São Paulo, domingo, 20 de janeiro de 2002

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NO PLANALTO

Surge em Bauru o Pedro Collor do escândalo da filantropia

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ele se chama Mauro Leite Toledo. Integra um ilustre clã do município de Bauru. Compareceu espontaneamente ao Ministério Público e à Polícia Federal. Prestou depoimentos explosivos.
Delatou a farra que a família dele empreende numa instituição chamada ITE (Instituto Toledo de Ensino). A fuzarca é patrocinada pelo contribuinte, ou seja, você.
A escola foi fundada em 1956. Vende aulas de direito. Figura nos arquivos do Ministério da Justiça como "entidade de utilidade pública". Para a Previdência, é uma organização "filantrópica". Não paga impostos. Em troca, deveria primar no atendimento a alunos carentes. Converteu-se, porém, em usina de negócios oblíquos.
Há sete meses, graças ao roteiro oferecido pelo testemunho de Mauro Leite Toledo, abriu-se uma investigação. Desencavou-se nos subterrâneos da escola um feixe de desmandos. Abaixo, laivos dos achados:
1) parte do dinheiro arrancado dos alunos na forma de mensalidades, taxas de matrícula e vestibular não chega à contabilidade da escola. Toma atalhos que convergem para um caixa dois. Só entre março e dezembro de 2000 desviaram-se R$ 771.793;
2) Mauro Leite Toledo, o Pedro Collor de Bauru, maneja munição pesada. Recolheu-a numa vida de serviços prestados à escola. Depois das denúncias, foi levado ao freezer pela família. Embora sem poder decisório, ainda ocupa o cargo de secretário-geral da instituição. "Sou o vagabundo mais bem remunerado do país", diz. Ele entregou às autoridades relatório de auditoria da Soteconti Auditores Independentes. Traz a análise das contas da faculdade de 1995 a 1997. Contabiliza "desvio de numerários" de R$ 10,067 milhões. Anota os nomes dos beneficiários. São todos Toledo. Não escapa nem o denunciante;
3) a Soteconti farejou "evasão de receita". Entre fevereiro e julho de 1997, evaporaram R$ 582.388. Eis a anotação dos auditores: "Fomos informados (...) de que parte do valor foi utilizada para a compra de notas fiscais de prestação de serviços para cobrir saídas de caixa sem comprovação, cujos serviços jamais foram prestados, e o restante foi considerado como suprimento de caixa paralelo";
4) o embuste não alcança apenas as notas de serviço. Lotes de notas frias de fornecimento de material também aportam nos livros contábeis da faculdade. Uma delas registra a compra de R$ 3.360 em cimento, no dia 3 de agosto de 2000, na firma Panorama Materiais de Construção, de São José do Rio Preto. Contatada pelo repórter, a Panorama informou: não fez negócios com a faculdade dos Toledo. Confrontada com a via do talonário, a nota levada aos arquivos da escola confirma sua vocação glacial. O logotipo não bate, a data de emissão é outra (24 de dezembro de 1999), a forma de preenchimento é distinta, o valor é inferior e o produto vendido não é cimento. Preenchida em computador, a nota gelada traz na lateral direita o nome de quem a imprimiu: Albert Gráfica Ltda. A via do talonário, redigida à mão, foi encomendada à Grafi-City Gráfica Ltda.;
5) outra nota informa que, no mesmo dia, 3 de agosto de 2000, adquiriu-se R$ 1.543,50 em concreto da firma Concreband Ltda., também de São José do Rio Preto. A nota traz o número 19.638. Na quinta-feira, por volta das 16h, a última nota emitida no balcão da Concreband ostentava o número 15.510. O talonário contém cinco vias de cada nota. O documento da escola faz menção a seis vias. Um acinte;
6) nacos da contabilidade da escola de Bauru foram ao lixo. Venderam-se diários de caixa e outros documentos para uma firma de reciclagem de papel. Dados relativos à suposta concessão de bolsas de estudo a alunos pobres em 1999 e 2000 foram inutilizados;
7) impedida por lei de receber salários, a alta direção da faculdade embolsa estipêndios sem paralelo no mercado educacional. A paga mais generosa alça a R$ 28 mil. A fraude está documentada em planilhas individuais. Cada Toledo tem a sua. Há ainda um papel batizado de "Levantamento da Folha de Pagamento Família Toledo";
8) os principais parceiros do butim são Ana Maria Leite Toledo, Maria de Lourdes Leite Toledo, Edson Márcio Toledo Mesquita e Antônio Eufrásio de Toledo Filho. Este último beliscou, em setembro de 2000, quatro cheques de R$ 7.000. Registrados em extratos bancários, os saques não constam da contabilidade oficial. A prática é corriqueira. Só de uma conta (número 13-000313-7, agência 505 do Banespa) dissiparam-se R$ 188,8 mil entre outubro e dezembro de 2000;
9) há Toledos de quem não se exige nem a contraprestação de serviços. Em 1997, Marina Guimarães Toledo recebeu R$ 48.590 sem derramar nenhuma gota de suor nos corredores da escola. Cláudia Mansani Queda Toledo e Flávio Carvalho Toledo foram beneficiados com R$ 23.867 embora seus nomes não ornassem a folha de salários da instituição;
10) os Toledo realizam com a escola inusitadas transações imobiliárias. Um exemplo: Maria de Lourdes Leite Toledo "comprou" do ITE, por R$ 68 mil, um apartamento de 260 m2 avaliado no mercado imobiliário de Bauru por até R$ 200 mil. Ainda não se encontrou nenhum vestígios do ingresso do dinheiro nas contas da instituição.
Procurado, o Toledo que atua como porta-voz da escola, Antônio Eufrásio, indicou o advogado Damásio Evangelista de Jesus para falar em nome da instituição. O repórter discou cinco vezes para Damásio, sem sucesso.
Os números da carochinha produzidos pela faculdade dos Toledo vêm sendo gostosamente digeridos por Brasília. O último certificado de filantropia que a instituição obteve na Previdência é de 28 de março de 2000. Um pedido de renovação até 2003 aguarda decisão do Conselho Nacional de Assistência Social.
O ministro Roberto Brant (Previdência), nunca é demasiado lembrar, entregou ao Planalto propostas de decretos que socorrem faculdades e hospitais filantrópicos com as contas carunchadas. Dá-lhes três anos para se ajustar. Gente como os Toledo, penhoradamente, agradece.



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