São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

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JANIO DE FREITAS

Das palavras aos atos

A causa, por ora, é difícil identificar. Tanto pode ser a euforia ainda descontrolada por sentir-se poder, como o autoritarismo reprimido em alguns e de repente aflorante, ou a falta de tempo para refletir sobre sua nova situação. Mas o fato é que as eminências do PT não estão se dando conta das circunstâncias que vêm produzindo.
A sabatina de Henrique Meirelles em comissão do Senado, sobre suas idéias para o Banco Central, foi um espetáculo muito grave. Já nem digo pelo contorcionismo patético de petistas para defender Meirelles, ex-acusado pelos próprios petistas na condição de presidente do BankBoston. Essas ficaram como cenas vexaminosas. Mas o que se passou em torno da senadora Heloísa Helena revelou uma ameaça inesperável até à essência mesma do petismo, como elaboração do espírito democrático.
A senadora foi compelida a aprovar a indicação para o BC ou a silenciar, entregando seu lugar a outro petista. Tal acordo seria normal se Heloísa Helena não fizesse questão de exercitar o voto contrário a Meirelles. Mas, à sua maneira teatral, o voto negativo já fora anunciado e reiterado como atitude sem retificação possível.
Há dois aspectos envolvidos na imposição à senadora. Um é a fidelidade partidária, o sentido e o alcance do compromisso do parlamentar com o partido. Outro é a argumentação adotada pelo PT, por intermédio de seu novo presidente, José Genoino, e aceita pela bancada com a exceção única, e não surpreendente, do senador Eduardo Suplicy.
A fidelidade partidária é uma necessidade para a moralização da atividade parlamentar e, em geral, da vida política influenciada pelas relações entre governo e Congresso. A fidelidade só pode ser, porém, aos princípios explicitados no documento que define a personalidade doutrinária, ideológica, do partido -o seu programa. Os elementos programáticos é que têm de ser respeitados sempre, e quem pretenda fugir ao compromisso com as questões doutrinárias do partido pode ir sambar em outra freguesia.
As maiorias do Congresso, legislatura após legislatura, têm rejeitado a fidelidade partidária porque se trata de um obstáculo ao fisiologismo, ao compra-e-vende nas votações desejadas pelos governos. Privatizações e outras alterações constitucionais criadas por Fernando Henrique Cardoso foram, por exemplo, inconciliáveis com o programa do PMDB, mas aprovadas com o voto decisivo dos peemedebistas da Câmara e do Senado. E muito bem pagas.
Não sendo partido fisiológico, mas doutrinário ou programático, o PT não se incorporou à derrubada das propostas de fidelidade partidária.
Agora, o aspecto petista no caso da sabatina. Mesmo que Heloísa Helena quisesse mais uma das exibições do seu agrado, sua atitude em relação ao voto não conflitou com o programa petista. Aprovar ou vetar um indicado para o governo não é questão programática do PT, nem de outro partido. E há que distinguir entre compromisso programático e posição de consciência. Argumento de José Genoino para silenciar a senadora:
-A voz pode ser destoante, mas o voto, não.
E o caráter, onde fica? Dizer uma coisa e fazer outra, é essa a regra a ser praticada no poder? Mais José Genoino, sobre o aprova-ou-desce imposto a Heloísa Helena: "É fundamental para a credibilidade do presidente. Não podemos brincar com fogo. Vamos governar de maneira séria".
A credibilidade de Lula da Silva depende justamente do oposto ao que José Genoino imagina: depende da fidelidade dos seus atos, como os de seu governo e os do PT, palavras ditas e escritas.
A sujeição a ordens de voto contra a consciência, e em questões sem o compromisso programático, é própria dos governos e arremedos de partido e de congresso nos regimes ditatorialescos.
O PT parece mais perturbado pela vitória do que esteve com as derrotas. Em parte, é compreensível. Mas a outra parte está carente das atenções do próprio PT.


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