|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
Das palavras aos atos
A causa, por ora, é difícil
identificar. Tanto pode ser a
euforia ainda descontrolada
por sentir-se poder, como o autoritarismo reprimido em alguns e de repente aflorante, ou a
falta de tempo para refletir sobre sua nova situação. Mas o fato é que as eminências do PT
não estão se dando conta das
circunstâncias que vêm produzindo.
A sabatina de Henrique Meirelles em comissão do Senado,
sobre suas idéias para o Banco
Central, foi um espetáculo muito grave. Já nem digo pelo contorcionismo patético de petistas
para defender Meirelles, ex-acusado pelos próprios petistas na
condição de presidente do
BankBoston. Essas ficaram como cenas vexaminosas. Mas o
que se passou em torno da senadora Heloísa Helena revelou
uma ameaça inesperável até à
essência mesma do petismo, como elaboração do espírito democrático.
A senadora foi compelida a
aprovar a indicação para o BC
ou a silenciar, entregando seu
lugar a outro petista. Tal acordo
seria normal se Heloísa Helena
não fizesse questão de exercitar
o voto contrário a Meirelles.
Mas, à sua maneira teatral, o
voto negativo já fora anunciado
e reiterado como atitude sem retificação possível.
Há dois aspectos envolvidos
na imposição à senadora. Um é
a fidelidade partidária, o sentido e o alcance do compromisso
do parlamentar com o partido.
Outro é a argumentação adotada pelo PT, por intermédio de
seu novo presidente, José Genoino, e aceita pela bancada com a
exceção única, e não surpreendente, do senador Eduardo Suplicy.
A fidelidade partidária é uma
necessidade para a moralização
da atividade parlamentar e, em
geral, da vida política influenciada pelas relações entre governo e Congresso. A fidelidade só
pode ser, porém, aos princípios
explicitados no documento que
define a personalidade doutrinária, ideológica, do partido
-o seu programa. Os elementos
programáticos é que têm de ser
respeitados sempre, e quem pretenda fugir ao compromisso
com as questões doutrinárias do
partido pode ir sambar em outra freguesia.
As maiorias do Congresso, legislatura após legislatura, têm
rejeitado a fidelidade partidária
porque se trata de um obstáculo
ao fisiologismo, ao compra-e-vende nas votações desejadas
pelos governos. Privatizações e
outras alterações constitucionais criadas por Fernando Henrique Cardoso foram, por exemplo, inconciliáveis com o programa do PMDB, mas aprovadas
com o voto decisivo dos peemedebistas da Câmara e do Senado. E muito bem pagas.
Não sendo partido fisiológico,
mas doutrinário ou programático, o PT não se incorporou à
derrubada das propostas de fidelidade partidária.
Agora, o aspecto petista no caso da sabatina. Mesmo que Heloísa Helena quisesse mais uma
das exibições do seu agrado, sua
atitude em relação ao voto não
conflitou com o programa petista. Aprovar ou vetar um indicado para o governo não é questão
programática do PT, nem de
outro partido. E há que distinguir entre compromisso programático e posição de consciência.
Argumento de José Genoino para silenciar a senadora:
-A voz pode ser destoante,
mas o voto, não.
E o caráter, onde fica? Dizer
uma coisa e fazer outra, é essa a
regra a ser praticada no poder?
Mais José Genoino, sobre o
aprova-ou-desce imposto a Heloísa Helena: "É fundamental
para a credibilidade do presidente. Não podemos brincar
com fogo. Vamos governar de
maneira séria".
A credibilidade de Lula da Silva depende justamente do oposto ao que José Genoino imagina:
depende da fidelidade dos seus
atos, como os de seu governo e os
do PT, palavras ditas e escritas.
A sujeição a ordens de voto
contra a consciência, e em questões sem o compromisso programático, é própria dos governos e
arremedos de partido e de congresso nos regimes ditatorialescos.
O PT parece mais perturbado
pela vitória do que esteve com as
derrotas. Em parte, é compreensível. Mas a outra parte está carente das atenções do próprio
PT.
Texto Anterior: Acordo permite que Orçamento vá a votação Próximo Texto: Legislativo: Salário de parlamentar vai a R$ 12,72 mil Índice
|