São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

HERANÇA MILITAR

PF acha documentos de outros órgãos queimados na Base Aérea

Arquivos do Dops e do SNI foram "plantados" na Bahia

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Peritos da Polícia Federal informaram ao governo que os documentos referentes à ditadura militar (1964-1985) encontrados em Salvador não estavam arquivados na Base Aérea, onde foram parcialmente queimados. Conforme a PF comunicou aos ministérios da Justiça e da Defesa e ao Comando da Aeronáutica, os papéis foram trazidos de fora e introduzidos na Base Aérea, não se sabe ainda por quem.
A Folha obteve cópias de parte dos papéis oficiais que escaparam do fogo. São documentos com carimbos de "secreto" e "confidencial" de diferentes órgãos do governo, inclusive da própria base.
Há papéis dos órgãos de inteligência da Aeronáutica, da Marinha e do Exército e também dos antigos Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e SNI (Serviço Nacional de Informações). A partir da Bahia, eles controlavam outros Estados do Nordeste. Daí haver, no meio da papelada, relatórios das secretarias de segurança estaduais.
Os alvos eram movimentos estudantis e feministas, partidos à época clandestinos e órgãos internacionais de difusão do comunismo. Foram encontrados, ainda, documentos com "lições" sobre grupos e ações terroristas, como seqüestro e explosões de aviões.
Há prontuários posteriores ao fim da ditadura militar. Um é da Aeronáutica, de número 17.235, de 7 de maio de 1991, sobre um militante do Partido Comunista do Brasil. O presidente era Fernando Collor de Mello, primeiro presidente civil eleito por voto direto depois da abertura política.
Outro documento foi produzido pelo Comando do Segundo Distrito Naval, da Marinha, no dia 30 de maio de 1989 -ano da eleição de Collor, no governo José Sarney. É sobre o discurso do vereador do PSB de Sergipe Marcélio Bonfim Rocha, que chegara de uma viagem a Cuba e elogiava a ilha de Fidel Castro.

Comparação
A conclusão dos peritos da PF de que os documentos eram de fora e foram introduzidos na Base Aérea foi tirada principalmente do confronto entre os papéis que foram salvos do incêndio com outros dos arquivos da própria Base, que está sendo vistoriada.
Os peritos também relataram que, na vistoria, não foi encontrado nenhum local que pudesse ter abrigado os documentos e depois esvaziado recentemente sem deixar vestígios. Não há, por exemplo, salas, estantes, caixas ou arquivos de aço vazios, como se tivessem sido limpos pouco antes.
A PF, que auxilia o IPM (Inquérito Policial Militar) sobre o caso, está fazendo também a comparação entre os documentos parcialmente queimados e os que foram encontrados intactos depois, a 70 metros deles, num saco plástico.
A informação repassada pela PF a escalões superiores foi recebida com alívio, especialmente no Comando da Aeronáutica, porque as suspeitas mais fortes desde o início do caso -com a divulgação pela Rede Globo da destruição dos papéis, no domingo passado- são as de queima de arquivo comprometedor pelos próprios oficiais da base.
Em entrevista publicada pela Folha na quarta-feira passada, o comandante, brigadeiro-do-ar Luiz Carlos Bueno, admitiu a possibilidade de os documentos estarem com militares da reserva da FAB (Força Aérea Brasileira), e não com oficiais da ativa.
Com a informação da PF de que os documentos foram provavelmente introduzidos na Base Aérea, porém, os oficiais que ali servem ainda continuam sob suspeita. Não há, até agora, nenhum indício de quem, nem por que, teria levado os documentos para serem queimados numa sede militar. Mas não está descartada a hipótese de os autores terem sido ajudados por pessoas da própria base.
O "Diário Oficial" da União publica amanhã portaria do comandante Bueno indicando o tenente-brigadeiro-do-ar José Carlos Pereira para coordenar o "exame dos arquivos do Sistema de Inteligência da Aeronáutica (Sintaer) referentes ao período de 1964 a 1985, com intuito de identificar a documentação ali existente".
Pereira é comandante-geral do Ar, segundo posto na hierarquia da Aeronáutica, e, na portaria, o comandante estabelece que, para os militares envolvidos no exame dos documentos, os trabalhos de coordenação "têm precedência sobre as demais atividades".

Documentos
Em ofício de 30 de novembro, Bueno requisitou a todas as unidades os documentos sobre a época do regime militar.
Na semana passada, a nova Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas, que reúne sete ministros, inclusive o da Defesa, José Alencar, tomou decisão mais abrangente: os documentos, sejam de órgãos civis ou militares, deverão ser concentrados na Casa Civil.
Antes da descoberta dos papéis queimados na Base Aérea de Salvador, a Aeronáutica garantia que não tinha documentos. Na versão da Força, eles teriam sido destruídos, num total de 30 toneladas, durante um incêndio no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, em 1998.


Texto Anterior: Painel
Próximo Texto: Até a rede ferroviária espionou comunistas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.