São Paulo, segunda-feira, 19 de setembro de 2005

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ANÁLISE

PT pode se afastar ainda mais de Lula

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Responsável pela inflexão do PT para o centro a partir de 1995, quando tomou de volta o comando das mãos dos radicais, o Campo Majoritário (ala moderada) vive crise mais profunda do que as outras tendências do partido -também afetadas pelo escândalo do "mensalão".
No "centro petista", o grupo moderado construiu a correta estratégia de moderação política e econômica que levou Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência em 2002. Mas expoentes desse grupo também seguiram taticamente o caminho da ruína, caindo na gandaia com Marcos Valério e gerando a maior crise do partido e da administração Lula.
Nos próximos dias, com o decorrer da apuração das eleições para a nova direção petista, ficará mais claro o tamanho do tombo dos moderados. Ainda com muita força na estrutura burocrática, a ala moderada deverá eleger Ricardo Berzoini presidente do partido. A hipótese mais provável é que isso aconteça em segundo turno, no dia 9 de outubro.
Eleito Berzoini ou até um azarão da esquerda petista, como Válter Pomar, os moderados tenderão a perder peso no Diretório Nacional, instância de 84 lugares que define os rumos do partido e que foi dominada nos últimos 10 anos pela mão-de-ferro de José Dirceu, tão útil a Lula. Como dizem os petistas, uma "nova hegemonia" sairá das urnas petistas.
Nessa "nova hegemonia", terão mais cacife as chamadas tendências radicais. Dificilmente os moderados, que nas últimas eleições internas conquistaram 52% do Diretório Nacional, repetirão as alianças internas que lhes deram o controle de até 70% do órgão nos bons tempos.
Foi essa força que permitiu, por exemplo, atropelar resoluções partidárias para bancar uma política econômica contrária a tudo o que partido defendera antes de chegar ao poder. Ironia do destino, essa contestada política econômica é o maior ativo político que Lula possui para tentar voltar a sonhar com a reeleição.
Nesse contexto, o resultado das eleições internas de ontem deverá acirrar a já forte contradição entre partido e governo sobre a política econômica. O risco será o PT se apresentar nas eleições de 2006 ainda mais distante do governo real que faz em Brasília, ancorado numa retórica de palanque à esquerda de 2002 com o objetivo de tentar evitar a sangria de poder para outras legendas, como PSOL, PSB e PDT .
Em 2002, na carona de "Lulinha paz e amor", o PT elegeu 91 deputados, a maior bancada da Câmara. Os prognósticos eleitorais pós-mensalão dizem que o partido, em 2006, encolherá no Legislativo e terá dificuldade para continuar no Palácio do Planalto. Além de danoso para ambos, um afastamento crescente entre Lula e o PT poderá produzir uma mescla de legenda anacrônica de esquerda e mera máquina eleitoral. E aquele partido que prometia mudar o Brasil terá sido, então, história.

Gesto de desapreço
Se queria se distanciar mais do PT, Lula não poderia ter feito melhor. Apesar de ter estado ontem no berço do partido, no ABC, não compareceu para votar nas eleições internas. Com isso, deu a entender que o PT não é problema seu. É, sim. E dos grandes. Como Lula não se cansa de cometer erros políticos, cometeu mais um. Ele e o PT são indissociáveis.


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