiu o rendimento e os direitos do trabalho. Aumentou o desemprego. Concentrou a renda nacional".
Uma caudalosa coleção de pecados mortais para um governo do partido que se dizia dos trabalhadores, de esquerda, popular, até socialista, ainda que cada vez mais envergonhadamente.
Depois de listar outros números, "igualmente oficiais", Benjamin decretava que tais dados eram "o verdadeiro escândalo do governo Lula. Perto deles, Waldomiro Diniz é só brincadeira".
Palocci conseguiu uma formidável proeza: tornou-se o herói de todos os setores, empresariais e financeiros, que foram sempre duros críticos do PT, e o vilão para quase todo o PT. Até hoje é assim: na sexta-feira, no debate entre os seis candidatos ao comando partidário, quatro atacaram a política econômica, alguns (Markus Sokol e Plínio de Arruda Sampaio) com uma virulência de oposicionistas, jamais de militantes do partido a que Palocci também pertence. Mesmo os dois que a defenderam (Berzoini e Mário do Rosário) têm restrições.
Basta lembrar que Tarso Genro, retirado do Ministério da Educação para presidir interinamente o PT, prega uma nova política econômica, embora não queira fazer terra arrasada da atual. Da mesma forma, o senador Aloizio Mercadante vem dizendo, desde antes da eclosão da crise, que era preciso iniciar a transição para uma nova política econômica.
Tarso e Mercadante escreveram, uma e outra vez, que a política de Palocci não é inclusiva nem distribui renda, embora ambos digam que ela tem seus méritos e é perfeitamente defensável.
O terceiro fulano da crise chama-se Waldomiro Diniz, não por ele, personagem irrelevante, mas porque as denúncias contra ele atingiram José Dirceu, ao qual geralmente se atribui a construção do PT com cara de Duda.
Aqui bifurca-se a fulanização e entra em cena o nome que todos os petistas tratam de preservar, o do presidente: foi Lula quem impôs Duda e as alianças com partidos que antes o PT rotulava de reacionários. Dirceu havia até costurado uma aliança com o PMDB, mas Lula derrubou-a. E foram essas alianças que levaram à "tragédia" do PT. Sem elas não haveria o "cheque em branco" de Lula a Jefferson, não haveria a entrevista-bomba deste e Duda continuaria a ser um marqueteiro de sucesso, e não o titular da "Dusseldorf", a conta que é o símbolo desse PT que se afogou em tudo o que antes criticava nos outros.


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