São Paulo, terça-feira, 19 de outubro de 2004

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ENERGIA POLÍTICA

Agência terá "visão maior" da fábrica, mas não das centrífugas

Governo cede, mas mantém restrição à inspeção da AIEA

GABRIELA WOLTHERS
DA SUCURSAL DO RIO

O Brasil cedeu um pouco, a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) cedeu outro tanto e ambas as partes verão se é possível chegar até amanhã a um consenso sobre a inspeção da fábrica de enriquecimento de urânio em Resende, no Estado do Rio de Janeiro.
Segundo o presidente da Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear), Odair Gonçalves, o governo federal continua firme na posição de não mostrar à agência, cuja tarefa é inspecionar atividades nucleares, as centrífugas para enriquecimento de urânio. A AIEA é ligada à ONU (Organização das Nações Unidas).
Em compensação, o país aceitou oferecer "uma visão maior" das tubulações, válvulas e conexões que são a elas ligadas. "O importante é verificar se não há desvios, se não há uma tubulação de urânio enriquecido fora das especificações", disse Gonçalves.
Os membros da AIEA não deram informações à imprensa. Mas, de acordo com o presidente da Cnen, eles aceitaram ir hoje a Resende verificar se é possível fazer a inspeção sem ter acesso total às centrífugas.
"A agência tinha uma palavra na qual insistia que era "acesso irrestrito". Hoje a própria agência concordou que é possível fazer a verificação sem acesso total e irrestrito", disse Gonçalves. A reunião final acontece amanhã.
O diretor da Área Internacional da Cnen, Laércio Vinhas, resumiu assim a solução: "É o lema do Salgueiro: nem melhor nem pior, apenas diferente".
O governo federal alega necessidade de proteger a tecnologia nacional para não revelar dados, como o número de centrífugas que existem. Elas são arrumadas em seqüência, chamadas de "cascatas". Quanto mais cascatas, mais alto é o teor de enriquecimento do urânio (leia quadro nesta página).
Ontem houve uma reunião de cerca de quatro horas entre membros da Cnen, da AIEA, da INB (Indústrias Nucleares Brasileiras) e do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP).
As duas últimas são as responsáveis pelo desenvolvimento da tecnologia para o enriquecimento de urânio em escala industrial no país. Três membros da AIEA -um norte-americano, um sul-africano e um francês- participaram do encontro na sede da comissão, em Botafogo (zona sul do Rio de Janeiro).

Histórico
As negociações em torno da inspeção da fábrica de Resende se prolongam desde abril.
"O que mudou agora foi a postura para tentar buscar uma solução que, ao mesmo tempo, garantisse a preservação da nossa tecnologia e permitisse à agência ter certeza de que não existe desvio de material dentro da fábrica", afirmou o presidente da Cnen.
"A postura estava tensa. Quando a postura é tensa, cada um fica do seu lado e ninguém cede em nada. O que a gente descobriu é que, sem nenhum dos dois lados se violar, existiam maneiras de satisfazer as nossas necessidades e as deles", declarou Gonçalves.
Os cargos da equipe da AIEA não foram revelados, mas a Cnen afirma que são membros de uma hierarquia superior aos inspetores. Caso a proposta seja aceita, dentro de aproximadamente duas semanas virá outra equipe da agência ao Brasil, desta vez formada por inspetores.
Com isso, a fábrica de Resende, que ainda não está em funcionamento, poderá entrar na fase de testes, quando são injetadas pequenas quantidades de gás de urânio para verificar se não existe nenhum vazamento.
Os testes, segundo a Cnen, demoram cerca de seis meses. Após esse período, a fábrica finalmente estará apta a enriquecer urânio em escala industrial. Nesta etapa, tem início uma nova rotina de inspeções da AIEA para verificar se a fábrica está seguindo normas de segurança internacionais.


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